segunda-feira, 23 de julho de 2012

ICNF: Estigmatizado à nascença


Conforme assumido pelo Governo, com a aprovação do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC) em setembro de 2011, a fusão da Autoridade Florestal Nacional (AFN) e do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), enquadra-se no processo de melhoria organizacional da Administração Central e no ajustamento do peso do Estado aos limites financeiros do País.

Em maio de 2012 é aprovada, em Conselho de Ministros, a criação do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF). A aprovação da orgânica do ICNF ocorreu passados quase 11 meses da tomada de posse do Governo, 8 meses após a publicação do PREMAC e 5 meses após a aprovação da orgânica do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), que o tutela.

O ICNF herda o estatuto das duas autoridades nacionais com atribuições nos espaços silvestres em Portugal. A AFN assume o património histórico da Administração Florestal das Matas do Reino, criada como organismo autónomo em 1824, e o ICNB descende do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, criado em 1975, incorporando a Divisão de Parques e Reservas, da então Direção Geral do Fomento Florestal.

No histórico de entidades antecessoras da AFN, com as mais variadíssimas designações nas últimas décadas, assistiu-se a alguns momentos de controvérsia no que respeita á florestação com espécies de rápido crescimento (ERC). Uma delas, que na altura estigmatizou, e talvez ainda estigmatize os Serviços Florestais do Estado, foi a transferência de muitos técnicos superiores destes para as empresas da indústria de celulose, em fase de grande expansão nas décadas de 70 e 80. No final dos anos 80, os serviços conseguiram contribuir para o apaziguamento social dos ânimos face á contestação às florestações com as ERC. A sua imagem ficou contudo beliscada, talvez mais por motivos intrínsecos, do que por fatores externos. Facto é que o seu papel se tem vindo a desvalorizar socialmente ao longo dos anos.

O ICNB e seus antecessores, por seu lado, tiveram uma maior aceitação social, sobretudo em meio urbano, vinculado que está à conservação da Natureza. Foi igualmente contestada a sua atuação, designadamente no que respeita á gestão da Rede Nacional de Áreas Protegidas, embora aqui num contexto de condicionamento da atividade económica.

Concretizada a fusão, não deixa de ser confrangedor assistir à repetição da história, não pelos melhores motivos.

Ao invés de ver valorizados os aspectos socialmente positivos do património histórico dos dois organismos que o antecedem, assiste-se agora à estigmatização da nova entidade, associando-a a uma proposta de alteração legislativa avulsa, extemporânea e mesmo irresponsável, concretamente a que pretende alterar as regras nas ações de florestação com as ERC.


Quer se queira quer não, por profunda inabilidade política, o ICNF está daqui para a frente associado à promoção inconsequente da florestação com eucalipto, promoção essa desprovida de preocupações quanto a uma estratégia nacional, ao ordenamento do território, ao planeamento florestal e, sobretudo, sem exigir garantia de uma gestão sustentável dos espaços agrícolas e silvestres que venham a ser alvo de florestação com estas espécies.

A indústria de celulose e papel é importante para Portugal, compreende-se até o esforço empresarial na defesa do negócio, não se entende é a postura do MAMAOT, quer ao procrastinar a definição de uma Visão para os espaços silvestres em Portugal, quer ao permitir estigmatizar o ICNF logo à nascença, ao fazê-lo debutar perante o País com uma intervenção totalmente desastrosa. 

Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal

(Ver em http://www.vidarural.pt/news.aspx?menuid=8&eid=6584&bl=1 ou em http://diarioagrario.blogspot.pt/2012/07/estigmatizado-nascenca.html)

5 comentários:

  1. Esta obsessão do presidente da Acréscimo por um projecto de diploma que quem floresta o que quer que seja - o que não e o caso dele nem da Acréscimo - sabe que e urgente e necessario e que corre o risco de estigmatizar a Promissora Acréscimo!
    Afinal onde estão os erros do projecto? O que e que e preciso explicar mais?
    E isto de relacionar o definhar dos Serviços Florestais com as celuloses e mesmo uma "descoberta" surpreendente! Esta ainda não tinha ouvido!
    Abraço
    JSoares

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    1. E só mais uma nota: a industria da celulose - que já e mais do papel que da celulose...- não esta a defender o negocio! Esta a gerar riqueza num pais paupérrimo e falido!
      Quem mais o faz?
      Vale a pena olhar para o PSI 20 e ver quem são as maiores empresas...e quantas, sendo nacionais, não se limitam a aproveitar do negocio das utilities reguladas...
      Há muito poucas...e as maiores fabricam pasta e papel...
      JSoares

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  2. Urgente, do meu ponto de vista, é garantir a viabilidade dos povoamentos florestais existentes, pela sua gestão ativa. Florestar, por muito urgente que possa parecer, só será consequente para o País, depois de garantida essa gestão. Isso já acontece em áreas de floresta certificada e em zonas de intervenção florestal. Fora isso, o risco social, ambiental e económico é muito elevado. Sem garantia de gestão, não se deve florestar. É imperioso cortar o ciclo floresta-arde-refloresta, pois muito provavelmente voltará a arder, caso não haja gestão florestal. O projecto de diploma não tem explicação possível, é um ato avulso, extemporâneo e, sobretudo, irresponsável.
    Não está referido no texto, nem subentendido sequer, que o definhar dos Serviços está relacionado com a indústria, qualquer que ela seja.
    Salvadores da Pátria temos tido muitos, as celuloses ainda não tinha visto na lista.
    Um abraço, Paulo Castro

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    1. Nalguma coisa estamos de acordo!
      A floresta certificada (a das empresas esta 100%) e a boa gestão são condições previas a florestação...
      Agora só falta ser burocraticamente possível...(dai a defesa da necessidade de nova legislação...).
      A boa gestão em ZIF...e ainda wishful thinking...
      A melhoria da política florestal faz-se avançando em todas as frentes e não por secções estanques.
      Quando a ligação entre SF estigmatizados e celuloses basta reler o texto...
      Ninguém fala em salvadores da pátria mas importa ter a noção do estado em que esta o pais e o que vamos deixar para a geração seguinte. E contribuir para gerar riqueza de forma SUSTENTÁVEL e algo que todos deveríamos apoiar sem preconceitos absurdos.
      Abraço
      JSoares

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  3. Não parece estarmos longe de um acordo. Contudo, separa-nos de início um "preconceito", assumido convictamente pela Acréscimo: sem garantia de gestão, preferencialmente sustentável, não deve ir mais uma planta para o terreno, seja exótica ou autóctone. Ora, não estando assegurado este pressuposto basilar, a actual proposta do ICNF mantém-se avulsa e irresponsável, para além de extemporânea (questão não abordada ainda).
    Quanto a estigma, a Acréscimo assume-se totalmente estigmatizada em dois grupos de princípios: os do Desenvolvimento Sustentável (a iniciativa do ICNF está longe disso) e os de responsabilidade social (a indústria está a léguas). Isso foi assumido desde que se apresentou publicamente.
    Um abraço,
    Paulo Castro

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