segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Mais um encanar a perna à rã?


No passado dia 24 de agosto, última sexta-feira, em visita ao Algarve a ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território anunciou a possibilidade de parte dos 26 mil hectares de terras ardidas, nos concelhos de Tavira e de São Brás de Alportel, poderem integrar uma zona piloto de testes.

O Ministério parece não ter uma Visão, uma estratégia definida para as florestas e para o desenvolvimento rural, vai fazer testes (de soluções). Espera-se algo mais do que a iniciativa “Vamos plantar Portugal”.

Curiosamente, estamos perante um aparente dejá vu. Estes mesmos concelhos haviam já sido integrados num projeto experimental, iniciativa essa que faz parte do património histórico do MAMAOT.

Ora, em 2006, por Resolução do Conselho de Ministros, foi criado o Sistema Nacional de Exploração e Gestão de Informação Cadastral (SINERGIC), no qual foi estabelecido um projeto experimental de cadastro para áreas com elevado risco de incêndio florestal. Este projeto piloto incluía a intervenção em sete municípios: Paredes, Penafiel, Seia, Oliveira do Hospital e Loulé, Bem como nos este ano vitimados concelhos de Tavira e de São Brás de Alportel. Previa-se que o SINERGIC fosse implementado até final do primeiro semestre de 2012 (?).

As futuras zonas piloto e os projetos piloto (do passado) não podem servir de desculpa política para se adiar o que tem de ser concretizado.

Importa ter presente que, tal como considerou o secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, é “inadmissível que não exista um cadastro de propriedade rústica” em parte significativa do Território Português. Mais, segundo o membro do atual Governo, será considerado “um falhanço”, se a proposta de concretização do cadastro rústico não for desenvolvida na atual legislatura.

Esperemos assim que o propósito da zona piloto de testes, anunciada pela ministra para os vitimados concelhos de Tavira e de São Brás de Alportel, que surge depois de um aparente nascido morto projeto piloto, não seja mais um encanar a perna à rã.

Do ponto de vista florestal, onde a variável tempo difere substancialmente do tempo político, a anunciada zona piloto (de testes), tal como o inconclusivo projeto piloto do SINERGIC, não podem ser meros actos de propaganda política, têm de ter consequências práticas e visíveis no terreno.

As populações rurais, em especial as vítimas dos incêndios florestais (evitáveis), merecem muito melhor dos Governos de Portugal.

Desafia-se assim o Ministério a apresentar uma iniciativa concreta, baseada nos problemas e vivências rurais, dirigida da base ao topo, devidamente calendarizada e de execução fiscalizável por entidade terceira.

Os tempos da propaganda política têm de pertencer ao passado, a situação do País assim o exige.

Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
Ex-Secretário Geral da Anefa - Associação Nacional das Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente
Ex-Secretário Geral da Federação dos Produtores Florestais de Portugal

(Publicado no Diário de Notícias, em http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2752303&seccao=Convidados&page=-1)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Será o eucalipto uma árvore maldita ou... uma solução de futuro?


A propósito do artigo do Sr. Eng. João Soares, intitulado “Os prejuízos do eucalipto”, publicado no Jornal "Público" de 14 de Agosto, venho aproveitar a oportunidade para expressar a minha surpresa e desacordo pela polémica que mais uma vez se instalou sobre uma espécie vegetal que é o Eucalipto, que considero um total non sense e uma perda de tempo e de energia.

Por formação e por experiência profissional, sempre me fez confusão porque é que a partir dos anos 80 do seculo passado a cultura do eucalipto e a indústria da celulose começaram a ser alvo de “contestação” por parte de profissionais ligados ao “Ambiente” (na sua maioria funcionários públicos). Provavelmente esta contestação tenha como finalidade obterem protagonismo político, depois de criada a Secretaria de Estado, que mais tarde passou a ser o Ministério do Ambiente. Há que considerar igualmente as manifestações algo primárias a que assistimos (por exemplo pessoas amarradas com correntes às máquinas para impedir as florestações), protagonizadas pelos “grupos ambientalistas” que entretanto começaram a surgir.

A cultura intensiva do eucalipto e o seu aproveitamento pela indústria para o fabrico de pasta de papel vem muito detrás. Basta recordar que muitos dos ensaios de plantações com eucaliptos foram iniciados, nos anos 50 em Moçambique, pela então Junta do Ultramar, e foram posteriormente continuados em Portugal continental pela empresa CUF-Companhia União Fabril, que recrutou para os seus quadros alguns dos técnicos vindos de Moçambique. Foi no Centro de Estudos Agronómicos da CUF em Sacavém que se iniciaram e desenvolveram os primeiros ensaios em vasos com o Eucalipto, visando a determinação da sua adaptação a diversos tipos de solos e foram também levado a cabo ensaios de fertilização que determinaram o aparecimento das normas de adubação da cultura. De tal modo os resultados foram interessantes que a CUF estabeleceu uma sociedade com a empresa sueca Billerud AB, tendo surgido em 1965 a Celulose Billerud, SARL (mais tarde a CELBI – Celulose Beira Industrial, SA), onde a CUF detinha 23 % do Capital, a Billerud AB 71 % e um grupo de produtores florestais 6%. Esta unidade industrial foi construída junto à cidade da Figueira da Foz porque apresentava as seguintes vantagens: proximidade de área florestais, abundância de água, indispensável ao processo produtivo, proximidade do Oceano Atlântico e de um Porto Comercial e disponibilidade de mão-de-obra qualificada. E assim se deu início à transformação da madeira de eucalipto que começou a ser plantado, inicialmente nos terrenos junto à fábrica, como uma cultura agrícola intensiva, considerando o número de plantas por hectare (entre 1.200 e 1.400), com a tecnologia utilizada na agricultura – escolha de solos, análise de terra, preparação do terreno, normas de adubação, etc.

Durante quase 20 anos que não se ouviu qualquer tipo de contestação à cultura do Eucalipto propriamente dita, verificando-se sim alguma resistência e protesto contra o mau cheiro que era típico de todas as unidades de celulose do país. Os eucaliptos sempre foram vistos como árvores decorativas magníficas pelo seu rápido crescimento e porte, existindo vários exemplares em quase todos os montes alentejanos. Apareciam também em jardins, nas bermas das estradas (com a sua lista branca), como cortinas de protecção contra ventos, protecção de taludes, etc.

Não é pois uma árvore desconhecida da população portuguesa e quando nos anos 60 começou a ser plantada como uma cultura agrícola para a produção de madeira, que era utilizada por uma indústria de sucesso (já nessa altura), e que dava trabalho a muitos milhares de portugueses, não se registavam contestações ao nível das que começamos a assistir nos finais dos anos 80.

Por vezes as empresas como os homens são vítimas do seu próprio sucesso e neste caso a indústria da pasta de papel, que sempre apresentou resultados positivos apesar das convulsões políticas e socioecónomicas que se seguiram ao 25 de Abril, começou então a ser “contestada” por grupos de cidadãos associados em organizações ditas “ambientalistas” e também pelas recém formadas instituições públicas ligadas ao “Ambiente”. Procuravam protagonismo ou se possível cortar alguma fatia do bolo em troca de moderar posições? Nunca o saberemos.

Na verdade nos anos em que trabalhei no terreno, junto dos proprietários agro-florestais, nunca estes se queixaram dos “malefícios” da cultura do eucalipto, a não ser em situações de extremas de propriedades ou de vizinhança.

A verdadeira mudança verificou-se quando foi atribuida uma cobertura exagerada e desproporcionada aos protestos dos “ambientalistas urbanos”, que animados dum espirito algo mesquinho e de inveja pelo sucesso, transmitiram ao “público” urbano uma ideia errada do que na verdade é e representava a cultura do eucalipto para a produção de pasta de papel. Ideias que infelizmente ainda perduram, apesar dos resultados da investigação científica e que, em meu entender, deveriam ser correctamente desmistificadas.

A cereja em cima do bolo da querela apareceu quando alguns governantes dos sucessivos governos e também alguns autarcas, viram uma janela de oportunidade se aderissem de forma directa aos protestos anteriormente referidos, que lhe poderiam angariar votos. Assim foram criando leis atrás de leis, que não proibindo a cultura do eucalipto, a dificultava burocraticamente, principalmente para os pequenos proprietários, impedindo-os de rentabilizar os seus terrenos, à falta de melhores alternativas. Neste cenário, paulatinamente, foram sendo criados inicialmente os chamados “estudos de impacte ambiental”, depois as RAN, REN, Natura 2000, os Parques Naturais, etc. Enquanto este verdadeiro impedimento de rentabilizar a propriedade privada ocorria ninguém reclamou… Pelo menos não recordamos quaisquer reportagens de rádios, jornais ou televisões e muito menos de grupos de cidadãos ligados ao ambiente insurgirem-se contra a apropriação de um direito fundamental da democracia que é a existência da propriedade privada, nem contra o crescente despovoamento do território, associado à quebra de rendimento da actividade agroflorestal. Ao mesmo tempo utilizavam-se por exemplo os regadios do Ribatejo ou da Beira Interior para produzir tabaco (porventura subsidiado) e nunca se ouviu nenhum protesto sobre esta questão. Julgamos ser muito mais pernicioso para a saúde pública o tabaco do que as plantações de eucalipto. Passeando pelo zonas rurais não é invulgar encontrar plantações de vinhas e pomares em zonas de encostas sem qualquer protecção contra a erosão (as linhas das culturas são perpendiculares às curvas de nível). Não conheço protestos ambientalistas nesta área. As descargas dos efluentes das unidades pecuárias e dos próprios municípios para as linhas de água, devido à inexistência, degradação ou mal funcionamento das ETARs, constituem um verdadeiro atentado à saúde pública e ao ambiente. Nunca assistimos a protesto de ambientalistas junto dessas unidades ou os poderes públicos, centrais e locais, exercerem as suas competências punitivas e restritivas nesta matéria.

Pelo exposto e tendo em conta as poucas alternativas que restam aos proprietários agro-florestais, em especial do minifúndio do litoral português, a actual proposta de alteração da legislação, apesar de não ser perfeita, é mais do que justa e necessária. Contudo existe, em meu entender, um factor que é determinante para o êxito deste grande progresso legislativo e que passa pela extensão, de modo a “ensinar” como produzir mais quantidade, melhor produto final e a melhor preço.

A este propósito é paradigmático e mesmo surpreendente o que se passa com a fileira do pinho, em especial com a sua industria tradicional – a serração. Verifica-se que em certas zonas do país estas indústrias basicamente desapareceram (basta analisar o numero de unidade que fechou nos últimos 5 anos), verificando-se um vazio de aproveitamento da madeira de pinho que valorize os investimentos realizados pelos proprietários. A madeira para serração sempre foi valorizada, uma vez que a sua utilização estava ligada principalmente à industria do mobiliário, sequencialmente para o fabrico de paletes e finalmente para a industria dos aglomerados. O interessante é que os grupos ambientalistas, que deveriam estar preocupados com o desaparecimento de indústrias a jusante, que realizassem o aproveitamento do material lenhoso de uma fileira com impacto directo no meio rural, nada dizem e não apresentam nem soluções nem alternativas para as populações.

Mas o mais surpreendente é que se verifica a utilização de madeira de pinho para serração, com mais de 40 cm de diâmetro, da maneira mais primária possível (ao nível da serradura) para a produção de peletes energéticas e nem os grupos ambientalistas, nem os meios de comunicação social, nem os próprios serviços públicos, que autorizam estes investimentos (centrais e autárquicos) e que devem supervisionar estas actividades, nada dizem… Porque será?

A verdade é que em diversas regiões do país já estão instaladas unidades produtoras de peletes com capacidades próximas das 100.000 t / ano, comportando-se como verdadeiros predadores da floresta local, uma vez que não possuem 1 ha de terreno e não fomentam a reflorestação, deixando o país bem mais pobre do que as plantações de eucalipto.

João Paulo Mourato

Engenheiro Agrónomo - Consultor
Membro Sénior da Ordem dos Engenheiros

(Artigo também publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2012/jpmourato.htm#.UDogXdaPWrg)

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Poder e as Florestas


Fez no passado dia 17 de agosto, 16 anos sobre a publicação, no Diário da República n.º 190/96 – Série I-A, da Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96), aprovada por unanimidade pela Assembleia da República.

Numa análise quantitativa à produção florestal em Portugal, no período de 1996 a 2010, tendo em conta os dados do Instituto Nacional de Estatística, em 1996 o Valor Acrescentado Bruto da Silvicultura (a preços correntes) era de cerca de 0,7% do VAB Nacional, em 2010, os dados provisórios apontam para um recuo de 0,3%, ou seja regista-se no período uma queda de aproximadamente 43%. No que respeita à análise qualitativa dos dados dos Inventários Florestais Nacionais, registam-se, segundo os especialistas, indícios do crescimento do abandono da gestão ativa nas áreas florestais de produção lenhosa, ao que está associada uma maior expressão dos incêndios florestais no período, com especial impacto nos anos de 2003 e 2005, e uma potencial mais fácil proliferação de pragas e de doenças, com impacto hoje de longe superior ao de 1996.

Numa análise mais detalhada das concretizações após a publicação de Lei de Bases da Política Florestal, o retrato revela uma rotunda derrota política.

Ao nível das medidas de política florestal (Capítulo II):
  • Os planos regionais de ordenamento florestal (PROF) foram abandonados, sem alternativas evidentes, tendo-se claudicado no planeamento florestal;
  • Os planos de gestão florestal (PGF) são aprovados a conta gota e têm uma expressão territorial diminuta;
  • A reestruturação fundiária e das explorações florestais até hoje tem sido sucessivamente adiada;
  • As iniciativas de fomento florestal têm regredido ao longo do tempo, todavia, sem uma subsequente gestão florestal, as ações de arborização ou rearborização podem ter efeitos perniciosos;
  • No que respeita à conservação dos recursos silvestres proliferam, hoje como nunca antes, os danos causados pelos incêndios, mas também pelas pragas e doenças.


Ao nível dos instrumentos de política (Capítulo III):
  • A autoridade florestal nacional sofre agora nova alteração orgânica, sendo que desde 1996 esta situação já ocorreu quase meia dúzia de vezes, até hoje com uma eficiência negativa. O recém-criado Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas está já envolvido pela polémica, com a sua aparição inicial associada à “liberalização” avulsa, extemporânea e irresponsável das florestações, no caso com espécies de rápido crescimento;
  • O conselho interministerial para os assuntos da floresta sempre foi um fantasma;
  • O conselho consultivo florestal funcionou intermitentemente e, após tanta trapalhada legislativa, desconhece-se agora a sua sorte;
  • A investigação e as estruturas organizativas dos proprietários florestais funcionam em função de fluxos financeiros instáveis, atribuídos mais numa perspetiva politiqueira de dependência do “peixe”, ao invés de serem criadas condições que favoreçam a entrega da “cana de pesca”.

No caso específico dos instrumentos financeiros, se o Programa AGRO (1999/2006) ficou muito aquém das expectativas, o PRODER (2007/2013) é de execução vergonhosa. O Fundo Florestal Permanente parece útil para tudo menos para o que foi criado. Nos incentivos fiscais está-se a pensar dar início a algo e os seguros florestais não são até hoje mais do que uma miragem.

No caso concreto do atual Governo, a Ministra lançou em dezembro a iniciativa “Vamos plantar Portugal”. O objetivo parece ser plantar uma árvore por cada Português, como se isso resolve-se o que quer que seja, muito pelo contrário. Apesar de desajustada, com a recente proposta avulsa de alterar a regulamentação das ações de arborização e rearborização, em curso no Ministério, a iniciativa pode até vir a multiplicar por quatro o resultado inicialmente previsto. Isto se vier a dar resposta a anunciados investimentos empresariais da fileira da pasta e papel, mas aqui, com uma aposta parcial do Ministério na lenhicultura e no eucalipto.

Se o Ministério não apostar claramente no planeamento e na gestão florestal, a expectativa que gerou em poder tornar-se num catalisador de mudança no setor florestal não passará de mais uma desilusão. Estão disponíveis, em inúmeros estudos prospetivos, várias metodologias para gerar ação. Importa contudo perspetivar uma mudança de paradigma, ao inverter a tradicional abordagem a partir de conceitos estabelecidos no topo, para uma abordagem à floresta a partir da propriedade rústica, dos problemas concretos dos proprietários e gestores florestais, das populações rurais. Por outras palavras, é imperioso adequar a estratégia e a produção legislativa às condicionantes da atividade florestal, à realidade das florestas portuguesas e aos problemas vivenciados pelos seus detentores e gestores. Só desta forma, será possível ter sucesso na implementação de iniciativas de redução do absentismo na gestão, na subsequente valorização sustentável dos espaços florestais e num maior controlo dos incêndios, das pragas e das doenças.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
Ex-Secretário Geral da Anefa - Associação Nacional das Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente
Ex-Secretário Geral da Federação dos Produtores Florestais de Portugal

(Publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2012/pcastro4.htm#.UDM_b92PWrg)