A exportação de rolha e revestimentos vem acumulando sucessivos
recordes de vendas, que evidenciam a boa aceitação dos produtos de cortiça um
pouco por todo o mundo. Ao mesmo tempo os produtores deparam-se, no campo, com
preços pagos por arroba estagnados em forte baixa. Há, no mercado interno, uma
relação desequilibrada que compromete a sustentabilidade da fileira.
Os resultados de facturação da Corticeira Amorim, relativos ao
primeiro semestre de 2012, são muito positivos. O volume de vendas, no valor de
275 milhões de euros, é o mais alto de sempre em meio ano. E o período de Abril
a Junho representa o décimo trimestre consecutivo em que a empresa regista
aumento das receitas.
O crescimento das vendas foi na ordem dos 13%, o que mostra que
nos últimos anos o negócio da rolha e aglomerados continua em franca expansão.
Espanha, França, Itália, EUA, China, Chile e Austrália, são alguns mercados
onde a venda de rolha tem aumentado significativamente em resultado de uma
maior produção e consumo de vinho.
Os resultados positivos que se acumulam de ano para ano devem-se
ao crescimento do mercado de exportação de derivados de cortiça, nomeadamente
rolha e revestimentos. Não parece haver dúvidas de que o sector atravessa um
bom momento. Mas atravessa mesmo?
A matéria-prima tem o preço estagnado em baixa, sendo paga ao
produtor a preços asfixiantes, a roçar o limite mínimo de rentabilidade. E
começam a ser frequentes os casos de produtores que optam por não tirar cortiça
porque o diferencial entre a despesa da tira e o proveito da venda, mesmo sem
considerar os custos da manutenção regular do arvoredo, deixou de compensar.
Sem margem que cubra essa manutenção, as áreas de montado são deixadas ao
abandono.
Se juntarmos a esta estrangulação dos preços um cocktail de
problemas (de sanidade, de stress hídrico, de envelhecimento natural) que
afectam o sobreiro, isto deverá significar que daqui a pouco mais do que uma
década, se tanto, é grande a probabilidade de a indústria acordar um dia com
matéria-prima em quantidade insuficiente para satisfazer o mercado, que verdade
seja dita, tanto lhe custou a conquistar e que teria um potencial promissor.
Este é um risco muito real que os industriais enfrentam porque não
entendem, ou não entendem por completo, o que actualmente se está a passar no
domínio da produção suberícola. Pode haver a ilusão de que cortiça sempre
haverá, mas a verdade é que os montados estão muitíssimo envelhecidos, perderam
muita densidade, e toda essa área de novos sobreiros de que muito se ouve
falar, e que se diz que irão entrar em produção, pouco mais é do que uma ilusão
estatística. O Grupo Amorim, que detém o mercado e estabelece a formação dos
preços – já que domina, sem concorrentes, a transformação e a exportação de
cortiça – parece desconhecer as dificuldades concretas com que a produção se
depara. E esse desconhecimento compromete seriamente o seu próprio negócio.
Quando há uma decalage tão grande, em que o negócio está
muito bom para uns e muito mau para os outros, é sinal de que alguma coisa não
está bem na fileira. A correcta gestão dos montados, e consequentemente a sua
sustentabilidade, dependem de um fundo de maneio que permita o investimento em
boas práticas. Essa capacidade actualmente está muito comprometida, e não vai
recuperar sem um novo equilíbrio de mercado.
Os proprietários sabem exactamente o que seria preciso fazer para
influenciar os preços: ‘encerrar a loja’ durante um ou dois anos, deixar a
cortiça na árvore, e esperar que o poder de formação dos preços se deslocasse
para o lado da produção. Mas entrou-se já numa espiral de dificuldades que
torna uma acção destas muito difícil de concertar. Entretanto, as
circunstâncias decorrentes do mau momento que está a ser vivido deverão fazer
com que o efeito de escassez de cortiça seja sentido no mercado dentro de
poucos anos.
Os produtores não vêem como desviar a nuvem sombria que paira sobre
o sector. Ao mesmo tempo, talvez a indústria esteja convencida de que vive sob
um sol radioso. A aplicação de uma palete de acções urgentes, que concorressem
em conjunto para a correcção de várias contrariedades que afectam o montado,
poderia ainda, porventura, impedir que aquela nuvem sombria se continuasse a
adensar. Mas a avaliar pelo caminho que se fez até aqui, é preciso ser-se mesmo
muito esperançoso para acreditar que assim venha a ser. De sucesso em sucesso,
a indústria parece caminhar cegamente para o insucesso.
João Sobral
(Artigo publicado na Bolsamia, em http://www.abolsamia.pt/news.php?article_id=2712&fb_source=message)
Sem comentários:
Enviar um comentário