quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A enorme desilusão.


O Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), no final de 15 meses de existência, revela-se uma enorme desilusão no que respeita à prossecução de medidas e instrumentos de política para as florestas portuguesas.

No cadastro da propriedade rústica, elemento estruturante no que respeita ao suporte de base às políticas de ordenamento do território, mas também de política florestal, o MAMAOT assume o seu “falhanço”. Fica-se pela criação de uma comissão, alegadamente para preparar ações para a próxima legislatura (uma task-force ao estilo português “faz que torce”). O passado é pleno de exemplos similares, a conclusão do cadastro vai ficando para as calendas.

Ainda na estruturação fundiária, o banco de terras que poderá porventura ter algum impacto em termos agrícolas, no que concerne às superfícies florestais e espaços silvestres, revela-se de interesse duvidoso. Nas florestas não se realizam investimentos de carácter anual, mesmo que em viveiros de plantas ou na produção de árvores de Natal, os investimentos são plurianuais, a várias décadas. A medida legislativa aprovada é desfasada desta realidade na esmagadora maioria de solos abandonados ou semi-abandonados (entre 1,5 a 2 milhões de hectares).

No fomento florestal, do MAMAOT fica o registo da estigmatização do recém-criado Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), com uma proposta de alteração legislativa para o eucalipto, etiquetada como avulsa, extemporânea, irresponsável, opaca e unidirecional, que necessariamente irá ficar numa qualquer gaveta de arquivo.


Na gestão florestal, fundamental para a melhoria da produtividade, da rentabilidade e para a proteção do património florestal português, o MAMAOT fica-se por outra comissão “faz que torce”. No apoio ao associativismo, às ZIF (seu eventual reforço jurídico) e aos sapadores florestais, fica-se por medidas de desempenho errático, de desmesurada carga burocrática (contrariamente à estratégia de simplificação para a massificação do eucaliptal).

No PRODER e no Fundo Florestal Permanente, que poderiam dar algum alento em plena crise económica, fica o registo da incapacidade de ajustamento às prioridades do setor. O planeamento para a aplicação dos fundos da PAC 2014/2020 é uma incógnita, ao que o histórico não augura bons resultados (no atual quadro – 2007/2013 – o desempenho financeiro e físico é insignificante.

Na rentabilidade da atividade silvícola, o MAMAOT demonstra desinteresse ou incapacidade para acompanhar as relações das cadeias silvoindustriais, permitindo a existência de oligopólios industriais, sem atuar na regulação dos mercados, em claro prejuízo da lavoura. Neste aspeto, os dados revelados pelo INE são sintomáticos.

Ainda na ligação das florestas aos setores industriais, o MAMAOT confronta-se hoje com uma situação bizarra; uma vigília de empresários à sua porta no Terreiro do Paço; reveladora da falta de capacidade de concertação estratégica por parte da equipa ministerial.

As principais medidas e instrumentos de política florestal, tal como inscritos na Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República), passados 16 anos, continuam na sua grande maioria por concretizar. Neste domínio, o MAMAOT acrescentou até agora zero.

Assim, deste Ministério fica o registo de uma colossal incapacidade em desenvolver uma estratégia política para o setor, ou seja, tem uma avaliação claramente negativa em policies, já que no que respeita a politics, a ministra tem revelado boa capacidade propagandística.

Justifica-se assim a enorme desilusão no desempenho da ministra Assunção Cristas, em termos de política setorial, com equivalência à do ex-ministro Jaime Silva, também de má memória para o setor florestal português.

Paulo Pimenta de Castro

Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
Ex-Secretário Geral da Anefa - Associação Nacional das Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente
Ex-Secretário Geral da Federação dos Produtores Florestais de Portugal - Conselho Nacional da Floresta

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Estratégias empresariais e as fileiras florestais portuguesas.


As fileiras empresariais são compostas por elementos interdependentes e a relação entre estes é crucial para o sucesso de cada uma das partes. Todavia, para muitos ganhar representa a perda de outros. Este tipo de relações é caracterizado por serem muito rígidas, baseadas no preço e não no valor. São, deste modo, relações adversas e não promovem o desenvolvimento equilibrado das partes. Irremediavelmente, no final é a fileira que acaba comprometida. Segundo os especialistas, resultados win-win apenas são alcançados através de processos de negociação integradores e de cooperação. Ignorar este princípio básico é comprometer o sucesso da fileira.

No âmbito da gestão, os termos win-win, win-lose e lose-lose estão associados à teoria dos jogos e referem-se a possíveis resultados de um jogo ou disputa envolvendo várias partes, e mais importante ainda, em que cada parte reconhece/compara o seu resultado em relação ao ponto de partida. Assim, um ganho (win) acontece se o resultado de uma negociação está de acordo com as expectativas ou é melhor do que o esperado. Uma perda (lose) refere-se a um resultado pior do que o esperado. É a noção de expectativa criada que determina o ganho ou a perda num relacionamento entre partes. São as seguintes as abordagens aos relacionamentos:


Nas fileiras silvo-industriais, a situação de subaproveitamento e de sobre-exploração dos recursos florestais são indícios da ausência de relações win-win, com claro prejuízo para uma das partes. Vejamos então:

1.    Na análise das Estatísticas Agrícolas 2011, disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a balança comercial portuguesa dos produtos florestais apresentou um “saldo fortemente positivo” no período 2006/2011. Neste período foram registados sucessivos excedentes comerciais que evoluíram a um ritmo médio anual de 38%. A melhoria do saldo comercial foi particularmente acentuada nos últimos dois anos deste período, quase duplocando entre 2009 e 2010 (+89%), aproximando-se dos 2 mil milhões de euros em 2011 (+48%, face a 2010). A taxa de cobertura das importações pelas exportações foi de 191% em 2011, tendo aumentado 69% face ao ano de 2006.

De acordo com o INE, em relação a 2011, as exportações de produtos florestais mostraram-se particularmente vigorosas, tendo aumentado 21% face a 2010. Para esta expansão contribuíram praticamente todas as indústrias do setor, destacando-se como as principais impulsionadoras a indústria de papel e cartão e a indústria da cortiça, que representam em conjunto 59% do valor total das exportações de base florestal.

Comércio Internacional das Fileiras Florestais (Fonte INE – Estatísticas Agrícolas 2011)

2.    Já na análise das Contas Económicas da Silvicultura 2010, também publicadas pelo INE, o período entre 2000 e 2010 ficou marcado por um “declínio progressivo da atividade silvícola”.

No que respeita ao Valor Acrescentado Bruto (VAB), em 2000 atingiu o valor máximo da década, tendo terminado em 2010 com um valor real de -19,2%. Ao longo deste período o VAB decresceu em termos médios anuais, -2,1% e -3,2%, em volume e em valor respetivamente. No que respeita ao peso relativo do VAB da silvicultura no VAB nacional, verificou-se uma perda de importância desta atividade na economia portuguesa. Em 2000, o VAB da silvicultura representava 0,8% do VAB nacional, tendo diminuído para metade em 2010 (-50%).

A produção florestal apresentou, entre 2000 e 2010, uma taxa de variação média anual de -2,0% em volume e de -2,3% em valor, o que refletiu o efeito da diminuição dos preços no produtor.

O custo dos meios de produção teve um impacto bastante negativo na atividade florestal (+7,1%), dado que a evolução dos preços da produção não acompanhou o aumento daqueles, em particular o custo da energia.


Índice de Preços à Silvicultura (2000=100, Fonte INE, CES 2010)


Refletindo o comportamento da produção e do VAB, o Rendimento Empresarial Líquido registou no período um decréscimo acentuado, superior a 250 milhões de euros.

Rendimento Empresarial Líquido (Fonte INE, CES 2010)

A análise conjunta dos dados publicados pelo INE revela, ao nível das indústrias florestais um “saldo fortemente positivo”, sendo que nas produções silvícolas se regista um “declínio progressivo”. Ou seja, as evidências apontam para relações win-lose, de curto prazo porque insustentáveis.

Este facto aporta consequências negativas não só para as atividades silvícolas, para os detentores dos espaços florestais, mas também têm forte impacto ao nível da Conservação da Natureza (dos solos, da água, da fauna e flora), do Ambiente (emissões decorrentes dos incêndios, avanço da desertificação), no Desenvolvimento Rural (êxodo rural e despovoamento das zonas raianas) e logo para a Sociedade Portuguesa em geral.

Efetivamente, o “declínio progressivo da atividade silvícola” é a consequência da forte quebra de expectativas de negócio das superfícies florestais, maioritariamente na posse de centenas milhar de proprietários privados, esmagadoramente com explorações de minifúndio e descapitalizados, sendo responsável pela adoção de formas de gestão tecnicamente inadequadas, usualmente designada por absentismo, adotadas no sentido de evitar maiores prejuízos financeiros.

O comprometimento de rentabilidade silvícola inviabiliza uma gestão ativa e sustentável nos espaços florestais, condiciona o ordenamento florestal e aporta riscos bem conhecidos, entre eles a propagação dos incêndios florestais e a proliferação de pragas e doenças.

O relacionamento “egoísta” da indústria (com o ganho - win) para com a produção silvícola (perdedora – lose), compromete fortemente o investimento florestal. Disso são exemplo os ridículos resultados evidenciados pelo PRODER, nas medidas de apoio financeiro às florestas (período 2007/2013), com uma taxa de execução física abaixo dos 15%.

Perante isto, o Estado premeia o win:
  • Ao criar uma “Campanha do Eucalipto” (mas, ao contrário da Campanha do Trigo, de 1938, sem garantias de apoio técnico à produção, nem regulação dos preços), ao que tudo indica para fomentar mais 40 mil hectares de eucaliptal, com previsíveis impactos ambientais nefastos, muito embora, por um lado, sejam evidentes os indícios de crescente abandono de gestão nos eucaliptais (decréscimo de rentabilidade) e, por outro, da produtividade média por hectare nos eucaliptais nacionais se situar a valores de 1928 (10 metros cúbicos/hectare/ano);
  • Na isenção de impostos (em 2010 e 2011, dados tornados públicos, só a Portucel auferiu cerca de 50 milhões de euros em Benefícios Fiscais); e,
  • Sobretudo por se esquivar à regulação dos mercados de produtos florestais, apesar das inequívocas relações win-lose, das evidências de monopólio e de concorrência limitada, bem como sem ter em conta que a quebra de expectativas na atividade silvícola gera fortes impactos no Desenvolvimento Rural, no Ordenamento do Território e no Ambiente.

Paulo Pimenta de Castro, Eng. Florestal

(Publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2012/pcastro6.htm#.UGtTtE1G9MA)