quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Nacionalizar para reprivatizar

O Governo, pela voz do secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, anunciou estar a ser ultimado um pacote legislativo que viabiliza a ocupação, por parte do Estado, de propriedades rurais privadas, alegadamente para as colocar sob melhor gestão.

Perante o aparente fiasco da coqueluche da ministra Assunção Cristas, o famigerado projeto da bolsa de terras, tudo leva a crer que uma iniciativa de aposta no voluntarismo dos proprietários rurais se transforme agora numa permissão legal de ocupação de propriedade privada.

O secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural parece justificar esta pretensão de ocupação com a alegação de abandono das propriedades rústicas. Ora, do que aprendi, através de um docente do mesmo departamento do Instituto Superior de Agronomia onde o secretário de Estado lecionou até integrar a equipa ministerial, o abandono da propriedade rústica é tão só um modelo de gestão ajustado às expectativas dos negócios potenciados em tais explorações. De facto, face à incúria do Estado em acompanhar os mercados e, pior, face ao protecionismo do Estado a alguns setores industriais, os preços dos bens produzidos em tais propriedades, impostos unilateralmente pelos compradores, não mais do que remuneram um modelo de gestão de abandono.

Ao invés de atuar sobre os mercados (como fez o Estado Novo aquando da campanha do trigo), o Ministério, gerido por dirigentes do “partido da lavoura”, parece agora querer ressuscitar medidas do PREC. Pretende nacionalizar para depois reprivatizar, dando “o destino que entender melhor”. Muito subtil.


Ocorre que, a maior parte das propriedades onde o Ministério pretende alegar abandono, senão a sua totalidade, corresponderão ao que se pode designar como solos marginais para a produção agroalimentar. Não será de prever assim que “o destino que entender melhor” se adeque a fins alimentares. Deverá ser assim outro “o destino que entender melhor”.

Importa igualmente mencionar que o Estado não tem servido como entidade recomendável, enquanto gestor de áreas públicas, cogestor de áreas comunitárias ou administrador de áreas privadas sob “servidão ambiental”. Isto por opção das governações, seja entendido. Assim, como justifica agora o Ministério a ocupação para a sua melhor gestão?

Convém ainda reforçar que, para além da incúria ou interesse no não acompanhamento dos mercados, o Estado, pelos diferentes governos, tem sido um exímio incumpridor das suas obrigações de “pessoa séria”. No plano administrativo, a novela do cadastro rústico é disso uma evidência. Só na presente legislatura, a questão do cadastro passou de imperiosa necessidade a assunto de tratamento por uma comissão. Isto, sabendo que o investimento público no cadastro apresenta uma taxa de rentabilidade positiva e de elevado valor percentual.

Mas, pior do que no plano administrativo, é no plano social. O Estado Democrático que somos há quase 40 anos, pelas inúmeras governações, tem sido incapaz de conter o êxodo rural em Portugal. Neste domínio, poderá mesmo constatar-se que, ao longo das últimas décadas, os vários governos foram permitindo que se fosse “comendo a carne” às populações rurais, preparando-se este agora para lhes nacionalizar as ossadas.

No plano político-partidário, não será este um ato de traição ao seu próprio eleitorado, tradicionalmente mais conservador e de base rural? É certo que, com a incapacidade, também do centro-direita em conter o êxodo rural, este tende a ver reduzir-se esta sua histórica base de apoio. Cá estaremos todos em 2015 para avaliar as consequências deste anunciado pacote legislativo, antes classificado como “gaffe” de verão.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal


(Publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2013/pcastro8.htm)

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