O
Governo, pela voz do secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento
Rural, anunciou estar a ser ultimado um pacote legislativo que viabiliza a
ocupação, por parte do Estado, de propriedades rurais privadas, alegadamente
para as colocar sob melhor gestão.
Perante
o aparente fiasco da coqueluche da ministra Assunção Cristas, o famigerado projeto
da bolsa de terras, tudo leva a crer que uma iniciativa de aposta no
voluntarismo dos proprietários rurais se transforme agora numa permissão legal de
ocupação de propriedade privada.
O
secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural parece justificar
esta pretensão de ocupação com a alegação de abandono das propriedades
rústicas. Ora, do que aprendi, através de um docente do mesmo departamento do
Instituto Superior de Agronomia onde o secretário de Estado lecionou até
integrar a equipa ministerial, o
abandono da propriedade rústica é tão só um modelo de gestão ajustado às
expectativas dos negócios potenciados em tais explorações. De facto, face à
incúria do Estado em acompanhar os mercados e, pior, face ao protecionismo do
Estado a alguns setores industriais, os preços dos bens produzidos em tais
propriedades, impostos unilateralmente pelos compradores, não mais do que remuneram
um modelo de gestão de abandono.
Ao invés
de atuar sobre os mercados (como fez o Estado Novo aquando da campanha do
trigo), o Ministério, gerido por dirigentes do “partido da lavoura”, parece
agora querer ressuscitar medidas do PREC. Pretende nacionalizar para depois
reprivatizar, dando “o destino que entender melhor”. Muito subtil.
Ocorre
que, a maior parte das propriedades onde o Ministério pretende alegar abandono,
senão a sua totalidade, corresponderão ao que se pode designar como solos
marginais para a produção agroalimentar.
Não será de prever assim que “o destino que entender melhor” se adeque a fins
alimentares. Deverá ser assim outro “o destino que entender melhor”.
Importa
igualmente mencionar que o Estado não tem servido como entidade recomendável,
enquanto gestor de áreas públicas, cogestor de áreas comunitárias ou
administrador de áreas privadas sob “servidão ambiental”. Isto por opção das
governações, seja entendido. Assim, como justifica agora o Ministério a
ocupação para a sua melhor gestão?
Convém
ainda reforçar que, para além da incúria ou interesse no não acompanhamento dos
mercados, o Estado, pelos diferentes governos, tem sido um exímio incumpridor
das suas obrigações de “pessoa séria”. No plano administrativo, a novela do
cadastro rústico é disso uma evidência. Só na presente legislatura, a questão
do cadastro passou de imperiosa necessidade a assunto de tratamento por uma
comissão. Isto, sabendo que o investimento público no cadastro apresenta uma
taxa de rentabilidade positiva e de elevado valor percentual.
Mas,
pior do que no plano administrativo, é no plano social. O Estado Democrático
que somos há quase 40 anos, pelas inúmeras governações, tem sido incapaz de
conter o êxodo rural em Portugal. Neste domínio, poderá mesmo constatar-se que,
ao longo das últimas décadas, os vários governos foram permitindo que se fosse “comendo
a carne” às populações rurais, preparando-se este agora para lhes nacionalizar
as ossadas.
No plano político-partidário, não
será este um ato de traição ao seu próprio eleitorado, tradicionalmente mais
conservador e de base rural? É certo que, com a incapacidade, também do
centro-direita em conter o êxodo rural, este tende a ver reduzir-se esta sua histórica
base de apoio. Cá estaremos todos em 2015 para avaliar as consequências deste
anunciado pacote legislativo, antes classificado como “gaffe” de verão.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Acréscimo – Associação de Promoção ao
Investimento Florestal
(Publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2013/pcastro8.htm)
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