Desde a primeira hora que fui um entusiasta do conceito
de gestão florestal sustentável. Integrei as primeiras subcomissões e comissões
que se debruçaram sobre o mesmo e a forma de o implementar. Enquanto dirigente
executivo de uma estrutura nacional da floresta privada familiar, promovi o
primeiro estudo nacional para a operacionalização do conceito ao nível dos
vários ecossistemas florestais portugueses. Durante um ano presidi a uma das
entidades que entretanto se constituíram para promover a certificação da gestão
florestal como sustentável.
É certo que, desde essa altura muito tempo já passou,
muito foi desenvolvido, outro tanto não o foi. Os mecanismos para a comprovação
da gestão florestal sustentável foram-se institucionalizando nos mercados,
dando hoje lugar à existência de estruturas nacionais e transnacionais, nos
quais se suportam negócios intermediários no ciclo de produção
silvo-industrial, seja na consultoria para a certificação, nas auditorias e na
emissão de certificados.
Mas, garantem hoje, tais negócios, a transparência à
Sociedade na concretização de uma gestão florestal sustentável em áreas
abrangidas por certificados?
Na sequência de uma recente questão formulada aos
organismos que representam os dois principais sistemas de certificação
florestal a operar em Portugal, o PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification) e o FSC (Forest Stewardship Council), foram-me
surgindo todavia dúvidas sobre a transparência deste instrumento (a certificação
florestal) como garante à Sociedade da prossecução do conceito de gestão
florestal sustentável.
A questão, colocada através de uma organização cívica,
respeita á aplicação de resíduos industriais em áreas florestais, e no caso em
concreto, em áreas de floresta certificada, aquelas que o PEFC ou o FSC certificam
como sujeitas a uma gestão florestal sustentável.
Em causa, está a necessidade de esclarecer se a aplicação
de resíduos industriais em áreas florestais certificadas é consonante com os requisitos
inerentes a uma gestão florestal, que se pretende reconhecer como sustentável.
Se o é, quais os procedimentos prescritos para garantir
que tal aplicação não aporta riscos para os solos, para os lençóis freáticos,
para a fauna e a flora e, sobretudo, para a saúde pública e qualidade de vida
das populações?
Essa aplicação de resíduos industriais em solos de
florestas certificadas decorre da carência de programas de fertilização dos
solos, ou é resposta a uma necessidade da indústria de se desfazer dos resíduos?
O impacto dos potenciais danos pode ser significativo consoante a origem
subjacente a esta aplicação.
Curiosamente, do PEFC, quer a nível nacional quer
internacional, não houve resposta. O tema parece não merecer importância no
seio deste sistema de certificação florestal. Com certeza, sustenta a sua não
resposta em estudos científicos independentes, realizados nos vários
ecossistemas florestais nacionais. Ignorância minha, não conheço esses estudos.
Ficou clara a postura do PEFC, adiante.
Já o FSC, a nível nacional enredou-se em procedimentos de
secretaria. A nível internacional houve o mérito de uma resposta, facto que, no
entanto, pareceu inadequado aos olhos da estrutura nacional, com mais uma
justificativa de secretaria.
A resposta do FSC Internacional parece-me muito clara.
Esta sustenta que tem que a aplicação de resíduos industriais
em áreas certificadas “tem de ser documentada e os componentes químicos nos
resíduos tem que ser exatamente conhecidos e relatados, especialmente em relação
às substâncias que podem ter impacto no ambiente ou na saúde humana. Além
disso, um sistema de monitorização tem que ser implementado no local para
indicar potenciais impactos para os solos e cursos de água”.
Expressa a posição do FSC Internacional, confrontemos com
os procedimentos de auditoria levados a cabo por uma entidade certificadora
acreditada pelo próprio FSC.
Em auditoria recentemente realizada à gestora das áreas
de floresta certificada administradas pelo Grupo PORTUCEL SOPORCEL, de acordo
com o resultado do respetivo relatório, fica claro que não foram recolhidas
evidências que possam suportar a postura assumida pelo FSC Internacional sobre
a aplicação de resíduos industriais em áreas florestais.
De facto, a entidade certificadora limitou-se a constatar
a existência de um “código da estrada”, de uma “carta de condução”, mas não fez
leituras ao “tacógrafo”. Ou seja, independentemente do suporte legal, da evidência
da posse de autorizações oficiais, de planos de gestão, o mais importante teria
sido a recolha de evidências sobre os procedimentos inerentes ao usufruto
dessas autorizações e da prossecução desses planos. Não o fez, pelo menos a ter
em conta o expresso no relatório de auditoria. E, não o fez depois de ter sido
alertada para essa necessidade, tendo sido inclusive sugeridos locais exatos
para a recolha dessas evidências. Decidiu não os visitar. Bom, estamos todos de
acordo que tal postura apenas adensa as suspeitas. Haverá motivo para esta
postura? Deveremos ficar preocupados?
É certo que, entre entidade certificadora e entidade
certificada se está perante David e Golias, ou seja, entre uma microempresa e
um grupo industrial cotado em Bolsa. Será de esperar que este David consiga ter
um desempenho adequado às suas obrigações?
A questão colocada incide pois sobre os resíduos
produzidos pelo segundo maior exportador nacional, simultaneamente o gestor das
áreas florestais onde estes são aplicados e o principal cliente nacional em
área certificada das marcas PEFC e FSC, o Grupo PORTUCEL SOPORCEL.
Atualmente, as estruturas nacionais que representam em
Portugal o PEFC e o FSC têm na presidência dos órgãos diretivos,
respetivamente, o diretor geral da CELPA – Associação da Indústria Papeleira e
quadro superior no Grupo PORTUCEL SOPORCEL, e um gestor da SONAE INDÚSTRIA.
Mas, o tema dos resíduos industriais nos solos agrícolas
e florestais parece ainda mais obscuro. Em questões colocadas ao Ministério da
Agricultura por um Grupo Parlamentar sobre a aplicação de resíduos industriais
ao abrigo da sua valorização agronómica ou silvícola, o primeiro dá uma
resposta que motiva preocupações acrescidas sobre potenciais impactos para a
saúde pública. Grosso modo, nos mesmos moldes de atuação da entidade
certificadora atrás citada, o Ministério menciona também que existe um “código
da estrada”, que os agentes que produzem, gerem e aplicam tais resíduos dispõem
de “carta de condução”, mas nada desenvolve sobre a fiscalização que exerce ou
deveria exercer no âmbito das suas competências. Estarão os agentes que
produzem, gerem e aplicam aos solos tais resíduos a atuar dentro dos “limites
de velocidade”? O Ministério parece pretender também passar essa parte.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor(Publicado no Agroportal)
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