Estamos já na fase
final do período estival. Felizmente este ano e até à presente data, no que aos
incêndios florestais respeita, ficou-se abaixo da média dos cerca de 83 mil
hectares de área ardida registada na última década (2005/2014).
Começa agora a ser
altura de preparar o futuro, analisando os fatores que contribuem para o
impacto que este fenómeno tem a nível nacional e no contexto europeu,
designadamente no que respeita às responsabilidades.
Iniciando pelo fim (pelo
+1 do subtítulo) e não considerando nesta análise o impacto resultante das
causas naturais, todos reconhecem facilmente o contributo nefasto dos incendiários no agravamento do problema
dos incêndios florestais em Portugal. Muito se escreve a propósito, perfis são
traçados, muito se condena, todavia há que contextualizar o seu impacto neste
domínio. Por simples comparação, pode-se associar a intervenção dos incendiários
ao dos agentes patogénicos que infetam uma ferida aberta. Mas o facto é que,
oportunisticamente tiram partido de uma ocorrência prévia. O que contribui então
para a abertura e a manutenção da ferida aberta? Quem tem responsabilidades pela
ferida exposta?
Do nosso ponto de
vista, as responsabilidades podem ser integrados em três grupos (3 IN): a incompetência,
os interesses e a incapacidade.
Não é difícil associar
a incompetência aos agentes
políticos, decorra ela de ignorância ou de outros fatores, designadamente da
defesa de interesses egoístas (já lá vamos). O facto é que nem têm sido
competentes a travar o êxodo rural e, antes disso, de criar as medidas e os
instrumentos de política para a geração de riqueza nos espaços rurais. Portugal
não tem uma política de desenvolvimento rural. Vão-se distribuindo uns fundos
públicos, nacionais e comunitários, sem uma visão, uma estratégia nacional
consequente. Vão-se supostamente contentando alguns eleitores.
Mas a incompetência
não se fica por aqui. Por ignorância ou na salvaguarda de interesses egoístas,
mantêm sucessivamente uma aposta financeira no combate ao fenómeno, muito
embora façam questão de vincar a prevenção nos discursos.
Mais. Intencionalmente
ou não, os responsáveis políticos vão reforçando e perpetuando o esforço dos
cidadãos na compensação de negócios entre privados, que por estes últimos
deveriam ser exclusivamente sustentados. Mas porquê isso? Simples, uma das
partes no negócio é sistematicamente perdedora. Curiosamente aquela que, dos
rendimentos que auferisse do negócio deveria suportar uma gestão florestal
adequada (em todas as suas componentes: seja na técnica, mas também na comercial,
na ambiental e na social), onde a prevenção dos riscos associados à sua atividade
fosse adequadamente consagrada. Não é segredo para ninguém neste país que
grande parte do território rural nacional é submetido a um modelo de gestão de
abandono. O modelo que mais se parece adequar às expetativas de rendimento que
tais espaços geram aos seus detentores. Os espaços florestais nacionais são em
mais de 90% detidos por privados, esmagadoramente famílias e empresas
familiares. Bom, certo é que se não compensássemos arder-nos-ia ainda mais o território.
O sector
silvoindustrial nacional, por muitos elogios que receba, é um tigre com pés de
barro, onde os negócios assentam num acentuado desequilíbrio de forças,
reconhecidamente desfavorável às florestas. Os interesses financeiros a jusante das florestas dominam desde há
muito as relações comerciais, impondo as condições para o negócio. É importante
referi-lo: fazem-no sob proteção das diferentes governações.
O egoísmo de alguns,
protegido por quem nos tem governado, tem-nos desvalorizado o território, tem contribuído
para a delapidação dos recursos naturais, tem-nos empobrecido, tem deixado arder
parte significativa do dinheiro dos nossos impostos, tem posto em risco os
nossos bens e as nossas vidas.
Não são apenas os
grandes grupos económicos politicamente protegidos a deter a totalidade das
responsabilidades pelos interesses egoístas. Existem empresários que têm
dedicado muito do seu esforço a tirar partido das “oportunidades” criadas pela
disseminação descontrolada de pragas e de doenças que, cada vez mais, tem
afetado as florestas em Portugal. Têm aumentado o peso nas exportações? Têm.
Mas como não plantam árvores, nem contribuem para o seu plantio, gerem um
negócio especulativo, de fim à vista. Enchem barcos, mas por uma única década,
se tanto. Portugal é aliás um país caricato, é possível utilizar bens de base
florestal sem ter área florestal própria ou contratualizada para o efeito, onde
quem a tem se vai desfazendo dela, transferindo os riscos para aqueles que
controla pelo imposição dos preços á porta das fábricas. Curiosamente, alguns
desses empresários ou grupos empresariais com investimentos no estrangeiro são
obrigados a ter áreas florestais consignadas ao abastecimento das suas unidades
industriais. Houve aliás um caso de impossibilidade de construir unidades
industriais por incapacidade em gerir áreas florestais, e o montante anunciado
para investir não era tão pequeno assim, ultrapassava os 2 mil milhões de
euros.
Mas, as
responsabilidades não se ficam pela incompetência, involuntária ou voluntária,
nem pelos interesses egoístas de alguns oligopólios.
Muita investigação
tem sido realizada, nomeadamente nos fatores diretamente associados aos
incêndios florestais, à defesa dos espaços florestais, à produtividade das culturas
florestais. Todavia, persiste a incapacidade
em produzir resultados sobre os fatores que permitam viabilizar a gestão dos
espaços florestais nacionais, esmagadoramente privados.
Se a produção de
bens associados a estes espaços, designadamente de material lenhoso e de
cortiça, não é suficiente para gerar rendimentos que permitam uma adequada
gestão florestal, quem melhor do que os investigadores para completar, com a
credibilidade que a sociedade lhes reconhece, a equação para um rendimento florestal
sustentado e sustentável? Quais os demais bens que podem ser associados a essa
equação? Quais os serviços que lhe podem ser associados e em que condições?
Quais e quanto valem os serviços ambientais que decorrem do usufruto de áreas
florestais privadas?
Sem gerar
rendimento em floresta privada, não há como a gerir adequadamente, não há como
a proteger. Sem agentes políticos competentes, que coloquem a defesa do bem
comum acima da salvaguarda de interesses particulares, sem algum altruísmo por
parte da indústria de base florestal, sem uma equação de rendimentos mais consentânea
com as atuais necessidades da sociedade para com as florestas, a ferida
continuará exposta. Não nos queixemos dos incendiários.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro
Silvicultor
Presidente
da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
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