O
último número da revista Cultivar – Cadernos de Análise e
Prospectiva (N.º 14, de Dezembro de 2018), editada pelo Gabinete de
Planeamento e Políticas (GPP), do Ministério da Agricultura, foi
dedicado à cultura do eucalipto. Se o intuito do GPP, expresso no
Editorial, era o de reduzir a controvérsia e apostar numa abordagem
responsável do tema, temo que se tenha ficado pelo caminho. Há
questões fulcrais nesta discussão que foram simplesmente ignoradas.
Cirurgicamente ignoradas?
Nesses
pontos fulcrais, logo à cabeça, há a registar a inexplicável
ausência de análise ao funcionamento dos mercados, às relações
entre uma oferta pulverizada e uma procura industrial em duopòlio,
sobretudo nas consequências que essa forma de relacionamento aporta
à sociedade. Não se vislumbrou uma análise à evolução dos
preços da rolaria de eucalipto pagos à oferta (à porta das
fábricas), nem à evolução dos custos de produção, em energia,
combustíveis, mão de obra e equipamentos. Com certeza, este seria
um assunto que mereceria forte interesse por parte da produção.
Mas, não só! Seria interessante constatar ainda uma análise ao
nível dos impactos nos prestadores de serviços, decorrentes dessas
evoluções dos preços. Nada! Só uma análise macroeconómica, com
destaque para o peso da indústria. As ausências aqui expressas são
típicas nas análises emitidas pela indústria papeleira, não o
deveria ser por um organismo da Administração Pública.
No
âmbito do rendimento, há que considerar a abordagem à conta de
cultura do eucalipto, num dos artigos da revista, da responsabilidade
de um empresário rural na charneca do Ribatejo. Logo à partida, há
que ter em conta que a abordagem em causa respeita a um caso de média
e grande propriedade, com as economias de escala daí decorrentes.
Não se pode extrapolar esta abordagem à esmagadora maioria dos
prédios rústicos das regiões Norte, Centro e Algarve. No caso da
região Centro, com prédios rústicos de área média de meio
hectare, esta é responsável por mais de 60% do abastecimento às
celuloses. É também a região que mais tem sentido o impacto do
abandono da gestão por quebra de expectativas de rendimento, com
consequências na propagação dos incêndios e da invasão
subsequente pelo eucalipto, esta registada, sobretudo, a partir de
2017.
Sem
ir de momento ao pormenor dos valores associados às várias
operações contidas no modelo de produção, é aceitável que num
arrendamento de solos pela indústria de celulose se apresente uma
conta de cultura para apenas duas rotações, ou seja, 24 anos. Após
esse período finda o arrendamento. Todavia, do ponto de vista de um
empresário rural, lenhicultor, essa análise corresponde, apenas e
só, a um terço ou, quanto muito, a metade do ciclo produtivo. A
análise apresentada peca, claramente, por defeito. Numa análise,
segundo a perspectiva de um proprietário ou empresário rural,
teriam de ser incluídos os encargos de uma terceira rotação, regra
geral de mais baixa produtividade, bem como os custos com as
operações essenciais a um subsequente reinício de ciclo, por
replantação ou reconversão do solo a outros usos. Concretamente,
com o tratamento a dar aos cepos. Ou seja, a análise apresentada na
revista Cultivar, para um produtor florestal, está claramente
amputada. Neste sentido, afigura-se lamentavelmente tendenciosa. A
comparação com as alternativas, produção de pinhão e de cortiça,
é inválida. Importa ter em conta que, nas alternativas, outras
considerações devem ser tidas em conta, seja quanto a produções
agro-alimentares ou produções agro-florestais.
Quanto
aos números apresentados, ainda na conta de cultura em causa,
optou-se pela análise a preços constantes. Todavia, numa análise a
preços correntes, as conclusões teriam de ter em conta a evolução
dos preços da rolaria à porta da fábrica, face à evolução dos
custos dos factores de produção, no decurso do ciclo produtivo.
Esta ausência é mais um vício a apontar à análise apresentada na
revista.
Ainda
quanto à apreciação na generalidade do conteúdo da revista, há a
constatar a ausência de artigos sobre alternativas à produção de
madeira de eucalipto que não apenas para celulose e papel. Por
conveniência?
Constata-se
ainda a ausência de abordagem aos graves problemas sanitários que
afectam esta cultura e que induzem graves quebras no rendimento. Nada
que aponte para um eventual sucesso nas várias iniciativas de luta,
que se presumem em curso. As pragas e as doenças que afectam o
eucalipto agravam ainda mais a situação de abandono dos já dois
terços da área ocupada por esta espécie exótica em Portugal.
No
que respeita ao impacto dos incêndios, o artigo da autoria de Paulo
Fernandes e Nuno Guiomar quebrou expectativas. Na sequência da
questão colocada por João Camargo e por mim no livro “Portugal em
Chamas – Como Resgatar as Florestas”, e cito: “Há um novo
regime de fogo em Portugal?; a resposta foi, volto a citar: “Temos
muitas indicações que permitem afirmar que sim“. O que nos dizem
agora Paulo Fernandes e Nuno Guiomar, de acordo com os dados e a
metodologia que elegeram, é que não houve no passado tais indícios
mais que, face aos mega-incêndios, os pode haver no futuro. Ficamos
assim no campo do cinzento, com risco futuro de se tornar preto de
cinza. Nada de relevante se constatou neste artigo, portanto, quanto
ao futuro.
Ainda
no que respeita à abordagem do tema pelo lado dos incêndios, teria
sido com certeza muito enriquecedor a inclusão de uma análise por
parte do coordenador do Observatório Técnico Independente, criado
pelo Parlamento neste domínio.
Em
conclusão, esperava uma abordagem mais equidistante a esta temática
por parte do organismo da Administração Pública responsável pela
edição desta revista. Mais ainda, face às atribuições que tem no
domínio do planeamento e das políticas agrárias.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Direcção da ACRÉSCIMO - Associação de Promoção ao Investimento Florestal
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