quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Mais apoio público às celuloses?


É recente o aval da Comissão Europeia para o apoio estatal à Navigator, no montante de 12 milhões de euros, destinado ao complexo industrial em Cacia, Aveiro. Já em 2018, o Estado concedeu um crédito fiscal em sede de IRC à Navigator, envolvendo o aumento de capacidade industrial na unidade fabril da Figueira da Foz. Anualmente, as celuloses auferem milhões de euros do Estado sob a forma de benefícios fiscais. Não é difícil encontrar as celuloses nas posições cimeiras em montante de benefício constante das listagens anuais da Autoridade Tributária e Aduaneira, logo a seguir a empresas do sector energético. Este último onde as celuloses têm assumido crescente destaque. Pela queima de árvores também produzem electricidade.

No que respeita aos apoios ao abastecimento em madeira de eucalipto, o actual governo, em 2017, aprovou uma ajuda pública de 18 milhões de euros destinada a acções de replantação com eucalipto (sinal de que a “rentabilidade” da cultura está envolta em falácias). Foi ainda este governo que, na aprovação dos Planos Regionais de Ordenamento do Território, possibilita a expansão da cultura por too o país, incluindo no mítico e degradado Parque Nacional da Peneda Gerês. No histórico do actual governo fica ainda o maior “licenciamento” da expansão da área de eucalipto, desde Outubro de 2013.

Há dias, o governo anunciou ter disponíveis 3,7 milhões de euros, através do Fundo Ambiental, para apoiar acções de arranque de eucalipto. O apoio do Fundo Ambiental, estabelecido no Aviso n.º 13655/2019, de 2 de Setembro, emitido pelo Ministério do Ambiente e Transição Energética, tem no descritivo a remuneração dos serviços dos ecossistemas em espaços rurais. Até aqui estamos de acordo. É urgente complementar a equação do rendimento em espaços rurais com a remuneração á prestação dos vários serviços que a sociedade usufrui a partir de tais espaços. Entre estes estão a preservação dos solos, da biodiversidade, da quantidade e qualidade da água, da paisagem, do turismo.

Mas, será que esta remuneração dos serviços dos ecossistemas, que inicia com o arranque de eucaliptos, envolve a redução da área desta espécie no território português? Não necessariamente! Depende. Na base da medida pode estar um apoio encapotado à transferência de plantações desta espécie exótica entre diferentes regiões do território nacional, envolvendo inclusive o apoio à permuta entre áreas sob gestão das celuloses. Esta permuta está prevista na Lei n.º 77/2017, de 17 de Agosto, concretamente no seu Artigo 3.º-B. Os encargos associados a este arranque têm valores mínimos de 500 euros por hectare, avançados pelo Ministério da Agricultura, para áreas com declive inferior a 5% e uma densidade até 800 cepos por hectare.

Estudos indicam um crescente condicionamento ambiental à cultura do eucalipto a sul e um subsequente aumento da pressão a norte. Na base estão as alterações climáticas. Se esta transferência tiver o suporte do Orçamento tanto melhor, não ficam comprometidas parte da distribuição de dividendos aos accionistas.

O apoio do Fundo Ambiental tem por beneficiários entidades nas quais as celuloses, através das unidades sob sua gestão existentes nas áreas geográficas abrangidas por tais entidades, se podem constituir com sócias ou associadas, consoante tais entidades estejam constituídas nos termos do Código das Sociedades Comerciais, do Código Civil ou do Código Cooperativo. Podem assim auferir facilmente do generoso apoio estatal.

As áreas a que se destina o apoio, a Paisagem Protegida da Serra do Açor e o Parque Natural do Tejo Internacional, envolvem os concelhos de Arganil, Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Vila Velha do Ródão. Nestes concelhos, só a Navigator tem sob gestão mais de 16 mil hectares (mais de uma cidade e meia de Lisboa).

Em si, o apoio público a um resgate do território para eliminação da epidemia de eucaliptal, sob gestão de abandono, era expectável e é urgente. No entanto, não é aceitável que esse apoio envolva áreas próprias ou sob gestão das celuloses. Será um prémio à má conduta, à irresponsabilidade empresarial, social e ambiental. Percebe-se, contudo, o apoio às famílias que por estas foram arrastadas no pressuposto de falaciosas rentabilidades, muitas vezes através de contratos leoninos. Vê-se que essa “rentabilidade” carece do suporte do Orçamento de Estado. Quanto mais não seja, para o resgate ao território, associado à urgente redução do risco, no combate ao despovoamento e na luta contra o avanço da desertificação e às alterações climáticas.

Em conclusão, urge que o governo esclareça que no âmbito deste apoio do Fundo Ambiental não estão envolvidos os “projectos de compensação”, previsto no “alçapão” criado pelo disposto no Art-º 3-º-B da Lei n.º 77/2017, que possibilita a transferência de plantações de eucalipto entre regiões do país. Tais permutas devem ser asseguradas pelas próprias celuloses, desonerando o investimento público pelos erros privados que cometeram.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Direcção da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Florestas e promessas


Aproxima-se um novo acto eleitoral. Como é habitual, antecede-o um período de anúncio de “boas” intenções.

Face aos acontecimentos dos últimos anos, o interior, as florestas e a silvicultura tendem a usufruir de maior destaque no rol eleitoral das “boas” intenções. Há que relembrar que, por três anos consecutivos, Portugal registou a maior área ardida no conjunto de Estamos Membros da União Europeia (em 2016, 2017 e 2018). O número de vítimas e danos subsequentes foi catastrófico. O território evidencia um elevadíssimo risco, em crescimento. A protecção e o socorro às populações teve, na presente legislatura, um dos seus piores desempenhos, se não o pior dos últimos 50 anos. Deste modo, da situação e da oposição são de esperar anúncios de soluções virtuosas, contidas em “programas”, “planos”, “estratégias”, ou “reformas” e mais diplomas legislativos. Destes últimos, à quantidade tem correspondido cada vez maior área ardida.

Há que ter ainda presente que, no que respeita às florestas e à actividade silvícola, Portugal dispõe de uma Lei de Bases. Uma Lei aprovada por unanimidade no Parlamento, há já quase um quarto de século. Se os princípios e objectivos expressos na Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto, tivessem sido o rumo, muito provavelmente, a situação no país e do país face ao exterior seria substancialmente diferente. O que é facto é que os muitos “programas”, “planos”, “estratégias”, “reformas” e a legislação produzida para lhes dar contexto acabou por não nos aproximar do enunciado nesses princípios e objectivos. Pelo contrário, o rol de “boas” intenções foi, em demasiados casos, orientado por protagonismos e na defesa de interesses deixados instalar e reforçar junto dos órgãos decisórios. Pagamos o preço, todos! Um preço elevado.

O facto é que, tais “programas”, “planos”, “estratégias”, “reformas”, em especial a do ministro Capoulas Santos, foram incapazes de contemplar o aumento da produtividade dos espaços florestais, numa óptica do uso múltiplo dos recursos e da sua sustentabilidade. Não foi respeitada a manutenção da floresta enquanto recurso indissociável de outros recursos naturais, como o solo, a água, o ar, a fauna e a flora, tendo em vista a sua contribuição para a estabilização da fixação do CO2 e como repositório de diversidade biológica e genética. O facto é que, no rol de “programas”, “planos”, “estratégias” e “reformas”, a espécie que mais foi fomentada, em especial pelo actual governo, foi o de uma espécie exótica, sem que tal tenha contribuído sequer para o acréscimo da produtividade unitária, hoje miserável. As produções que têm tido destaque são as associadas a bens de ciclo curto de fixação de carbono (madeira triturada), em detrimento de bens de ciclo longo, decorrentes da utilização da cortiça e da madeira serrada. Pior, perspectiva-se o uso da rega para a produção de madeira, em período de aumento de escassez para fins prioritários, como o consumo humano e a produção agro-alimentar, bem como o retrocesso civilizacional associado à queima de árvores para a produção de electricidade.

Dos objectivos expressos na Lei, está longe de ter sido assegurada a melhoria do rendimento global dos agricultores e produtores florestais, como contributo para o equilíbrio socio-económico do mundo rural. Pelo contrário, o rendimento silvícola está hoje longe dos valores registados em 2000 e iniciou, na presente legislatura, um novo período de queda (em 2016 e 2017). Ora, o rendimento é essencial para garantir a gestão dos espaços rurais. Gestão essa que deve contemplar obrigatoriamente a prevenção dos riscos, retirando protagonismo ao combate, quer aos incêndios, quer à proliferação de pragas e de doenças. Num país de florestas privadas, o avanço em contramão face a este objectivo justifica grande parte da actual situação de catástrofe

Neste contexto, conforme o previsto na Lei de Bases, devem os eleitores exercer o direito de avaliar adequadamente as “boas” intenções anunciadas pelas diferentes forças partidárias designadamente quanto à sua relação com os princípios e objectivos expostos na Lei.  Até hoje, tem-se avançado em sentido contrário.

Os riscos da não avaliação cívica, neste domínio, são enormes. Não só para as populações rurais, mas também para as urbanas. Entre outros aspectos, na contaminação do ar que respiram, na qualidade da água que consomem. Ninguém está imune, nem sequer além-fronteiras.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro silvicultor
Presidente da Direcção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal