domingo, 5 de julho de 2020

Vem aí nova ocupação de terras privadas? E as do Estado?


Na última sessão do Conselho de Ministros de Junho, foi aprovada a proposta de lei que autoriza o Governo a intervir em propriedade privada, nas situações em que os proprietários não manifestem a intenção de executar as operações de reconversão “exigíveis”. Por este meio, o Estado poderá substituir-se aos proprietários na concretização de tais operações.

Escusado será reforçar que estas “inovadoras” medidas de política, num cenário legislativo já de si caótico, vêm atropelar medidas de política anteriormente estabelecidas, inclusive previstas em Lei de Bases. Inserem-se numa clara estratégia de atribuir responsabilidades pela actual situação em que se encontra parte significativa do território nacional. O objectivo da política governamental pós-2017 é o de fazer esquecer as omissões, as defesas de interesses e a incompetência política. Afinal, qual é o elo mais fraco? Obviamente, os proprietários de minifúndio! Os que foram forçados a migrar, os que foram estimulados, por acção ou omissão do Estado, a mudar a paisagem ao longo das últimas décadas, chegando-se ao catastrófico cenário actual.

Com efeito, a paisagem tem de mudar. Mas, o curioso é que nesta “intenção” de mudar a paisagem, o Governo não avança com medidas de reforço de quadros técnicos. Quadros, de proximidade, que permitam aos proprietários gerir técnica e financeiramente as suas propriedades, tendo em conta o potencial ecológico de cada local, a valorização dos serviços dos ecossistemas, um transparente acesso aos mercados.

Ora, aqui está outra curiosidade. O Governo persista em manter como tabu a forma como funcionam os mercados. Funcionamento esse, por omissão do Estado, altamente penalizador de quem produz. Afinal, mexer no modo de funcionamento dos mercados é mexer com fortes interesses instalados. Fica mais fácil sacrificar os fracos, os proprietários de minifúndio. São muitos, não se unem, a maioria está migrada. Tornam-se facilmente alvo do dividir para reinar.

O caricato é o Governo querer ocupar terras privadas, sob a forma de arrendamento forçado, para executar operações de reconversão “exigíveis” (seja lá o que isso for e quem as determina efectivamente), quando deixa as propriedades públicas ao abandono ou sob gestão técnica e financeira incompetentes.

A este propósito, importa ter em conta os acontecimentos da última sessão Plenária de Junho, no Parlamento. Nesta foi colocada à votação um projecto de resolução, apresentado pela Comissão de Agricultura e Mar, sobre a Mata Nacional de Leiria. O texto resultou da integração dos projectos submetidos pelo Bloco de Esquerda, pelo PSD, pelos “Verdes” e pelo PCP. Recomendava a intervenção nesta área florestal pública, ardida na quase totalidade em Outubro de 2017. Na votação, aprovada por maioria, apenas o PS, com excepção de um deputado, votou contra.

Com efeito, desde os incêndios de 2003 e de 2017 que esta área florestal pública se encontra sob gestão de abandono. As Matas Nacionais do litoral carecem urgentemente de operações exigíveis, seja na fixação das dunas costeiras, seja na sua revalorização ambiental, social e económica. Parece que a aposta do Governo e do PS se justifica no aproveitamento da regeneração natural do pinhal. O facto é que em muitos talhões já não existem sementes de pinheiro para que tal ocorra. Em vários deles têm proliferado as espécies invasoras pós-incêndio. Entre elas, o eucalipto. É também um facto que a aposta na regeneração natural serve a estratégia do “empurrar com a barriga”. Se aporta baixos custos no imediato, terá fortes encargos a curto prazo em operações silvícolas. Mas, quem tiver funções governativas na altura que os assuma. O problema é que a aposta na regeneração natural, após o incêndio de 2003, não foi acompanhado das operações exigíveis de silvicultura. Quem governou o país entre 2003 e 2017 não quis assumir tais encargos, limitou-se a recolher as receitas que as Matas geraram.


Mata Nacional de Leiria, área não ardida, a 22 de Outubro de 2017

A questão que importa colocar é como irá o Estado ocupar terrenos privados, para neles concretizar as operações de reconversão “exigíveis”, se nas áreas sob sua gestão directa não concretiza as operações exigíveis? Afinal, esta tem sido uma situação em que o proprietário não manifesta a intenção de executar as operações exigíveis. Esperemos que o Parlamento evidencie, mais uma vez, este facto, aquando da apreciação da legislação sobre arrendamento forçado.

Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor