segunda-feira, 28 de junho de 2021

Ainda alguém se lembra da “reforma da floresta”?

 

Diziam-na “grande” em 2016, pela voz do então ministro Capoulas Santos! Sucediam-se medidas e anúncios de milhões de euros. Aliás, como acontece agora. Actualmente, na senda da “transformação da paisagem”, já com o ministro Matos Fernandes. Mas, deixemos essa “transformação” para outra oportunidade. Centremo-nos na grande “reforma da floresta”, do XXI Governo Constitucional (Novembro de 2015 a Outubro de 2019).

Recentemente, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou as Contas Económicas da Silvicultura (CES) referentes a 2019. Sim, em finais de Junho de 2021. Para um sector que se referencia como muito importante para o país, compreende-se que estes dados demorem ano e meio a recolher, tratar e publicar? Há que admitir a dificuldade na recolha de dados. Sobretudo, desde que foi extinto o Instituto dos Produtos Florestais, em 1989. Mas, mesmo apesar da dificuldade de recolha de dados, há que ter alguma cautela na sua leitura. Em concreto, no que respeita ao rendimento da silvicultura já que o universo real é mais extenso do que o apurado no estudo do INE. Esta é um defeito já constatado em estudos sectoriais emitidos pelo Banco de Portugal. Estando suportados no código da actividade económica (CAE) da silvicultura e exploração florestal, deixa de parte a esmagadora maioria dos proprietários florestais.

O que nos dizem os dados do INE relativamente à grande “reforma da floresta” do XXI Governo Constitucional?

O facto é que de “grande” só têm a queda do rendimento empresarial líquido (REL), decorrente do decréscimo do valor acrescentado bruto (VAB) e dos subsídios à produção. O REL atingiu em 2019 o valor mais baixo desde 2010, depois de um pico em alta em 2015. Em tendência, o rendimento empresarial líquido da silvicultura e da exploração florestal tem vindo a decrescer desde o início deste século. Não são, pois, de esperar milagres quanto à quebra de expectativas, ao decorrente abandono da gestão, ao défice de prevenção e à subsequente maior incidência de riscos, designadamente da propagação dos incêndios e proliferação de pragas e de doenças. Estes últimos, por sua vez, contribuem para a contracção do rendimento.

Como antes referido, o universo abrangido pelos dados do INE peca por defeito. Será, pois, de esperar que a queda do rendimento possa ter contornos reais mais gravosos do que os mensurados.

O VAB da silvicultura e da exploração florestal face ao VAB nacional, depois de um pico de 0,5% em 2015, voltou a cair para 0,4%, a par do registado em 2008. Em 2000, o valor deste rácio era de 1,0%. Desde essa altura, curiosamente em consolado do ministro Capoulas Santos (1999/2002), o valor deste rácio nunca mais se aproximou da unidade.

As duas presenças do ministro Capoulas Santos com o pelouro das florestas, ou melhor, da silvicultura, têm este facto em comum, o decréscimo do VAB da silvicultura e da exploração florestal e, consequentemente, do rendimento empresarial líquido. Os dois momentos diferem apenas pela inclinação desse decréscimo, mais acentuado no seu primeiro mandato.

Nos subsídios à produção, os valores andaram em baixa, só superados em mínimos pelos dados referentes ao período de 2000 a 2005. Importa, contudo, ter em conta que durante o consolado de Capoulas Santos foram atribuídos subsídios à replantação com eucalipto, com maior impacto em regiões de média e grande propriedade, onde seria de esperar que o alegado rendimento gerado por esta cultura compensasse tais encargos.

Pelos dados divulgados agora pelo INE, não à margem para dúvidas: a “reforma da floresta” do XXI Governo Constitucional não passou de um fiasco!

De “grande”, o consolado de Capoulas Santos teve ainda a expansão da área de plantações de eucalipto. No âmbito do regime jurídico das acções de arborização e rearborização, que entrou em vigor em Outubro de 2013 e até ao travão imposto pelo Parlamento a novas arborizações com esta espécie exótica no final de 2017, o consolado de Capoulas Santos foi responsável por 64% das acções validadas e autorizadas de expansão destas plantações. Ou seja, significativamente mais do que o registado no tempo da sua antecessora, a ministra Assunção Cristas. No último caso estão em causa dados acumulados de 2013, 2014 e 2015, no segundo, os registos de 2016 e 2017.

Aqui, não couberam outras avaliações à “reforma”. Designadamente, em matéria de evolução do coberto arbóreo, dos registos da área ardida ou do impacto das diferentes produções no tecido social, no valor acrescentado ou no nível de emissões de gases de efeito estufa. Mas, será interessante fazê-las.

Em todo o caso, estamos agora noutra onda. Na onda do ministro Matos Fernandes. Com certeza, lá para meados de 2026, a cumprir-se a actual Legislatura, teremos dados económicos do INE para avaliar do desempenho da “transformação da paisagem”. Uma coisa é certa, a par da “reforma da floresta”, esta nova onda manterá em alta os valores referentes aos serviços silvícolas, decorrente do paradigma da “limpeza” das faixas de gestão de “combustíveis”. Pelo menos, até que vá havendo proprietários que os consigam suportar sem inversão da tendência do REL.

Paulo Pimenta de Castro


terça-feira, 8 de junho de 2021

Este ano já ardeu Lisboa

 

De acordo com os dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS, na sigla em inglês), em 2021 e até ao presente, já arderam em Portugal mais de 10 mil hectares, na grande maioria áreas de matos.

Dez mil hectares são o equivalente à superfície do concelho de Lisboa. Imagine-se a entrar na capital por Algés e sair por Sacavém e só ver área ardida!

No último quinquénio, o nosso país tem ocupado as duas primeiras posições, com prevalência para a primeira. E não foi apenas em 2017. Antes deste último quinquénio, não raras vezes, Portugal destacou-se como o estado-membro com a maior área ardida da União.

Não é de esperar grande alteração de rumo nas próximas décadas, mais ainda com as ameaças decorrentes das mudanças climáticas. Isto, apesar dos anunciados planos de reordenamento e gestão da paisagem (PRGP). Importa salientar a profusão de planos que o país tem produzido nas últimas décadas. Um exemplo recente é o do defunto Plano de Revitalização do Pinhal Interior, coordenado no passado Governo pelo actual secretário de Estado das Florestas.

É importante planear e, neste contexto, os vários PRGP definidos para o território continental português podem ter um papel positivo. Terão, se não se ficarem pelo papel.

É um erro, mas vamos nesta abordagem secundarizar o papel da presença do Estado no interior, seja ao nível da Saúde, da Educação, da Justiça ou da Segurança. Presença essa fundamental para assegurar a fixação e o reforço das populações em meio rural. Vamos centrar-nos apenas nos planos de ordenamento para o território. É certo que, com novas tecnologias, se podem ganhar guerras sem envolver exércitos. Mas alguém imagina vir a ser possível executar um plano de ordenamento, assente num modelo de combate ao despovoamento, à desertificação e às ameaças das alterações climáticas sem um “exército”? Sem um instrumento de apoio técnico e comercial, de grande proximidade, para impulsionar a tão desejada alteração da paisagem? Curiosamente, o ensino profissional florestal, que poderia dar uma resposta mais rápida nessa mudança, é hoje uma inexistência. Portugal não dispõe de um serviço de extensão rural, muito menos florestal. Quem quer intervir no território está por conta e risco, sem uma ligação fixa à Investigação. Fixa e bidireccional.

Para além de produtividades miseráveis, a produção florestal enfrenta uma discrepante desigualdade na distribuição da riqueza produzida. É, face ao risco de incêndio, como da proliferação de pragas e de doenças, quem assume o maior risco nas várias fileiras silvo-industriais. Argumenta-se, num texto patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e RTP3, que a produção florestal vale tostões, num apelo claro a maior envolvimento pecuniário por parte dos contribuintes nos custos da mesma. Todavia, também se argumenta, em múltiplas publicações, que o sector silvo-industrial nacional tem um peso considerável no PIB e nas exportações portuguesas. Afinal, onde ficamos?

Porque valerá tostões a produção florestal e é de alto valor o sector silvo-industrial nacional? Haverá equilíbrio nas relações comerciais, na formação dos preços, ou será mais fácil colocar os custos destes desequilíbrios em terceiros, em todos nós? Na prática, a satisfação desse apelo resultaria em maior apoio indirecto ao sector industrial. Querem abordar a questão pela via da remuneração dos serviços dos ecossistemas? Certo! Mas, nessa conversa há espaço muito limitado para as plantações lenhosas.

Na alteração deste desequilíbrio comercial as autarquias têm um papel fundamental, entre outros, no contributo para a concentração e valorização das produções locais. Afinal, tem sido o desequilíbrio provocado por um modelo extractivista que tem proporcionado o aumento dos riscos nos seus territórios.

Hoje, o modelo de extracção de madeira numa vasta área do nosso território entrou em colapso. Sinal desse colapso é a epidemia de plantações de eucalipto ao abandono. Abandono esse, com uma dimensão tal, em particular na região do Centro, que coloca em causa qualquer investimento em replantações ou reconversão. Nem a melhor da gestão consegue superar tamanhos riscos. Exemplo disso, partindo do pressuposto de que são bem geridas as áreas detidas pelas empresas de celulose, importa relembrar que em 2017 lhes ardeu, só em área de eucaliptal, o equivalente à superfície do concelho de Lisboa.

Para além de outras medidas e instrumentos, dificilmente se atenuarão os riscos provocados pelos incêndios, mas também pela proliferação de pragas e de doenças, sem a presença, em proximidades, de um “exército” para apoio técnico e comercial. Nem sem uma efectiva regulação dos mercados. Curiosamente, em 1989 foi cirurgicamente desmantelada a entidade reguladora dos mercados de produtos florestais.

No que diz respeito à problemática dos incêndios não podemos ficar pelos discursos do combate, da prevenção ou da gestão e ordenamento. A discussão em torno da distribuição da riqueza é fundamental. Não, a produção florestal não tem de valer tostões! Mas, enquanto valer tostões Portugal continuará a ter destaque nos lugares cimeiros em área ardida relativa a nível mundial. Muitas Lisboas arderão.


Por Paulo Pimenta de Castro

No Público, em: https://www.publico.pt/2021/06/08/opiniao/opiniao/ano-ja-ardeu-lisboa-1965609?fbclid=IwAR1V4fjKCout83FBiEosMwZVJMRBdM8vypmUuloCQMtoHOnS9zfQH_2psOs