quinta-feira, 22 de julho de 2021

O grande frenesim de intervir na paisagem

 

E lá vamos nós, mais uma vez. Agora na senda do reordenamento e gestão da paisagem. Vem isto a propósito do novo paradigma governamental, a do Plano de Recuperação da Paisagem, que há dias proporcionou a intervenção pública do primeiro-ministro. Na legislatura anterior, o rumo foi pela “grande reforma da floresta”.

A estas sendas, há quem lhe chame resgate. De facto, parte significativa do território nacional carece de um considerável resgate, sob pena de termos sequências agravadas de grandes e mega incêndios florestais, do avanço da desertificação, do contínuo êxodo rural (que está longe de estancar no pós-1974), da perda de biodiversidade, de solos e de capacidade de armazenamento de água.

Se o território necessita de planeamento e ordenamento, será que é desta que lá vamos? Será que a “bazuca” é o elemento-chave para atenuar o agravamento futuro dos incêndios florestais? Antes deste novo paradigma das “áreas integradas de gestão da paisagem”, passámos pelas “áreas de gestão agrupada”, integradas nos vários quadros comunitários de apoio desde 1990, das “zonas de intervenção florestais”, criadas na sequência dos grandes incêndios de 2003, ou das mais recentes “entidades de gestão florestal” e das “unidades de gestão florestal”. Tudo isto com um sector associativo e cooperativo, em geral, muito débil e facilmente condicionado pelo funcionamento do mercado, onde o Estado tem primado pela ausência de regulação.

Com tantas figuras jurídicas que se têm criado desde os anos 90 do século passado, o facto é que o problema dos incêndios tem assumido cada vez mais destaque, não apenas no período estival, a par da menos visível proliferação de pragas e de doenças. O valor acrescentado bruto e o rendimento da silvicultura mantêm a tendência de contracção. Persiste o êxodo rural, bem como têm aumentado os riscos para a saúde pública e a vida humana. Isto a par da degradação ambiental, assumindo Portugal a segunda posição na União Europeia em perda de áreas naturais e semi-naturais registada desde 1992.

Curiosamente, tem havido muito dinheiro, a avaliar pelas dezenas, centenas e mesmo milhares de milhões de euros anunciados para o território e para as florestas ao longo deste período. Todavia, quanto mais dinheiro se anuncia maior é a necessidade de resgate. Um paradoxo.

Temos tido programas, estratégias, planos, comissões, unidades de missão, “task-forces”, milhentos diplomas publicados em centenas de páginas do Diário da República (se não for já em milhares). De cada vez que se anuncia um, ninguém faz a avaliação do anterior. Ninguém questiona resultados. Persiste o frenesim imposto por novos ideólogos que se acercam do poder. Quando se faz avaliação, mesmo parcial, os resultados são contraproducentes.

Mas, se a intenção é a do resgaste, a conversa tem de ser outra. Se é para reordenar e gerir o território, não basta envolver o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, ou a Direcção Geral do Território, ou mesmo o paraquedista Instituto dos Registo e Notariado (com o cadastro simplificado). Há que equacionar o envolvimento de outras áreas da governação, das autarquias (para lá de meros instrumentos de recepção do “peixe”, mas com “canas de pesca”) e das próprias populações e suas estruturas cívicas e empresariais. Há, sobretudo, a necessidade de criar consensos, que possibilitem atenuar a diferença entre os ciclos eleitorais e os ciclos florestais ou de outros usos e ocupações do território. E mesmo esses consensos são de durabilidade duvidosa. Atente-se ao rumo que teve a Lei de Bases da Política Florestal, de 1996, hoje esquartejada.

Para um resgate efectivo, há que intervir em muitas áreas, tantas que daria muitos outros artigos. Por exemplo: não basta ter planos, com textos redondos e muitas imagens a cores, nem muito dinheiro anunciado; há que ter quem os operacionalize. Neste domínio, se em tempos foi criado o ensino profissional florestal, que providenciava técnicos para apoio de proximidade às populações e a proprietários rurais, hoje essa área de ensino não é consderada prioritária. Todavia, a extensão florestal é elemento-chave para o reordenamento e gestão da paisagem.



Paulo Pimenta de Castro

No Público, a 21/07/2021.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Sobre a queima de árvores em Abrantes

 

Nos últimos dias, autarcas do Médio Tejo têm vindo a manifestar publicamente o seu desagrado por alegadas “contradições” e “desrespeito”, por parte do Governo, face à conversão da central termoelétrica do Pego da queima de carvão para biomassa.

O tema da conversão de centrais a carvão para biomassa é cada vez mais controverso, por três fatores principais. Prioritariamente, pelo acréscimo de emissões de gases de efeito estufa, bem como de poluição atmosférica e ruído, com consequências ao nível da saúde pública. Depois, face aos impactos que causa nos ecossistemas naturais e seminaturais, seja em Portugal, noutros Estados Membros da União Europeia e fora dela, designadamente no Canadá, Estados Unidos e Rússia. A alegada utilização de biomassa florestal residual tem-se constatado, na realidade, no abate massivo de árvores. Por último, pelo forte financiamento público que acarretam estas conversões, alegadamente “verdes”, inseridos no rótulo de “transição energética justa”, mas que não passam de “business as usual”. O rótulo “verde” decorre de decisões tomadas em Bruxelas e Estrasburgo, inseridas na Diretiva das Energias Renováveis, onde exerce forte pressão o lóbi energético.

Há que desmistificar ainda dois aspetos. Primeiro, atendendo ao forte impacto que os incêndios florestais têm na bacia hidrográfica do Tejo, será que uma hipotética conversão da central do Pego poderia contribuir para reduzir ou aumentar a área ardida na região? Certo é que a madeira ardida tem um custo de aquisição substancialmente mais baixo (ou mesmo nulo) e o seu teor de humidade foi, por ação do fogo, significativamente reduzido. Estes factos são favoráveis a aquisições para queima neste tipo de centrais. Segundo, ajuda uma central a biomassa a controlar ou a expandir as espécies invasoras? A partir do momento em que a madeira destas espécies se converte em matéria-prima a tendência será sempre a de garantir abastecimentos futuros.

Relativamente ao anunciado projeto da TrustEnergy, uma joint venture entre a francesa ENGIE e a japonesa Marubeni, principal acionista da Central do Pego, mais de 60 organizações nacionais e internacionais manifestaram a sua oposição em carta aberta dirigida ao Governo português e à Comissão Europeia.

Nessa carta, lembraram que na região hidrográfica do Tejo existe já uma fortíssima pressão pela procura de arvoredo. Essa procura manifesta-se para produção de pasta celulósica, em Setúbal, Constância e Vila Velha de Ródão, de madeira para serração, na Sertã, ou mesmo para fins energéticos, por cogeração, em Constância e Vila Velha de Ródão, por queima em centrais a biomassa, no Fundão, ou para produção de pellets de madeira, em Oleiros, em Proença-a-Nova, na Chamusca e em instalação em Coruche.

Há espaço para uma procura de mais 1,1 milhões de toneladas de madeira por ano para o Pego? As empresas de celulose queixam-se já da necessidade de recorrer a importações, designadamente, de Espanha e até de Moçambique. Para além da oposição pública ao projeto já manifestado pela Endesa, a segunda acionista da central do Pego, quais as posições da Navigator e da Altri? Estas últimas, têm forte presença fundiária na região de Abrantes. Sobre a iniciativa da Marubeni e da ENGIE (que tem sido notícia pelas barragens adquiridas recentemente em Portugal), do posicionamento das celuloses nada sabemos. Mas, o Governo saberá! A anunciada torrefação da biomassa, por parte da TrustEnergy, mais parece um tiro no pé. Nessa torrefação cabe bem a rolaria de eucalipto. É de temer que o impacto nas celuloses não tenha sido positivo.

Mas, se o que preocupa os autarcas é a possível perda de postos de trabalho, preocupação muito legítima e que se subscreve, há que lembrar que existem projetos para a região associados às verdadeiras energias renováveis, seja no âmbito da eólica ou da solar fotovoltaica. Incluem-se nestes o já anunciado pela segunda acionista da central. Se as autarquias se empenharem, têm na região todos os meios necessários para uma requalificação dos atuais trabalhadores da central do Pego que, todavia, continuará a queimar gás natural. É, assim, difícil de entender quais os objetivos dos queixumes dos autarcas. Mas, sabemos que este é um ano de eleições e de pressões.


Paulo Pimenta de Castro


No Público, a 15/07/2021

quarta-feira, 7 de julho de 2021

O Canadá pode ser aqui

 

Projecções indicam que Portugal terá, num futuro próximo, maior frequência e maior duração de ondas de calor. Será que temos hoje o território preparado para enfrentar dias de temperaturas mais elevadas, ventos mais fortes e humidades mais baixas? Não precisam de coincidir todos estes parâmetros ao mesmo tempo, bastam dois deles ou mesmo apenas um.

Pelo que vivenciámos em 2017 e em 2018, já deu para perceber que temos no território ocupações e comportamentos de elevado risco. E quando as condições meteorológicas são extremas, não há dispositivo de prevenção e combate que nos assegurem não ter a maior área ardida anual absoluta da União Europeia. Aliás, tal como também aconteceu em 2016. Mesmo em 2019 e 2020 não abandonámos o pódio neste indicador. Os impactes ecológicos, sociais e económicos há muito são debatidos. Todavia, sem grande sucesso em termos de alteração de paradigma. Nem grande, nem pequena. Vão-se empurrando os problemas com a barriga. Quiçá novos eventos extremos aconteçam apenas numa próxima legislatura, com outros protagonistas políticos.

A situação há dias reportada pelo Público em Monchique é um exemplo da inércia governamental, da inoperacionalidade da Administração, da irresponsabilidade de agentes económicos, de perigo iminente para as populações. De acordo com o relatado, haverá justificação para, em pleno mês de Julho, se estar a discutir o que fazer a milhares de toneladas de madeira ardida, empilhada e abandonada em plenas áreas de plantações arbóreas? Não, não há justificação! Aliás, nesse território, vários anos após o incêndio de 2018, o que foi feito para atenuar riscos futuros? De essencial, nada!

Mudando do Algarve para a região do Centro. Havendo conhecimento de que, ao contrário do que algumas correntes negacionistas afirmaram, muita da germinação de eucalipto, ocorrida por exemplo em Santa Comba Dão no pós-incêndios de Outubro de 2018, vingaria, constatam-se, quatro anos após, densidades de arvoredo de 804 mil plantas por hectare, com crescimentos hoje superiores a vários metros. Quem irá combater um incêndio que atinja estas áreas? Haverá combate possível?

Será que ainda vale a pena, mais uma vez, frisar a situação actual do território em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande? Registos não faltam.

Os municípios, por muito que venham a captar ou desviem verbas destinados a outros fins para acudir à prevenção de futuros incêndios, nomeadamente os destinados a acções de cariz social, jamais terão capacidade para debelar minimamente um problema de tamanha dimensão. Atente-se, por exemplo, aos esforços desenvolvidos há décadas pela autarquia de Mação. Depois de Agosto de 2017, ficou com que percentagem de área arborizada intacta?

Voltando às projecções científicas sobre o clima, todas apontam para um aumento da temperatura no futuro. Estão já disponíveis estudos para Portugal que associam esse aumento à maior ocorrência de relâmpagos e à probabilidade de mais ignições futuras, no caso, devidas a causas naturais. Com o tipo de ocupação arbórea e de matos que predomina em extensas áreas das regiões do Norte, do Centro e do Algarve, não é difícil prever, a manter-se a actual inércia governamental, que o futuro seja tudo menos risonho.

A inércia governamental respeita a medidas estruturais e integradas, não às conjunturais de produção legislativa avulsa ou de forçar à limpeza de faixas, seja por meios mecânicos, químicos ou pelo uso do fogo. Será preciso muito mais do que isso. Serão necessárias medidas e instrumentos no plano sectorial, mas igualmente outras mais genéricas, entre elas, as de combate ao êxodo rural.

Temos acompanhado, nos órgãos da Comunicação Social o que tem acontecido nos últimos dias no noroeste do Canadá e dos Estados Unidos, com as ondas de calor e os incêndios que as precedem. Por cá, sem uma intervenção séria, rápida e musculada no território, podemos, muito em breve, viver novamente um cenário próximo aos de 2017, ou ao de Julho de 2021 do noroeste da América do Norte.

Vai havendo cada vez menos tempo para actuar. A janela de oportunidade tem-se vindo a fechar e não abrirá apenas com o anúncio de milhões de euros, ou de programas e planos. Disso temos tido em barda!



Paulo Pimenta de Castro

No Público, a 7 de Julho de 2021