terça-feira, 11 de setembro de 2012

Cortiça, sob uma nuvem sombria ou sob um sol radioso?


A exportação de rolha e revestimentos vem acumulando sucessivos recordes de vendas, que evidenciam a boa aceitação dos produtos de cortiça um pouco por todo o mundo. Ao mesmo tempo os produtores deparam-se, no campo, com preços pagos por arroba estagnados em forte baixa. Há, no mercado interno, uma relação desequilibrada que compromete a sustentabilidade da fileira. 

Os resultados de facturação da Corticeira Amorim, relativos ao primeiro semestre de 2012, são muito positivos. O volume de vendas, no valor de 275 milhões de euros, é o mais alto de sempre em meio ano. E o período de Abril a Junho representa o décimo trimestre consecutivo em que a empresa regista aumento das receitas.

O crescimento das vendas foi na ordem dos 13%, o que mostra que nos últimos anos o negócio da rolha e aglomerados continua em franca expansão. Espanha, França, Itália, EUA, China, Chile e Austrália, são alguns mercados onde a venda de rolha tem aumentado significativamente em resultado de uma maior produção e consumo de vinho.  

Os resultados positivos que se acumulam de ano para ano devem-se ao crescimento do mercado de exportação de derivados de cortiça, nomeadamente rolha e revestimentos. Não parece haver dúvidas de que o sector atravessa um bom momento. Mas atravessa mesmo?

A matéria-prima tem o preço estagnado em baixa, sendo paga ao produtor a preços asfixiantes, a roçar o limite mínimo de rentabilidade. E começam a ser frequentes os casos de produtores que optam por não tirar cortiça porque o diferencial entre a despesa da tira e o proveito da venda, mesmo sem considerar os custos da manutenção regular do arvoredo, deixou de compensar. Sem margem que cubra essa manutenção, as áreas de montado são deixadas ao abandono.

Se juntarmos a esta estrangulação dos preços um cocktail de problemas (de sanidade, de stress hídrico, de envelhecimento natural) que afectam o sobreiro, isto deverá significar que daqui a pouco mais do que uma década, se tanto, é grande a probabilidade de a indústria acordar um dia com matéria-prima em quantidade insuficiente para satisfazer o mercado, que verdade seja dita, tanto lhe custou a conquistar e que teria um potencial promissor.

Este é um risco muito real que os industriais enfrentam porque não entendem, ou não entendem por completo, o que actualmente se está a passar no domínio da produção suberícola. Pode haver a ilusão de que cortiça sempre haverá, mas a verdade é que os montados estão muitíssimo envelhecidos, perderam muita densidade, e toda essa área de novos sobreiros de que muito se ouve falar, e que se diz que irão entrar em produção, pouco mais é do que uma ilusão estatística. O Grupo Amorim, que detém o mercado e estabelece a formação dos preços – já que domina, sem concorrentes, a transformação e a exportação de cortiça – parece desconhecer as dificuldades concretas com que a produção se depara. E esse desconhecimento compromete seriamente o seu próprio negócio.

Quando há uma decalage tão grande, em que o negócio está muito bom para uns e muito mau para os outros, é sinal de que alguma coisa não está bem na fileira. A correcta gestão dos montados, e consequentemente a sua sustentabilidade, dependem de um fundo de maneio que permita o investimento em boas práticas. Essa capacidade actualmente está muito comprometida, e não vai recuperar sem um novo equilíbrio de mercado.

Os proprietários sabem exactamente o que seria preciso fazer para influenciar os preços: ‘encerrar a loja’ durante um ou dois anos, deixar a cortiça na árvore, e esperar que o poder de formação dos preços se deslocasse para o lado da produção. Mas entrou-se já numa espiral de dificuldades que torna uma acção destas muito difícil de concertar. Entretanto, as circunstâncias decorrentes do mau momento que está a ser vivido deverão fazer com que o efeito de escassez de cortiça seja sentido no mercado dentro de poucos anos.

Os produtores não vêem como desviar a nuvem sombria que paira sobre o sector. Ao mesmo tempo, talvez a indústria esteja convencida de que vive sob um sol radioso. A aplicação de uma palete de acções urgentes, que concorressem em conjunto para a correcção de várias contrariedades que afectam o montado, poderia ainda, porventura, impedir que aquela nuvem sombria se continuasse a adensar. Mas a avaliar pelo caminho que se fez até aqui, é preciso ser-se mesmo muito esperançoso para acreditar que assim venha a ser. De sucesso em sucesso, a indústria parece caminhar cegamente para o insucesso.


João Sobral


domingo, 2 de setembro de 2012

Mr. Magoo e o MAMAOT.


Quincy Magoo era um velhinho baixo, careca e com grave deficiência visual que se envolvia em situações cómicas e perigosas devido à sua pouca visão. A personagem, um desenho animado, mais conhecida por Mr. Magoo, foi criada pela United Productions of America.

A falta de visão de Mr. Magoo tem paralelismo com a atual falta de Visão do MAMAOT para as florestas e para o setor florestal, facto que também proporciona, a este último, situações caricatas e perigosas.

Analisemos os factos respeitantes ao caso específico da proposta de alteração legislativa sobre as ações de (re)florestação com eucalipto. Tal como concebida, tornou-se em si numa situação caricata e perigosa.

Tendo em consideração:
  • Que nos últimos 30 anos, apesar da ausência de apoios públicos a ações de arborização com a espécie, a área de eucaliptal aumentou 354.000 hectares, um acréscimo de 91,7%, situando-se hoje nos 740.000 hectares, ou seja 21% da área florestal do País. Esta área florestal, da qual depende a indústria da pasta celulósica e do papel, é detida maioritariamente por produtores privados, na sua grande maioria com explorações de reduzida dimensão, abaixo dos 5 hectares, estas últimas situadas com maior destaque nas regiões Centro e Norte.
  • Que apesar do significativo aumento de área registado, os especialistas reconhecem que a produtividade média nacional nos eucaliptais se situa hoje ao nível de... 1928 (10 m3/hectare/ano), facto que, só por si, deveria recomendar uma aposta estratégica na promoção da melhoria da qualidade dos eucaliptais atualmente existentes em Portugal.
  • Que os preços pagos à porta da fábrica, nos últimos 30 anos, de acordo com os dados publicados na Estratégia Nacional para as Florestas (1975/2005) e os dados registados pelo Instituto Nacional de Estatística, nas Contas Económicas da Silvicultura (2000/2010), evidenciam queda sistemática, apesar de alguns picos registados na década de 90. Isto, apesar do aumento no consumo intermédio na produção, sobretudo dos custos com mão de obra e com gasóleo, bem como da evolução favorável do preço da pasta celulósica de eucalipto no mercado internacional. O rendimento empresarial líquido da silvicultura e exploração florestal registou uma tendência de queda no último decénio, situação desfavorável aos produtores silvícolas.
  • Que o setor da indústria da pasta celulósica, de primeira transformação, mais ligada à produção, era até há alguns anos atrás constituído por 4 empresas: a Portucel, a Soporcel, a Celbi e a Caima; empresas essas que se foram fundindo, sendo o mercado atual ocupado apenas por 2 empresas: a Portucel Suporcel e a Altri; uma das quais em dificuldades financeiras, podendo perspetivar-se uma potencial concentração numa única empresa.
  • Que, segundos dados dos últimos Inventários Florestais Nacionais (1980/1989 e 2005/2006), os especialistas registam indícios de crescente abandono da gestão nos eucaliptais nacionais, com especial evidência no período 1992 a 2005. Aguardam-se com expectativa os números do último Inventário (2011/2012), cujos valores deverão ser disponibilizados ao longo do último trimestre de 2012, no que respeita a áreas, e início de 2013, nos referentes a volumes.
  • Que, segundo os dados disponíveis nos Serviços Florestais, o eucalipto ocupa a segunda posição em termos de área ardida, no conjunto das espécies existentes na floresta portuguesa, seguindo-se ao pinheiro bravo. A área ardida de eucaliptal tem vindo a aumentar nas últimas três décadas, consequência do aumento de área, claramente, mas também da crescente ausência de gestão florestal (o que não gera negócio é abandonado, logo desprotegido).

Em consequência, pode-se então resumir que, na história dos eucaliptais nacionais nos últimos 30 anos, apesar de um aumento significativo de área, a produtividade média nacional remonta a 1928, os preços à produção têm decrescido ao longo dos anoa, é evidente a concentração do setor industrial da celulose, são cada vez mais evidentes os indícios de abandono dos povoamentos com eucalipto e aumenta a vulnerabilidade da espécie aos incêndios florestais. Regista-se por um lado a aposta na massificação da cultura (aumento de área, manutenção da produtividade), bem como um ajustamento, por parte de milhares de produtores florestais, da gestão dos seus eucaliptais (absentismo) às expectativas de negócios gerados pelo eucalipto.

O que se constata em 2012:
  • O MAMAOT apresentou uma proposta de alteração legislativa às ações de arborização e rearborização com eucalipto, com o objetivo de facilitar a massificação desta cultura, em concreto no minifúndio. Esta proposta aparece de forma avulsa, extemporânea à discussão de uma estratégia nacional para as florestas e irresponsável do ponto de vista da gestão e do planeamento florestal, bem como da proteção dos recursos naturais.
  • O Ministério, com esta proposta, conseguiu a proeza de opor a fome à vontade de comer, situação caricata e potencialmente perigosa. Instaurou no setor florestal uma verdadeira “guerra civil”, com a fileira da madeira e mobiliário e a fileira da pasta e papel a degladiarem-se publicamente, dois verdadeiros “tigres de papel”, dependentes que são de uma floresta de sustentabilidade, no mínimo, duvidosa. Foi feito tudo o que não se deveria esperar do Ministério da tutela, o fomento da conflitualidade por uma postura de parcialidade.
  • A iniciativa está longe de ser inovadora, de quebrar ciclos, de aproveitar oportunidades. Ao invés, fomenta mais ainda a estratégia de massificação da cultura dos últimos 30 anos. Mais quantidade, igual ou menos qualidade. Uma pobreza política (muita politics, nenhuma policy).
  • A proposta do MAMAOT é estrategicamente negativa, perde uma excelente oportunidade de valorizar a gestão florestal ativa e a certificação florestal. Independentemente da dimensão (em área) da ação de arborização ou rearborização, não faz sentido a exigência de requerimento de autorização para quaisquer povoamentos florestais sujeitos a Planos de Gestão Florestal (PGF), já de si aprovados pelos Serviços Florestais, muito menos por explorações com áreas florestais certificadas, em concreto de eucalipto, as quais, para além do PGF aprovado oficialmente, são ainda auditadas regularmente por entidades terceiras especializadas. Ora, são precisamente as áreas com maiores indícios de absentismo que a proposta isenta de autorização (indício evidente da aposta numa campanha de massificação da cultura).
  • A iniciativa perde ainda uma excelente oportunidade de ser politicamente audaz, ao não anular definitivamente a cobrança de taxas no início de processos biológicos de evidente e reconhecido sequestro de carbono. Quanto muito fará sentido a análise de taxas ao nível de procedimentos de libertação do carbono retido pelos eucaliptais.
  • Se o objetivo é o aumento das exportações, as arborizações e rearborizações só gerarão material lenhoso a 12 anos, pelo que será mais consequente a intervenção nos eucaliptais já instalados, melhorando a sua gestão, garantindo a sua proteção e, quando possível, melhorando a sua produtividade. A 12 anos, só mesmo para apoio à liquidação dos encargos com as PPP, de 2025 em diante.
  • O Ministério conseguiu ainda a proeza de, à nascença, estigmatizar o recém criado Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), com uma proposta caricata, do ponto de vista da conservação da Natureza, e perigosa, do ponto de vista florestal. Dificilmente será possível dissociar, no futuro, o ICNF da “Campanha do Eucalipto”.

A via da qualidade representa árduo trabalho (investigar, divulgar, formar). A via do facilitismo favorece a aposta na quantidade, na massificação indiscriminada, como visa a proposta legislativa do MAMAOT. Todavia, mais tarde o diferencial (económico, ambiental e social) entre estas duas vias terá de ser liquidado, acrescido de juros (aliás, como atualmente todos nós bem sabemos).

A contestação à iniciativa do MAMAOT, não deve ser centrada na árvore em si, com lugar na floresta produtiva nacional, tal como a indústria papeleira, mas sim na estratégia do MAMAOT, semelhante à Campanha do Trigo implementada pelo Estado Novo. Todavia, no caso presente, não são assegurados serviços de extensão rural, para apoio à gestão dos eucaliptais, nem condições justas de acesso aos mercados, permanecendo os agricultores e produtores florestais à mercê de posições monopolistas da indústria transformadora, cada vez mais centrada num único operador económico.

Tal como Quincy Magoo teria hoje disponíveis inúmeras soluções técnicas para melhorar significativamente a sua visão, evitando assim envolver-se em situações cómicas e perigosas, também o MAMAOT tem a oportunidade de definir uma Visão que represente uma verdadeira mudança de paradigma nas florestas em Portugal, não se expondo a situações caricatas, nem se estigmatizando em soluções perigosas. Será capaz de operar essa mudança? Condições políticas não lhe faltam, mas a cada dia que passa adensam-se as dúvidas que a consiga operar.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal

(Publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2012/pcastro5.htm#.UEQ8xdaPWrh)