domingo, 24 de fevereiro de 2019

Cultivar o eucalipto


O último número da revista Cultivar – Cadernos de Análise e Prospectiva (N.º 14, de Dezembro de 2018), editada pelo Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP), do Ministério da Agricultura, foi dedicado à cultura do eucalipto. Se o intuito do GPP, expresso no Editorial, era o de reduzir a controvérsia e apostar numa abordagem responsável do tema, temo que se tenha ficado pelo caminho. Há questões fulcrais nesta discussão que foram simplesmente ignoradas. Cirurgicamente ignoradas?

Nesses pontos fulcrais, logo à cabeça, há a registar a inexplicável ausência de análise ao funcionamento dos mercados, às relações entre uma oferta pulverizada e uma procura industrial em duopòlio, sobretudo nas consequências que essa forma de relacionamento aporta à sociedade. Não se vislumbrou uma análise à evolução dos preços da rolaria de eucalipto pagos à oferta (à porta das fábricas), nem à evolução dos custos de produção, em energia, combustíveis, mão de obra e equipamentos. Com certeza, este seria um assunto que mereceria forte interesse por parte da produção. Mas, não só! Seria interessante constatar ainda uma análise ao nível dos impactos nos prestadores de serviços, decorrentes dessas evoluções dos preços. Nada! Só uma análise macroeconómica, com destaque para o peso da indústria. As ausências aqui expressas são típicas nas análises emitidas pela indústria papeleira, não o deveria ser por um organismo da Administração Pública.

No âmbito do rendimento, há que considerar a abordagem à conta de cultura do eucalipto, num dos artigos da revista, da responsabilidade de um empresário rural na charneca do Ribatejo. Logo à partida, há que ter em conta que a abordagem em causa respeita a um caso de média e grande propriedade, com as economias de escala daí decorrentes. Não se pode extrapolar esta abordagem à esmagadora maioria dos prédios rústicos das regiões Norte, Centro e Algarve. No caso da região Centro, com prédios rústicos de área média de meio hectare, esta é responsável por mais de 60% do abastecimento às celuloses. É também a região que mais tem sentido o impacto do abandono da gestão por quebra de expectativas de rendimento, com consequências na propagação dos incêndios e da invasão subsequente pelo eucalipto, esta registada, sobretudo, a partir de 2017.

Sem ir de momento ao pormenor dos valores associados às várias operações contidas no modelo de produção, é aceitável que num arrendamento de solos pela indústria de celulose se apresente uma conta de cultura para apenas duas rotações, ou seja, 24 anos. Após esse período finda o arrendamento. Todavia, do ponto de vista de um empresário rural, lenhicultor, essa análise corresponde, apenas e só, a um terço ou, quanto muito, a metade do ciclo produtivo. A análise apresentada peca, claramente, por defeito. Numa análise, segundo a perspectiva de um proprietário ou empresário rural, teriam de ser incluídos os encargos de uma terceira rotação, regra geral de mais baixa produtividade, bem como os custos com as operações essenciais a um subsequente reinício de ciclo, por replantação ou reconversão do solo a outros usos. Concretamente, com o tratamento a dar aos cepos. Ou seja, a análise apresentada na revista Cultivar, para um produtor florestal, está claramente amputada. Neste sentido, afigura-se lamentavelmente tendenciosa. A comparação com as alternativas, produção de pinhão e de cortiça, é inválida. Importa ter em conta que, nas alternativas, outras considerações devem ser tidas em conta, seja quanto a produções agro-alimentares ou produções agro-florestais.

Quanto aos números apresentados, ainda na conta de cultura em causa, optou-se pela análise a preços constantes. Todavia, numa análise a preços correntes, as conclusões teriam de ter em conta a evolução dos preços da rolaria à porta da fábrica, face à evolução dos custos dos factores de produção, no decurso do ciclo produtivo. Esta ausência é mais um vício a apontar à análise apresentada na revista.

Ainda quanto à apreciação na generalidade do conteúdo da revista, há a constatar a ausência de artigos sobre alternativas à produção de madeira de eucalipto que não apenas para celulose e papel. Por conveniência?

Constata-se ainda a ausência de abordagem aos graves problemas sanitários que afectam esta cultura e que induzem graves quebras no rendimento. Nada que aponte para um eventual sucesso nas várias iniciativas de luta, que se presumem em curso. As pragas e as doenças que afectam o eucalipto agravam ainda mais a situação de abandono dos já dois terços da área ocupada por esta espécie exótica em Portugal.

No que respeita ao impacto dos incêndios, o artigo da autoria de Paulo Fernandes e Nuno Guiomar quebrou expectativas. Na sequência da questão colocada por João Camargo e por mim no livro “Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas”, e cito: “Há um novo regime de fogo em Portugal?; a resposta foi, volto a citar: “Temos muitas indicações que permitem afirmar que sim“. O que nos dizem agora Paulo Fernandes e Nuno Guiomar, de acordo com os dados e a metodologia que elegeram, é que não houve no passado tais indícios mais que, face aos mega-incêndios, os pode haver no futuro. Ficamos assim no campo do cinzento, com risco futuro de se tornar preto de cinza. Nada de relevante se constatou neste artigo, portanto, quanto ao futuro.

Ainda no que respeita à abordagem do tema pelo lado dos incêndios, teria sido com certeza muito enriquecedor a inclusão de uma análise por parte do coordenador do Observatório Técnico Independente, criado pelo Parlamento neste domínio.

Em conclusão, esperava uma abordagem mais equidistante a esta temática por parte do organismo da Administração Pública responsável pela edição desta revista. Mais ainda, face às atribuições que tem no domínio do planeamento e das políticas agrárias.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Direcção da ACRÉSCIMO - Associação de Promoção ao Investimento Florestal