segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Conselhos, mais conselhos e desflorestação

Atente-se à balbúrdia legislativa que graça nas florestas. O exemplo é meramente simbólico, respeita apenas aos órgãos de consulta dos Governos em matéria de Política Florestal.

Apertar cintos, vamos dar início à viagem:

Em 1996, a Lei n.º 33/96, de 17 de agosto (Lei de Bases da Política Florestal), no seu Art.º 14.º cria, como instrumento de política florestal, o Conselho Consultivo Florestal (CCF), enquanto órgão de consulta do Ministro da Agricultura (ponto 1) e do Governo (ponto 4). Este Art.º 14.º define ainda as competências do conselho (pontos 2 e 3). No Art.º 15.º é definida a sua composição do conselho, convocado e presidido pelo Ministro, remetendo para regulamentação específica o respeita ao seu funcionamento.

Em 1999, a Lei n.º 158/1999, de 14 de setembro (Lei de Bases do Interprofissionalismo Florestal), no seu Art.º 6.º cria o Conselho das Organizações Interprofissionais Florestais (COIF), órgão constituído pelas OIF reconhecidas pelo Ministério da Agricultura. No n.º 2 do Art.º 6.º ficou expresso que as OIF reconhecidas e o COIF terão assento, por inerência, no CCF.

Fica logo aqui uma dúvida: as Leis complementaram-se ou atropelaram-se? Avaliando hoje pelos resultados, tudo indica que se atropelaram.

Em 2000, o DL n.º 166/2000, de 5 de agosto, referente aos órgãos consultivos do Ministério da Agricultura, no seu Capítulo III especifica a composição do CCF (Art.º 16.º). Este DL foi, entretanto, alterado (pelo DL n.º 260/2001, de 25 de setembro), mas sem que isso tenha suscitado alterações no que respeita ao CCF. Não é feita referência ao COIF.

Em 2001, o DL n.º 307/2001, de 6 de dezembro, atualiza o Art.º 16.ª do DL n.º 166/2000, de 5 de agosto, com dois aditamentos, onde designa o COIF como seção especializada do CCF. É republicado o DL n.º 166/2000, de 5 de agosto.

Em 2008, o DL n.º 159/2008, de 8 de agosto, define a orgânica da Autoridade Florestal Nacional (AFN). Curiosamente, neste diploma governamental não é feita referência à Lei de Bases da Política Florestal, concretamente ao disposto no seu Art.º 12.º. Ou seja, terá a Autoridade Florestal Nacional constituído a autoridade florestal nacional definida na Lei n.º 33/96, de 17 de agosto? De acordo com o âmbito, a missão e as atribuições definidas para a AFN, poder-se-á pensar que sim, todavia nada remete para o artigo específico da Lei de Bases. No Art.º 6.º deste diploma é criado o Conselho Florestal Nacional (CFN), as suas competências interferem com as do CCF. Não se entende qual a relação entre ambos, ou se um veio substituir o outro. No caso, terá havido autorização parlamentar? De que forma o Decreto-lei se impôs à Lei?

Ainda em 2008, a Portaria n.º 553-B/2008, de 27 de junho, que revoga as Portarias n.º 305-A/2008, de 21 de abril, e n.º 358/2008, de 12 de maio, e parte da Portaria n.º 103/2006, de 6 de fevereiro, cria o Conselho Consultivo para a Fitossanidade Florestal (CCFF). O diploma define as competências e a composição deste conselho. Não é definida a articulação do CCFF com o CCF.

Em 2012, o DL n.º 135/2012, de 29 de junho, define a orgânica do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), estabelecendo, no n.º 3 do Art.º 3.º que o CFN passa a funcionar junto do ICNF. Neste diploma também não é estabelecida correspondência com o disposto no Art.º 12.º da Lei de Bases da Política Florestal. Será o atual ICNF a autoridade florestal nacional?

Em 2015, o DL n.º 29/2015, de 10 de fevereiro, institui o CNF, previsto no diploma anterior, e regula a sua natureza, as suas competências, a sua composição e o seu funcionamento. As competências são coincidentes com as do CCF. No seu Art.º 9.º estipula a extinção do COIF e do CCFF, o primeiro criado por Lei e o segundo por Portaria. No seu Art.º 11.º estabelece que quaisquer referências legais e regulamentares ao CCF se consideram efetuadas no CFN. Existe autorização do Parlamento para o disposto relativamente ao CCF e ao COIF?


A Lei de Bases da Política Florestal comemora 20 anos em agosto. Afinal, para que serve uma Lei, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República, quando é sistematicamente atropelada?

O atual Governo fez reunir o Conselho Florestal Nacional no passado dia 10 de fevereiro, em comemoração, assumida, do primeiro aniversario sobre a publicação do DL n.º 29/2015. Será que a 17 de agosto irá fazer reunir o Conselho Consultivo Florestal em comemoração do 20.º aniversário da publicação da Lei de Bases da Politica Florestal?

No fim de tantos conselhos e supostos conselhos, Portugal regista o caso mais grave de desflorestação no continente europeu, com avultados danos económicos, sociais e ambientais. A uma média anual superior a 10 mil hectares de área de floresta perdida em cada ano, já lá vão, pelo menos, 200 mil hectares a menos. Haja conselhos que resistam.

Paulo Pimenta de Castro
Eng. Silvicultor
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A inconsistente argumentação sobre as importações e a escassez de bens florestais em Portugal

É comum assistir-se a discursos de lamento, por parte de alguns responsáveis das indústrias de base florestal instaladas em Portugal, sobre a necessidade do recurso à importação de bens florestais, alegadamente face à escassez de resposta por parte da produção florestal nacional, quase exclusivamente privada.

Importa, antes de mais, estar atento ao facto das importações florestais se inserirem, em parte, numa estratégia da industria florestal de controlo de preços à produção nacional privada.


Por outro lado, não faz sentido argumentar sobre a escassez de matéria prima de origem florestal, num país com cerca de 2 milhões de hectares sob gestão de abandono. Ou seja, não se produz mais, mas não é por falta de solo disponível.

Mais! Não é consistente o discurso da escassez de matéria prima, por parte da indústria florestal com atividade em Portugal, quando não criou ou reduziu substancialmente a sua capacidade de autoabastecimento. Por exemplo, a indústria de aglomerados não dispõe de áreas de autoabastecimento, a indústria papeleira reduziu recentemente, em mais de 30 mil hectares, a sua presença em áreas de eucaliptal (muito embora, tenha depois vindo a público exigir 40 mil hectares de eucaliptal, para viabilizar um investimento de 2,3 mil milhões de euros).

As questões que importa colocar, no que respeita às importações florestais, são:
  • Qual o motivo inerente à não resposta, pela produção florestal privada, às necessidades de abastecimento da indústria florestal instalada em Portugal?
  • Será que esta não resposta encontra justificação num, até agora, intransponível “gap”, entre as expetativas de valores a receber pelos bens que produz e a disponibilidade da indústria para os pagar? Ora, em Portugal, no que respeita às três principais fileiras, a do eucalipto, a do pinheiro bravo e a do sobreiro, os preços são determinados unilateralmente pela indústria. As demais fileiras até vão crescendo, quer em área florestal privada, quer em atividade industrial associada.

Por outro lado,
  • Constatando-se o diferencial entre as expetativas de preços na produção florestal privada e as disponibilidades em assumi-los pela indústria, qual o motivo para esta última não criar ou fortalecer a sua capacidade de autoabastecimento?
  • Estará este não investimento associado ao facto de as despesas inerentes à gestão própria gerarem valores superiores, para viabilizar uma gestão florestal que se deseja sustentável, às receitas originadas pelos bens gerados nesses espaços, tendo em conta os preços impostos à porta das fábricas?
  • Ou será, pura e simplesmente, por não desejar assumir o maior risco associado ao seu negócio, na componente florestal, gerando assim mais valias acrescidas aos seus acionistas? Mas, isso seria sinal de uma enorme irresponsabilidade empresarial, social e ambiental.

Assim sendo:
  • Qual a cota-parte, de egoísmo, da indústria na intransponibilidade do “gap” com a produção florestal privada?
  • Valerá mais recorrer às importações? Então, de que se queixam?

A manter-se o “gap”, as opções parecem claras. Há que assumi-las. Não assumir uma atitude neste domínio, sejas pelos agentes económicos, seja pela intervenção direta do Estado, continuará a aportar elevados custos económicos, sociais e ambientais para o país.

Paulo Pimenta de Castro
Eng. Silvicultor