Atente-se à
balbúrdia legislativa que graça nas florestas. O exemplo é meramente simbólico,
respeita apenas aos órgãos de consulta dos Governos em matéria de Política
Florestal.
Apertar cintos,
vamos dar início à viagem:
Em 1996, a Lei
n.º 33/96, de 17 de agosto (Lei de Bases da Política Florestal), no seu Art.º
14.º cria, como instrumento de política florestal, o Conselho Consultivo
Florestal (CCF), enquanto órgão de
consulta do Ministro da Agricultura (ponto 1) e do Governo (ponto 4). Este
Art.º 14.º define ainda as competências do conselho (pontos 2 e 3). No Art.º
15.º é definida a sua composição do conselho, convocado e presidido pelo
Ministro, remetendo para regulamentação específica o respeita ao seu funcionamento.
Em 1999, a Lei
n.º 158/1999, de 14 de setembro (Lei de Bases do Interprofissionalismo
Florestal), no seu Art.º 6.º cria o Conselho das Organizações
Interprofissionais Florestais (COIF),
órgão constituído pelas OIF reconhecidas pelo Ministério da Agricultura. No n.º
2 do Art.º 6.º ficou expresso que as OIF reconhecidas e o COIF terão assento,
por inerência, no CCF.
Fica logo aqui
uma dúvida: as Leis complementaram-se ou atropelaram-se? Avaliando hoje pelos
resultados, tudo indica que se atropelaram.
Em 2000, o DL
n.º 166/2000, de 5 de agosto, referente aos órgãos consultivos do Ministério da
Agricultura, no seu Capítulo III especifica a composição do CCF (Art.º 16.º).
Este DL foi, entretanto, alterado (pelo DL n.º 260/2001, de 25 de setembro),
mas sem que isso tenha suscitado alterações no que respeita ao CCF. Não é feita
referência ao COIF.
Em 2001, o DL
n.º 307/2001, de 6 de dezembro, atualiza o Art.º 16.ª do DL n.º 166/2000, de 5
de agosto, com dois aditamentos, onde designa o COIF como seção especializada
do CCF. É republicado o DL n.º 166/2000, de 5 de agosto.
Em 2008, o DL
n.º 159/2008, de 8 de agosto, define a orgânica da Autoridade Florestal
Nacional (AFN). Curiosamente, neste diploma governamental não é feita
referência à Lei de Bases da Política Florestal, concretamente ao disposto no
seu Art.º 12.º. Ou seja, terá a Autoridade Florestal Nacional constituído a
autoridade florestal nacional definida na Lei n.º 33/96, de 17 de agosto?
De acordo com o âmbito, a missão e as atribuições definidas para a AFN, poder-se-á
pensar que sim, todavia nada remete para o artigo específico da Lei de Bases.
No Art.º 6.º deste diploma é criado o Conselho Florestal Nacional (CFN), as suas competências interferem
com as do CCF. Não se entende qual a relação entre ambos, ou se um veio
substituir o outro. No caso, terá havido autorização parlamentar? De que
forma o Decreto-lei se impôs à Lei?
Ainda em 2008, a
Portaria n.º 553-B/2008, de 27 de junho, que revoga as Portarias n.º
305-A/2008, de 21 de abril, e n.º 358/2008, de 12 de maio, e parte da Portaria
n.º 103/2006, de 6 de fevereiro, cria o Conselho Consultivo para a
Fitossanidade Florestal (CCFF). O
diploma define as competências e a composição deste conselho. Não é definida a
articulação do CCFF com o CCF.
Em 2012, o DL
n.º 135/2012, de 29 de junho, define a orgânica do Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas (ICNF), estabelecendo, no n.º 3 do Art.º 3.º que o CFN
passa a funcionar junto do ICNF. Neste diploma também não é estabelecida
correspondência com o disposto no Art.º 12.º da Lei de Bases da Política
Florestal. Será o atual ICNF a autoridade florestal nacional?
Em 2015, o DL
n.º 29/2015, de 10 de fevereiro, institui o CNF, previsto no diploma anterior,
e regula a sua natureza, as suas competências, a sua composição e o seu
funcionamento. As competências são coincidentes com as do CCF. No seu Art.º 9.º
estipula a extinção do COIF e do CCFF, o primeiro criado por Lei e o segundo
por Portaria. No seu Art.º 11.º estabelece que quaisquer referências legais e
regulamentares ao CCF se consideram efetuadas no CFN. Existe autorização do
Parlamento para o disposto relativamente ao CCF e ao COIF?
A Lei de Bases
da Política Florestal comemora 20 anos em agosto. Afinal, para que serve uma
Lei, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República, quando é sistematicamente
atropelada?
O atual Governo
fez reunir o Conselho Florestal Nacional no passado dia 10 de fevereiro, em
comemoração, assumida, do primeiro aniversario sobre a publicação do DL n.º
29/2015. Será que a 17 de agosto irá fazer reunir o Conselho Consultivo
Florestal em comemoração do 20.º aniversário da publicação da Lei de Bases da
Politica Florestal?
No fim de tantos
conselhos e supostos conselhos, Portugal regista o caso mais grave de
desflorestação no continente europeu, com avultados danos económicos, sociais e
ambientais. A uma média anual superior a 10 mil hectares de área de floresta
perdida em cada ano, já lá vão, pelo menos, 200 mil hectares a menos. Haja
conselhos que resistam.
Paulo
Pimenta de Castro
Eng.
Silvicultor
Presidente
da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
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