domingo, 7 de janeiro de 2024

O PS tem um problema com as árvores e nós com a falta delas



Na verdade, a análise global dos dados sobre desflorestação, evolução do coberto arbóreo, perda de áreas naturais e seminaturais, revelam um problema do regime democrático português para com o arvoredo, em particular com o arvoredo de espécies autóctones. Todavia, nas últimas cinco décadas há legislaturas com maiores perdas e com maior pressão sobre o arvoredo.


Já evidenciado antes, de acordo com dados da OCDE, Portugal regista a segunda maior perda relativa na União Europeia, de áreas naturais e seminaturais desde 1992, ano da Conferência do Rio.


Também já evidenciado antes, Portugal registou uma situação ímpar, no espaço europeu, de desflorestação. Os números oficiais variam entre um quarto de milhão de hectares reportados ao período entre 1990 e 2010, identificados em documentação de organismos das Nações Unidas, ou de cento e cinquenta mil hectares registados entre 1995 e 2010, visível em números dos Inventários Florestais Nacionais. Com efeito, o último Inventário regista um ganho de 60 mil hectares ocorridos entre 2010 e 2015. Sabe-se que tal ganho ocorreu maioritariamente com uma espécie exótica e invasora pós-incêndio. O facto é que os ganhos em termos de coberto arbóreo autóctone são pífios face à perda registada. Após 2015 sabemos pouco e pouco saberemos até ao final da década, estando o próximo Inventário Florestal Nacional previsto apenas para 2025 


Também temos registos de que Portugal é, em termos relativos e absolutos, o Estado Membro da União Europeia que regista as maiores áreas ardidas, cada vez mais áreas arborizadas. Todavia, este facto não pode servir de argumento para justificar o licenciamento de negócios de queima de arvoredo, viabilizados pela existência de generosos fundos públicos.


Com efeito, tem sido em governos liderados pelo Partido Socialista (PS) que mais tem aumentado a pressão sobre o arvoredo, em particular sobre o arvoredo de espécies autóctones.


Os cidadãos questionam-se cada vez mais sobre o porquê do abate de arvoredo em geral, desde os ocorridos em Áreas Protegidas, nas bermas das estradas ou nos arruamentos urbanos. O facto é que tem sido sob a gestão do PS que múltiplos licenciados têm sido atribuídos a fábricas de produção de pellets de madeira, sobretudo para exportação, a pequenas e médias centrais de queima de biomassa para energia, até à substituição de caldeiras fabris a combustíveis fósseis por caldeiras que queimam arvoredo em unidades industriais das celuloses. Assim foi em 2006 e de novo desde 2016.


Neste aumento de pressão há a evidenciar um dado caricato. De acordo com um relatório publicado em outubro de 2021, o nosso país é o quarto maior fornecedor de pellets de madeira à central termoelétrica de Drax, no Reino Unido, logo após os fornecimento oriundos da Rússia, dos Estados Unidos e do Canadá.


Às perguntas dos cidadãos sobre os motivos de tamanha dendroclasta acena-se com o perigo de incêndio. Todavia, o perigo de incêndio está sobretudo nos comportamentos e depois nas extensas manchas de monoculturas arbóreas. O facto é que existe hoje em Portugal, e há sinais de que irá ainda aumentar, um sobredimensionamento da capacidade industrial instalada, desde a tradicional indústria florestal à indústria da bioenergia, está muito apadrinhada pela governação do PS. A esta última, os incêndios constituem uma barata oportunidade de abastecimento. Menor valor de aquisição, menos teor de humidade.


Portugal não tem hoje disponíveis “resíduos florestais” para alimentar o sector das lenhas, do fabrico de pellets, das centrais termelétricas a biomassa, muito menos das recentes conversões de caldeiras a gás natural por caldeiras a biomassa. Por esse motivo, vemos cada vez uma necessidade de queima de troncos. Nem os troncos de árvores do Estado, localizadas em Áreas Protegidas estão a salvo. Aliás, instituto públicos surgem como instrumentos facilitadores, diretos ou indiretos, no abastecimento de material lenhoso autóctone, essencialmente de troncos, ao sector da bioenergia. Lista-se aqui o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e as Infraestruturas de Portugal (IP).


Esta enorme pressão sobre o arvoredo contrasta paradoxalmente com a importância que se atribui ao arvoredo de espécies autóctones para a adaptação e mitigação das alterações climáticas ou no combate à perda de biodiversidade, enunciada em documentação oficial. Puro embuste, o negócio com esse arvoredo sobrepõe-se.


Acresce que a queima de arvoredo constitui um retrocesso civilizacional, de recarbonização e de aumento da poluição atmosférica, com forte impacto na saúde pública.


Não se pretende com este artigo entrar na presente pré-campanha eleitoral, nem ser exaustivo sobre a importância das árvores. Todavia, há que deixar claro aos cidadãos qual o caminho que se pretende vir a trilhar: continuar a aumentar a pressão sobre o arvoredo autóctone; ou valorizá-lo na luta contra a crise climática, contra o avanço da desertificação, pela proteção dos solos e na regularização dos regimes hídricos, e contra a perda de biodiversidade. Os dois caminhos não são hoje compatíveis.


por Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor


terça-feira, 2 de janeiro de 2024

As celuloses queimam árvores autóctones do Estado


Têm sido recorrentes os anúncios de investimentos “verdes” por parte das empresas de celulose, produtoras também de eletricidade, na substituição das suas caldeiras a gás natural, um combustível fóssil, por caldeiras a biomassa, especificamente pela queima de material lenhoso.


Os investimentos anunciados como “verdes”, de “descarbonização”, “carbono zero”, em “energias renováveis”, ou com o prefixo “bio”, de bioenergia, biocombustíveis, biometano, bioprodutos ou bioeconomia, são cada vez mais motivo para fortes suspeitas quanto às verdadeiras intenções. Há que os analisar à lupa! Uma dessas intenções passa pelo recurso a generosas fontes de financiamento público. 

As políticas europeia e nacional, através da atribuição de subsídios e da aplicação de taxas ao consumo de eletricidade, favorecem operações de queima de madeira, de troncos de árvores, para a produção de energia,. Explicado de forma simples, os contribuintes e consumidores viabilizam um negócio com rótulo “verde”, que em mercado não intervencionado pelos orçamentos públicos seria ruinoso.

Os cientistas apontam a produção de energia a partir da combustão de biomassa, essencialmente de madeira e de cereais, como geradora de fortes impactos na biodiversidade, nos solos e recursos hídrico, no acréscimo de emissões de gases com efeito estufa e de poluição atmosférica, para além de, em certos países e quanto à queima de cereais, providenciarem o aumento da dependência alimentar externa.

Um relatório do Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia (JRC, na sigla em inglês), aponta para os riscos associados à queima de biomassa para energia. Para além das emissões de gases de efeito estufa associados, o acréscimo de poluição atmosférica por essa queima também é registada, associada, entre outros, a  monóxido e dióxido de carbono, aos óxidos nitrosos e ao material particulado, todos com impacto no agravamento das condições de saúde cardiorrespiratória das populações.

Por cá, a  justificação dos “benefícios” da queima de material lenhoso face ao perigo de incêndios florestais proporciona leitura oposta. Aos que afirmam que reduz o perigo, há a leitura mais realista de que potencia esse perigo. Ou seja, os ardidos têm custo substancialmente mais baixo de aquisição e menor teor de humidade, fatores que favorecem o negócio da bioenergia.

Um estudo disponibilizado no início deste ano, relativo a Portugal, apontava as celuloses como dominantes na produção de eletricidade a partir da queima de biomassa. O mesmo apontava para a escassez de sobrantes da silvicultura e exploração florestal, abusivamente designados “resíduos florestais”, o que levanta a necessidade potencial da queima de troncos. Nestes últimos incorporam-se a queima de troncos de árvores de espécies autóctones, aquelas que, no seu conjunto, registam maior decréscimo em área no território nacional.


A confirmação da utilização de arvoredo autóctone para queima nas celuloses, não se vê outra que não para produção de energia, é dada pela consulta de documentação relativa à madeira de pinheiro manso extraída no final de 2021 da Mata Nacional dos Medos, em Almada. Nessa documentação, foram inscritas 3.000 toneladas de material lenhoso de pinheiro manso com destino a uma unidade de abastecimento de uma celulose situada no concelho de Setúbal. Os motivos para a extração dessa madeira de pinheiro manso a partir desta área Património do Estado permanecem sob suspeita.

Em todo o caso, o valor acima inscrito tem forte probabilidade de ser uma mínima fração da madeira de espécies autóctones, presume-se que essencialmente de propriedade privada, utilizada pelas celuloses para as suas novas caldeiras de carbonização. Para além destas unidades, há no país uma miríade de outras médias e pequenas centrais a biomassa, para além de unidades de produção de pellets de madeira (para queima posterior), estas essencialmente para exportação. Esperamos que haja árvores autóctones que fiquem em pé neste país. Afinal, precisamos delas face aos riscos associados às alterações climáticas.


Por Paulo Pimenta de Castro

(original no Público Azul, em 25 de dezembro de 2023)