Entre 2013 e 2022 arderam em Portugal mais de um milhão, duzentos e quarenta mil hectares, a uma média anual de 124 mil hectares, ultrapassando em muito a meta prevista na Estratégia Nacional para as Florestas, dos quais cerca de 51% ocorrida em área de povoamento florestal. Em 2023, embora a área ardida tenha ficado aquém da média anual da última década, a percentagem ardida em povoamento florestal atingiu os 56%, com forte proporção em regiões de produção lenhosa, como foi o caso dos incêndios de Castelo Branco - Proença-a-Nova e de Odemira. Ou seja, acentua-se o perigo na ocupação em povoamento florestal face às áreas dos mal-afamados matos, de pastagens e de ocupação agrícola.
Apesar da oscilação anual da área ardida total, onde Portugal registou as maiores áreas ardidas absolutas na União Europeia em três anos consecutivos, 2016, 2017 e 2018 [em 2022, segundo o relatório anual do Serviços Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS), registámos a segunda maior área ardida na UE], o que se pretende aqui realçar é a evolução ao nível dos comportamentos, já que na ocupação do território e no clima os benefícios ou malefícios da respetiva alteração tendem a evidencuar-se de forma mais lenta.
Entre 1 de janeiro e 15 de outubro do ano passado, foram registados 7.635 incêndios. Foram investigados e tiveram o processo de averiguação de causas concluído 6.498 incêndios (85% do total de incêndios - responsáveis por 94% do total da área ardida). Foram atribuídas causas a 4.519 incêndios (70% dos incêndios investigados - responsáveis por 67% da área total ardida).
Debrucemo-nos então sobre as causas apuradas em 2023. Do seu total, 2% foram atribuídas a causas naturais, à queda de raios, em linha com a percentagem média registada na última década (2013/2022). Ao longo da última década, o valor percentual variou entre 1 e 2%. Ou seja, em 98% das ocorrências há presença humana.
A acidentes, pelo uso de maquinaria e associdos à rede de transportes e de comunicações, foram atribuídas 12% das causas apuradas em 2023, quatro pontos percentuais acima da percentagem média registada na última década. O impacto é mais acentuado na associação à rede de transportes e de comunicações. Ou seja, neste tipo de causas assiste-se a um agravamento em 2023 face à média da década anterior!
Já às causas atribuídas ao uso do fogo, pela realização de queimas e queimadas e a fogueiras, o valor percentual de causas apuradas em 2023 foi de 40%, o mesmo que foi registado na média da última década. Aqui, o destaque foi para as queimadas extensivas de sobrantes florestais e agrícolas. Ou seja, estamos aqui perante um impasse! Todas as campanhas, avisos e legislação produzida ao longo da última década não surtiram efeito. Foi todo um esforço em recursos, designadamente financeiros, sem nenhum retorno. Qual o acréscimo introduzido pelo instituto público de gestão integrada de incêndios criado em 2018?
No que respeita ao incendiarismo, em 2023 foram atribuídas 28% das causas apuradas, com um valor médio na última década de 29%. Na verdade, também aqui o resultado do esforço entretanto propagandeado não produziu efeitos positivos. A tendência registada ao longo da década, face a este crime, é nula.
Quanto a reacendimentos, de facto houve uma aparente melhoria, dos 5% em 2023 face aos 13% do valor médio da última década. O valor máximo de 20% foi registado em 2013 e o valor mínimo de 4% em 2021. Em todo o caso, a verificar-se uma tendência de melhoria, esta deve-se à estratégia e ao esforço das forças envolvidas no combate.
Por fim, de acordo com o relatório divulgado pela autoridade florestal nacional a meados de outubro, nas outras causas apuradas em 2023 o valor foi de 13% face aos 6% registados como valor médio da última década. Uma duplicação.
Pelos dados apresentados, as situações de impasse e de agravamento em 2023, face à última década, ocorreram em causas apuradas atribuíveis a comportamentos. Ora, é no domínio dos comportamentos que de forma mais célere se pode fazer reduzir a área ardida em Portugal. Reforça-se assim a certeza de que a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I.P. (AGIF), criada em 2018, apesar da despesa pública associada, não serve outros interesses que não os servir de plataforma às portas giratórias entre as empresas de celulose e os decisores políticos. Nem na vertente mais fácil de induzir redução no perigo de incêndio em Portugal, nos comportamentos, consegue justificar a sua existência.
Na governação, as “limpezas” impostas pela lei em nada contribuíram para a redução dos comportamentos de risco, bem como para a saída de Portugal do pódio da área ardida absoluta entre os Estados Membros da União Europeia. Servem apenas para desresponsabilização política, para alimentar os negócios de recarbonização associados à designada bioenergia e para fazer expandir as espécies invasoras lenhosas.
Os governos ao longo da última década falharam redondamente na diminuição do perigo dos incêndios florestais em Portugal. Estes têm reflexos em emissões e poluição para a atmosfera, com impacto nefasto na saúde pública.
(publicação original no suplemento Azul do Jornal Público, a 11 de fevereiro de 2024)