segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Incêndios florestais: que ganhos na prevenção em 2023?

 

Entre 2013 e 2022 arderam em Portugal mais de um milhão, duzentos e quarenta mil hectares, a uma média anual de 124 mil hectares, ultrapassando em muito a meta prevista na Estratégia Nacional para as Florestas, dos quais cerca de 51% ocorrida em área de povoamento florestal. Em 2023, embora a área ardida tenha ficado aquém da média anual da última década, a percentagem ardida em povoamento florestal atingiu os 56%, com forte proporção em regiões de produção lenhosa, como foi o caso dos incêndios de Castelo Branco - Proença-a-Nova e de Odemira. Ou seja, acentua-se o perigo na ocupação em povoamento florestal face às áreas dos mal-afamados matos, de pastagens e de ocupação agrícola.

Apesar da oscilação anual da área ardida total, onde Portugal registou as maiores áreas ardidas absolutas na União Europeia em três anos consecutivos, 2016, 2017 e 2018 [em 2022, segundo o relatório anual do Serviços Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS), registámos a segunda maior área ardida na UE], o que se pretende aqui realçar é a evolução ao nível dos comportamentos, já que na ocupação do território e no clima os benefícios ou malefícios da respetiva alteração tendem a evidencuar-se de forma mais lenta.



Assim, no que respeita aos comportamentos há que analisar os mais recentes dados, disponibilizados pela autoridade florestal nacional sobre esta vertente.

Entre 1 de janeiro e 15 de outubro do ano passado, foram registados 7.635 incêndios. Foram investigados e tiveram o processo de averiguação de causas concluído 6.498 incêndios (85% do total de incêndios - responsáveis por 94% do total da área ardida). Foram atribuídas causas a 4.519 incêndios (70% dos incêndios investigados - responsáveis por 67% da área total ardida).

Debrucemo-nos então sobre as causas apuradas em 2023. Do seu total, 2% foram atribuídas a causas naturais, à queda de raios, em linha com a percentagem média registada na última década (2013/2022). Ao longo da última década, o valor percentual variou entre 1 e 2%. Ou seja, em 98% das ocorrências há presença humana.

A acidentes, pelo uso de maquinaria e associdos à rede de transportes e de comunicações, foram atribuídas 12% das causas apuradas em 2023, quatro pontos percentuais acima da percentagem média registada na última década. O impacto é mais acentuado na associação à rede de transportes e de comunicações. Ou seja, neste tipo de causas assiste-se a um agravamento em 2023 face à média da década anterior!

Já às causas atribuídas ao uso do fogo, pela realização de queimas e queimadas e a fogueiras, o valor percentual de causas apuradas em 2023 foi de 40%, o mesmo que foi registado na média da última década. Aqui, o destaque foi para as queimadas extensivas de sobrantes florestais e agrícolas. Ou seja, estamos aqui perante um impasse! Todas as campanhas, avisos e legislação produzida ao longo da última década não surtiram efeito. Foi todo um esforço em recursos, designadamente financeiros, sem nenhum retorno. Qual o acréscimo introduzido pelo instituto público de gestão integrada de incêndios criado em 2018?

No que respeita ao incendiarismo, em 2023 foram atribuídas 28% das causas apuradas, com um valor médio na última década de 29%. Na verdade, também aqui o resultado do esforço entretanto propagandeado não produziu efeitos positivos. A tendência registada ao longo da década, face a este crime, é nula.

Quanto a reacendimentos, de facto houve uma aparente melhoria, dos 5% em 2023 face aos 13% do valor médio da última década. O valor máximo de 20% foi registado em 2013 e o valor mínimo de 4% em 2021. Em todo o caso, a verificar-se uma tendência de melhoria, esta deve-se à estratégia e ao esforço das forças envolvidas no combate.

Por fim, de acordo com o relatório divulgado pela autoridade florestal nacional a meados de outubro, nas outras causas apuradas em 2023 o valor foi de 13% face aos 6% registados como valor médio da última década. Uma duplicação.

Pelos dados apresentados, as situações de impasse e de agravamento em 2023, face à última década, ocorreram em causas apuradas atribuíveis a comportamentos. Ora, é no domínio dos comportamentos que de forma mais célere se pode fazer reduzir a área ardida em Portugal. Reforça-se assim a certeza de que a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, I.P. (AGIF), criada em 2018, apesar da despesa pública associada, não serve outros interesses que não os servir de plataforma às portas giratórias entre as empresas de celulose e os decisores políticos. Nem na vertente mais fácil de induzir redução no perigo de incêndio em Portugal, nos comportamentos, consegue justificar a sua existência.

Na governação, as “limpezas” impostas pela lei em nada contribuíram para a redução dos comportamentos de risco, bem como para a saída de Portugal do pódio da área ardida absoluta entre os Estados Membros da União Europeia. Servem apenas para desresponsabilização política, para alimentar os negócios de recarbonização associados à designada bioenergia e para fazer expandir as espécies invasoras lenhosas.

Os governos ao longo da última década falharam redondamente na diminuição do perigo dos incêndios florestais em Portugal. Estes têm reflexos em emissões e poluição para a atmosfera, com impacto nefasto na saúde pública.


Por Paulo Pimenta de Castro
(publicação original no suplemento Azul do Jornal Público, a 11 de fevereiro de 2024)

domingo, 7 de janeiro de 2024

O PS tem um problema com as árvores e nós com a falta delas



Na verdade, a análise global dos dados sobre desflorestação, evolução do coberto arbóreo, perda de áreas naturais e seminaturais, revelam um problema do regime democrático português para com o arvoredo, em particular com o arvoredo de espécies autóctones. Todavia, nas últimas cinco décadas há legislaturas com maiores perdas e com maior pressão sobre o arvoredo.


Já evidenciado antes, de acordo com dados da OCDE, Portugal regista a segunda maior perda relativa na União Europeia, de áreas naturais e seminaturais desde 1992, ano da Conferência do Rio.


Também já evidenciado antes, Portugal registou uma situação ímpar, no espaço europeu, de desflorestação. Os números oficiais variam entre um quarto de milhão de hectares reportados ao período entre 1990 e 2010, identificados em documentação de organismos das Nações Unidas, ou de cento e cinquenta mil hectares registados entre 1995 e 2010, visível em números dos Inventários Florestais Nacionais. Com efeito, o último Inventário regista um ganho de 60 mil hectares ocorridos entre 2010 e 2015. Sabe-se que tal ganho ocorreu maioritariamente com uma espécie exótica e invasora pós-incêndio. O facto é que os ganhos em termos de coberto arbóreo autóctone são pífios face à perda registada. Após 2015 sabemos pouco e pouco saberemos até ao final da década, estando o próximo Inventário Florestal Nacional previsto apenas para 2025 


Também temos registos de que Portugal é, em termos relativos e absolutos, o Estado Membro da União Europeia que regista as maiores áreas ardidas, cada vez mais áreas arborizadas. Todavia, este facto não pode servir de argumento para justificar o licenciamento de negócios de queima de arvoredo, viabilizados pela existência de generosos fundos públicos.


Com efeito, tem sido em governos liderados pelo Partido Socialista (PS) que mais tem aumentado a pressão sobre o arvoredo, em particular sobre o arvoredo de espécies autóctones.


Os cidadãos questionam-se cada vez mais sobre o porquê do abate de arvoredo em geral, desde os ocorridos em Áreas Protegidas, nas bermas das estradas ou nos arruamentos urbanos. O facto é que tem sido sob a gestão do PS que múltiplos licenciados têm sido atribuídos a fábricas de produção de pellets de madeira, sobretudo para exportação, a pequenas e médias centrais de queima de biomassa para energia, até à substituição de caldeiras fabris a combustíveis fósseis por caldeiras que queimam arvoredo em unidades industriais das celuloses. Assim foi em 2006 e de novo desde 2016.


Neste aumento de pressão há a evidenciar um dado caricato. De acordo com um relatório publicado em outubro de 2021, o nosso país é o quarto maior fornecedor de pellets de madeira à central termoelétrica de Drax, no Reino Unido, logo após os fornecimento oriundos da Rússia, dos Estados Unidos e do Canadá.


Às perguntas dos cidadãos sobre os motivos de tamanha dendroclasta acena-se com o perigo de incêndio. Todavia, o perigo de incêndio está sobretudo nos comportamentos e depois nas extensas manchas de monoculturas arbóreas. O facto é que existe hoje em Portugal, e há sinais de que irá ainda aumentar, um sobredimensionamento da capacidade industrial instalada, desde a tradicional indústria florestal à indústria da bioenergia, está muito apadrinhada pela governação do PS. A esta última, os incêndios constituem uma barata oportunidade de abastecimento. Menor valor de aquisição, menos teor de humidade.


Portugal não tem hoje disponíveis “resíduos florestais” para alimentar o sector das lenhas, do fabrico de pellets, das centrais termelétricas a biomassa, muito menos das recentes conversões de caldeiras a gás natural por caldeiras a biomassa. Por esse motivo, vemos cada vez uma necessidade de queima de troncos. Nem os troncos de árvores do Estado, localizadas em Áreas Protegidas estão a salvo. Aliás, instituto públicos surgem como instrumentos facilitadores, diretos ou indiretos, no abastecimento de material lenhoso autóctone, essencialmente de troncos, ao sector da bioenergia. Lista-se aqui o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e as Infraestruturas de Portugal (IP).


Esta enorme pressão sobre o arvoredo contrasta paradoxalmente com a importância que se atribui ao arvoredo de espécies autóctones para a adaptação e mitigação das alterações climáticas ou no combate à perda de biodiversidade, enunciada em documentação oficial. Puro embuste, o negócio com esse arvoredo sobrepõe-se.


Acresce que a queima de arvoredo constitui um retrocesso civilizacional, de recarbonização e de aumento da poluição atmosférica, com forte impacto na saúde pública.


Não se pretende com este artigo entrar na presente pré-campanha eleitoral, nem ser exaustivo sobre a importância das árvores. Todavia, há que deixar claro aos cidadãos qual o caminho que se pretende vir a trilhar: continuar a aumentar a pressão sobre o arvoredo autóctone; ou valorizá-lo na luta contra a crise climática, contra o avanço da desertificação, pela proteção dos solos e na regularização dos regimes hídricos, e contra a perda de biodiversidade. Os dois caminhos não são hoje compatíveis.


por Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor


terça-feira, 2 de janeiro de 2024

As celuloses queimam árvores autóctones do Estado


Têm sido recorrentes os anúncios de investimentos “verdes” por parte das empresas de celulose, produtoras também de eletricidade, na substituição das suas caldeiras a gás natural, um combustível fóssil, por caldeiras a biomassa, especificamente pela queima de material lenhoso.


Os investimentos anunciados como “verdes”, de “descarbonização”, “carbono zero”, em “energias renováveis”, ou com o prefixo “bio”, de bioenergia, biocombustíveis, biometano, bioprodutos ou bioeconomia, são cada vez mais motivo para fortes suspeitas quanto às verdadeiras intenções. Há que os analisar à lupa! Uma dessas intenções passa pelo recurso a generosas fontes de financiamento público. 

As políticas europeia e nacional, através da atribuição de subsídios e da aplicação de taxas ao consumo de eletricidade, favorecem operações de queima de madeira, de troncos de árvores, para a produção de energia,. Explicado de forma simples, os contribuintes e consumidores viabilizam um negócio com rótulo “verde”, que em mercado não intervencionado pelos orçamentos públicos seria ruinoso.

Os cientistas apontam a produção de energia a partir da combustão de biomassa, essencialmente de madeira e de cereais, como geradora de fortes impactos na biodiversidade, nos solos e recursos hídrico, no acréscimo de emissões de gases com efeito estufa e de poluição atmosférica, para além de, em certos países e quanto à queima de cereais, providenciarem o aumento da dependência alimentar externa.

Um relatório do Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia (JRC, na sigla em inglês), aponta para os riscos associados à queima de biomassa para energia. Para além das emissões de gases de efeito estufa associados, o acréscimo de poluição atmosférica por essa queima também é registada, associada, entre outros, a  monóxido e dióxido de carbono, aos óxidos nitrosos e ao material particulado, todos com impacto no agravamento das condições de saúde cardiorrespiratória das populações.

Por cá, a  justificação dos “benefícios” da queima de material lenhoso face ao perigo de incêndios florestais proporciona leitura oposta. Aos que afirmam que reduz o perigo, há a leitura mais realista de que potencia esse perigo. Ou seja, os ardidos têm custo substancialmente mais baixo de aquisição e menor teor de humidade, fatores que favorecem o negócio da bioenergia.

Um estudo disponibilizado no início deste ano, relativo a Portugal, apontava as celuloses como dominantes na produção de eletricidade a partir da queima de biomassa. O mesmo apontava para a escassez de sobrantes da silvicultura e exploração florestal, abusivamente designados “resíduos florestais”, o que levanta a necessidade potencial da queima de troncos. Nestes últimos incorporam-se a queima de troncos de árvores de espécies autóctones, aquelas que, no seu conjunto, registam maior decréscimo em área no território nacional.


A confirmação da utilização de arvoredo autóctone para queima nas celuloses, não se vê outra que não para produção de energia, é dada pela consulta de documentação relativa à madeira de pinheiro manso extraída no final de 2021 da Mata Nacional dos Medos, em Almada. Nessa documentação, foram inscritas 3.000 toneladas de material lenhoso de pinheiro manso com destino a uma unidade de abastecimento de uma celulose situada no concelho de Setúbal. Os motivos para a extração dessa madeira de pinheiro manso a partir desta área Património do Estado permanecem sob suspeita.

Em todo o caso, o valor acima inscrito tem forte probabilidade de ser uma mínima fração da madeira de espécies autóctones, presume-se que essencialmente de propriedade privada, utilizada pelas celuloses para as suas novas caldeiras de carbonização. Para além destas unidades, há no país uma miríade de outras médias e pequenas centrais a biomassa, para além de unidades de produção de pellets de madeira (para queima posterior), estas essencialmente para exportação. Esperamos que haja árvores autóctones que fiquem em pé neste país. Afinal, precisamos delas face aos riscos associados às alterações climáticas.


Por Paulo Pimenta de Castro

(original no Público Azul, em 25 de dezembro de 2023)

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

António Costa e as florestas

Numa sucinta retrospectiva sobre o papel do governante António Costa em matéria de política florestal, iniciemos pelo período em que assumiu o cargo de ministro da Administração Interna, de 2005 e 2007. Nesse período teve responsabilidade no desmantelamento do corpo de guardas e mestres florestais. As ações de fiscalização, embora não constituíssem a atribuição única desta força, incomodam alguns negócios. Esse desmantelamento ocorreu em clara violação do disposto a propósito na Lei de Bases da Política Florestal. Mas, o que é que isso interessa? Essa Lei está claramente caduca, atentos aos inúmeros atropelos de que tem sido vítima. Aliás, na altura da sua aprovação, em 1996, argumentava-se que o facto de ter sido por unanimidade resultaria de uma de duas circunstâncias: dos partidos políticos com assento parlamentar à época terem considerado as florestas como um desígnio nacional; ou, pelo contrário, do objeto da lei não merecer por parte da maioria destes a importância para criar quezílias político-partidárias. Passado mais de um quarto de século, constata-se globalmente ter vingado a segunda.



Mata Nacional de Leiria, a 22 de outubro de 2017

Já assumido o cargo de primeiro ministro, desde finais de 2015, os factos até agora registados evidenciam os efeitos devastadores da sua governação:

  • Persistiu a tendência crescente da área ardida em Portugal. Todavia, ao contrário do que até então se registrava, as áreas ardidas em designados povoamentos florestais superaram consecutivamente as áreas ardidas com outras ocupações, nomeadamente, matos e pastagens. Curiosamente, foi alterada a designação de incêndios florestais por “incêndios rurais”. Mero engodo! É hoje claramente majoritária a incidência em espaços tidos como florestais (plantações incluídas).

  • Pela primeira vez, em três anos consecutivos, Portugal registou a maior área ardida absoluta na União Europeia. Este nefasto primeiro lugar no pódio já tinha sido registado antes, nunca em dois anos consecutivos, muito menos em três (2016, 2017, 2018). Igualmente, nunca havia sido registrado, num só ano, um tão horrível número de vítimas mortais. Mais de uma centena, em 2017.

  • As “medidas” posteriores, assumidas a pretexto da prevenção de incêndios florestais, constituíram tão só um ato de desresponsabilização política e de dissipação de responsabilidades por centenas de milhares de famílias enquanto proprietárias em espaço rural. Facto é que tais “medidas”, no que respeita a faixas de gestão de combustíveis, como ainda em vigor, tiveram um contributo determinante para a expansão pelo território de espécies lenhosas invasoras, com acrescido perigo em futuros incêndios florestais.

  • No plano económico, de acordo com os dados até agora disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, a partir de 2016 voltou a registar-se uma queda no valor acrescentado bruto (VAB) da silvicultura face ao valor acrescentado bruto nacional. Se entre 2009 e 2015 se evidenciou uma muito ligeira subida, após o descalabro ocorrido desde o ano 2000, atualmente o rácio retrocedeu ao valor de 2008.

  • Ainda no plano económico, constata-se um acréscimo percentual na produção de madeira para triturar, associada a produtos de menor valor acrescentado, bem como de menor ciclo de vida, ou seja, de mais curto período de sequestro do carbono antes armazenado pelas árvores. Assim é com o papel e com as pellets de madeira, por exemplo. Se no período 2000-2004 a produção de madeira para triturar representava 27% da produção florestal mensurada, em 2021 os dados provisórios do INE apontam para 41%. Ou seja, a silvicultura gera hoje menos valor e os bens que são produzidos devolvem mais rapidamente à atmosfera o carbono antes sequestrado no crescimento do arvoredo. Pelo contrário, tem-se assistido a um preocupante decréscimo na produção de cortiça e a um sector de produção de madeira para serração muito dependente de importações. Estes últimos, para além de gerarem bens de maior valor acrescentado, estão ainda associados a bens de ciclo longo de sequestro de carbono.

  • Nos últimos oito anos a pressão sobre o arvoredo aumentou significativamente, associado a negócios rotulados como “verdes”. Desde 2016 foi registado um nível de licenciamentos industriais, sobretudo no sector energético, que, irresponsavelmente, tem vindo a criar um forte impacto sobre o coberto arbóreo. A pressão do sector energético, para queima directa, produção de pellets de madeira e de lenhas, tem dizimado sobretudo arvoredo de espécies autóctones, já de si vítimas, com raras exceções, de significativa contração de área no nosso país. Nem as Matas Nacionais, nem as árvores urbanas estiveram a salvo desta pressão. Apesar da tendência crescente da área ardida em povoamentos florestais e do aumento desta pressão para a produção de energia, que crescem em simultâneo, foi assumida a decisão de apenas realizar o próximo Inventário Florestal Nacional em 2025. Ou seja, só deste conheceremos os danos. Que conveniente!

  • Associado aos espaços florestais, ao nível da política de conservação da natureza, a governação tem apostado em baloiços, passadiços e num modelo de cogestão de áreas protegidas. Infelizmente, a conservação da natureza não é compatível com o aumento da pressão humana nestas áreas. Se desde 1992, segundo a OCDE, Portugal é o segundo país da União Europeia em termos de perda relativa de áreas naturais, dificilmente será de esperar que os governos liderados por António Costa tenham contribuído para inverter essa perda. Muito pelo contrário!

  • Em matéria de ocupação do território por plantações de eucalipto, as medidas de política ou a sua ausência falam por si. Depois de um propagandeado ataque à “lei da liberalização dos eucaliptos”, do tempo de Assunção Cristas, o facto é que no consulado de Capoulas Santos foi “licenciada” maior expansão de área destas plantações do que no tempo da sua antecessora. Isto, no que respeita a novas plantações autorizadas no âmbito dessa “lei da liberalização dos eucaliptos”. A paragem nessa expansão legal só foi interrompida após os incêndios de 2017. Certo é que perante o elevado défice de fiscalização, voltamos ao desmantelamento do corpo de guardas e mestres florestais, a expansão ilegal com esta espécie exótica e invasora pós-incêndio pulula por este país. Já no consulado de Matos Fernandes foram alterados os limites máximos das áreas de plantações de eucalipto por concelho. Ou seja, a indústria papeleira, hoje com forte presença no sector energético, tem vivido dias felizes sob a governação de António Costa.

É difícil, senão impossível, apontar algo de positivo em matéria de política florestal na presença ou chefia de governos pelo doutor António Costa. Bom, foram produzidos muitos planos, uns sobre os outros, ao sabor da mudança de secretários de Estado e de ministros.

Vejamos agora o que nos trará o pós 10 de março. Certo é que temos hoje um vasto território ao abandono, onde o perigo para as populações humanas aumentou significativamente, onde a perda de biodiversidade se acentuou, bem como a perda de solos, onde a seca tem sido uma constante, a par do aumento da pressão para o corte do arvoredo autóctone. Nesta situação, não se agoira um futuro próspero face às várias crises já em curso e as anunciadas.


Por Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor
Artigo original publicado no suplemento Azul do jornal Público a 24 de novembro de 2023.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Incêndios florestais: para que nos serve a AGIF?


De acordo com os dados provisórios, divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), até ao dia 15 de setembro foram registadas 7.097 ocorrências, resultando numa área ardida total de 33.003 hectares, dos quais 18.904 hectares ocorreram em povoamento florestal, correspondentes a 57,3% da área ardida total, 11.967 hectares foram registados em áreas de matos (36,3%) e 2.132 hectares em área agrícola (6,5%).


Estes registos de 2023 representam um acréscimo de mais de 239 ocorrências face aos dados provisórios a 15 de setembro de 2021, com mais 10.856 hectares ardidos em povoamento florestal. Ou seja, os valores provisórios de área ardida em povoamento florestal registados em 2023 superam a superfície do concelho de Lisboa, quando comparados com os valores de 2021. As diferenças são ainda superiores quando comparadas com os dados registados em 2014, em área ardida total e em povoamento florestal, apesar do menor número de ignições registadas em 2023. Podendo ser apontado com um “sucesso” político a campanha de 2023 face a 2022, o facto é que esse “sucesso” é pontual, fundamentalmente devido às condições meteorológicas. Não há “sucesso” quando comparado com 2021. É bom ter isso presente, para não haver surpresas em anos futuros.


Não se entende, face aos dados apontados, qual a vantagem da criação de mais um organismo público, especificamente para os incêndios florestais, estes últimos uma consequência de causas que o país não consegue atenuar e que se vêm agravando e irão agravar ainda mais face às alterações climáticas.


Esse novo organismo, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), surge logo com um equívoco. Nos últimos anos tem ardido significativamente mais área de povoamento florestal do que de outras ocupações. Ou seja, a nova designação “rural” é cada vez mais “florestal”. Aliás, “florestal” é a designação utilizada pelos organismos da União Europeia. Por cá criou-se um embuste! Com que interesse?


Para além do equívoco, o que surge no plano mediático foi o ataque fora de época e desqualificado a cerca de metade dos efetivos dos meios de combate aos incêndios florestais, constituída pelos bombeiros. Curiosamente, esse ataque tem na base legislação aprovada aquando da maioria parlamentar PSD/CDS. Já lá vão quase oito anos de governação do PS. Discordando, não houve tempo para alterar essa legislação? Há vontade da atual maioria parlamentar em proceder a essa alteração ou essa é uma quimera do responsável máximo da AGIF? O que há a salientar é o ataque extemporâneo aos bombeiros. O mês de julho não se revela o mais indicado. Já o local parece ser inadequado numa primeira fase, mais ainda por parte de um responsável da Administração Pública. Talvez evidenciar uma proposta de alteração à lei devesse ocorrer no seio da tutela direta. Talvez devesse ser um membro do governo a despoletar essa eventual vontade junto do Parlamento, não um dirigente da Administração. Mas, parece que o governo tem dificuldade em controlar os ímpetos dos dirigentes da Administração. Este não foi caso único!


(Foto: RTP)

Mas, o que tem produzido a AGIF? Planos, com múltiplos objetivos e uma chusma de metas.  Desde 1998 que se assiste a este paradigma, logo com o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 27/99, de 8 de abril. Antes ainda com a Lei de Bases da Política Florestal, Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, aprovada por unanimidade pela Assembleia da República. Entre outros, temos ainda em vigor a Estratégia Nacional para as Florestas, de 2007 e atualizada em 2015 pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, de 4 de fevereiro. Todos planos de “boas intenções”, com objetivos louváveis, múltiplas metas, constantes incumprimentos. De projetos piloto não reza a história.


No final, vai vingando a vontade em expandir a área de plantações de eucalipto, cuja indústria tem sido a maior privilegiada com os insucessos da política florestal em Portugal. Aliás, a própria existência da AGIF pode-se entender no âmbito das portas giratórias existentes entre as governações e as celuloses. O atual responsável da AGIF é um protagonista chave dessas portas giratórias, conforme descrito, entre outros, no livro “Portugal em Chamas - Como Resgatar as Florestas”, com pré-publicação pelo Público.



Por Paulo Pimenta de Castro


Publicado no suplemento Azul do jornal Público a 2 de outubro de 2023