sexta-feira, 16 de outubro de 2020

O Pinhal do Rei

 3 anos depois do dia 15 de outubro


Passaram três anos do maior incêndio da Mata Nacional de Leiria (MNL), de que há memória, e apesar da necessária remoção dos pinheiros ardidos para a posterior recuperação do Pinhal, persistem talhões com madeira queimada por retirar (com material lenhoso de menores dimensões), maciços de espécies invasoras (com Acacia sp.) cada vez mais dispendiosos de controlar, talhões sem regeneração natural por reflorestar, e, áreas ribeirinhas que antes serviam as populações, e o turismo, para recreio e lazer, fortemente descaracterizadas por vegetação exótica com comportamento invasor (Eucalyptus globulus). Nos 3.539ha de zona de proteção, não são visíveis ações de restauro ecológico, ou de monitorização eólica, para além dos problemas fitossanitários identificados.

Relativamente ao modelo de gestão aplicado, tem-se evidenciado, até à data, sobretudo a componente extrativa, através do corte de material lenhoso de maior dimensão: pinheiros ardidos, árvores diversas derrubadas pelo Leslie, pinheiros que secaram devido a pragas e doenças, ou material lenhoso removido (de modo não seletivo) no âmbito da gestão de faixas de combustível. Durante o ano transato, observaram-se ainda ações de extração e trituração de vegetação, com recurso a maquinaria pesada, inclusive em áreas de elevada vulnerabilidade dunar, cujo destino será provavelmente a indústria da biomassa.

Ao nível da reflorestação do Pinhal, os talhões mais jovens (sem regeneração natural) e outros onde esta não ocorreu, somam 45% da área ardida (cerca de 4300ha) que necessita de ser reflorestada. No entanto, o tipo de espécies a privilegiar, e os talhões a intervir com plantações ou sementeiras, estarão ainda a ser definidos no Plano de Recuperação da MNL. Em finais do verão de 2019, registavam-se apenas 1.039ha rearborizados por voluntários, que atualmente exprimem uma reduzida taxa de sucesso em resultado de diversos fatores possíveis: a introdução de plantas provenientes de outros locais, e pouco adaptadas geneticamente  ao meio (no caso do pinheiro-bravo); períodos de plantação tardios; a cada vez menor disponibilidade de água nos solos; e a ausência de manutenção das plantações.

No que se refere à regenerarão natural, já visível nos milhares de pinheiros-bravos germinados e com sucesso vegetativo, ocorrerá apenas em 55% da área ardida (cerca de 5200ha), ou seja, em talhões que eram povoados com pinheiros de maior idade e que deixaram um banco de sementes com potencial regenerativo. Nestas áreas, será contudo necessário definir um plano de intervenção, que venha a garantir a condução da regeneração natural.



Atualmente, sobretudo nos últimos meses, destacam-se as ações de preparação do terreno, em alguns talhões, para plantações e/ou sementeiras, e a divulgação do concurso para a contratação de três técnicos para a Marinha Grande.

E o futuro? Numa época em que as alterações climáticas e as relações ecológicas em acentuado declínio, passaram a constar nas prioridades das agendas internacionais, a minha conceção para o futuro da MNL passa obrigatoriamente pela introdução de novas varáveis, num modelo de gestão florestal que se deseja dinâmico, aberto, pluridisciplinar e agregador.

Acredito que é no debate e construção de ideias que se poderão encontrar as melhores soluções para a recuperação da Mata Nacional mais antiga e emblemática do país, e que a participação dos cidadãos nos processos de decisão será essencial para o desenho sustentável do território e preservação da identidade florestal.

 

Sónia Guerra

Bióloga, Mestre em Ciências das Zonas Costeiras, especialista em flora e habitats da MNL

 

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