Até meados da década
de 90 do século passado, ainda se poderia minimamente argumentar que as
empresas produtoras de pasta celulósica tinham um razoável grau de
responsabilidade social e ambiental. Isto, apresar de uma luta frenética e
irracional pela aquisição de terras, para a instalação de eucalipto onde a
racionalidade muitas vezes inviabilizaria. Apesar de tudo, dispunham de um
considerável grau de investimento em investigação, mas, mais importante do que
isso, em serviços de aconselhamento directo aos seus fornecedores de madeira.
Apesar do desmantelamento da entidade de regulação económica do sector
silvo-industrial, que deu à indústria poder absoluto de manipulação dos
mercados, ainda dispunham de um acordo público de negociação anual do preço à
porta da fábrica com uma confederação de agricultores. Hoje, por omissão do
Estado, gerem o mercado e o país a seu bel-prazer.
Dos cerca de um milhão
de hectares de plantações de eucalipto existentes no país, cerca de dois terços
está ao abandono. Através de uma estratégia de fomento desenfreado da oferta,
para assim manipular o preço de aquisição da rolaria, as celuloses têm em curso
uma, oficialmente autorizada, expansão de área de eucaliptal em modo de “escavação”
contínua. Uma “escavação” do território sem recuperação da área já explorada.
Daqui se explica que no país existam áreas com produções unitárias de eucalipto
acima dos vinte metros cúbicos por hectare e ano, mas a média nacional ande por
uns miseráveis seis metros cúbicos. A aposta é em quantidade, não em qualidade.
Quantidade, permitida pelas governações, que fazem aumentar os riscos no
território (incêndios, pragas e doenças). Argumentam com as exportações. Mas,
se a preocupação for com as exportações, também deveria ser com a exploração da
cultura em qualidade. Não o é, pelo motivo acima referido: manipulação
autorizada do preço à produção. Afinal, o seu grau de auto-abastecimento é
muito baixo.
Anuncia agora uma das
celuloses, através de um meio
de comunicação por si criado e gerido, que quer fomentar a instalação de
eucaliptos (floresta, dizem) em áreas de matos. O argumento é de que os matos
configuram abandono, improdutividade, maior risco. Desmontemos esta
argumentação! Na verdade, os matos podem (e devem) ser geridos, quer para a
produção de bens, por exemplo, para as indústrias farmacêutica e de perfumaria,
quer na produção de serviços, manutenção da biodiversidade, conservação do
solo. Assim haja visão! Já quanto ao risco, o último quinquénio (2016/2020)
regista dados
curiosos. Ao contrário de períodos anteriores, neste último quinquénio as
áreas arborizadas passaram a representar maior peso na área ardida do que as
áreas de matos. Assim, não faz sentido manter o mito de que os matos são factor
de maior risco do que as áreas de produção lenhosa. Para o registo deste último
quinquénio muito contribui a estratégia de “escavação”, de proliferação de uma
epidemia (de eucaliptal abandonado) no território.
A manter-se esta
expansão em modo de “escavação”, o suicídio deste sector é garantido. Afinal, o
contínuo aumento de áreas ao abandono induz risco crescente sobre áreas sob
gestão activa. Um incêndio em curso faz pouca distinção entre eucaliptal gerido
ou ao abandono, mais ainda se for fogo de copas. A proliferação de pragas e
doenças tende igualmente a fazer cada vez menos distinção, potenciada pelos
incêndios. Depois argumentam que terão custos acrescidos com importações de
estilha para celulose. A ocorrer esse futuro acréscimo peso nas importações, o
mesmo não decorrerá de área a menos, mas de significativa área a mais. Um
paradoxo!
Todavia, o que importa
registar é que, ao invés de participar no esforço colectivo de resgate das
áreas de eucaliptal abandonado, quase 700.000 hectares (70 vezes a superfície
de Lisboa), esforço que já está a ser assegurado pelos contribuintes (sejam
proprietários de eucaliptal ou não), as celuloses pretendem fomentar a instalação
de eucaliptos onde o custo é menor, para potenciar maior esforço de resgate no futuro.
De facto, entre arrancar ou aplicar glifosato em eucaliptal abandonado e
preparar o terreno para instalar novo, e apenas preparar o terreno de matos para
essa instalação, percebemos todos que há uma diferença significativa de custos.
Redução de custos privados no imediato, mas aumento de custos públicos no
futuro. O facto é que a “rentabilidade” dos dois a três cortes num eucaliptal,
na grande maioria dos casos, não garante suporte aos encargos com a sua
replantação ou reconversão do solo. Haja contribuintes (nacionais e europeus)
para esse suporte!
Por último, tendo o
Estado, desde Outubro de 2013, passado a validar e a autorizar os investimentos
com eucalipto (e bem), importa referir que essa validação e autorização é
desprovida de análise técnica, financeira, comercial e ambiental (afinal, o
Estado ao serviço das celuloses). Talvez assim se entenda a persistência de uma
miserável produtividade média nacional. Atenção, esta miserável produtividade,
na maior área relativa de eucaliptal do mundo, tem significativos impactes negativos
para a sociedade, seja nos planos ambiental e social, seja no económico.
Impactes que serão potenciados pelas alterações climáticas. Aqui reside, a prazo,
mais um significativo contributo para o nosso suicídio colectivo. Haja
exportações que compensem!
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro silvicultor
Artigo de opinião publicado no jornal Público:
https://www.publico.pt/2020/12/11/opiniao/opiniao/suicidio-celuloses-1942265
Excellent writing! Concerning topic!
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