Tomo
a liberdade de lhe dirigir a presente missiva, tendo em conta algumas das suas
afirmações sobre os incêndios florestais, concretamente as reproduzidas pela
Antena 1, a 9 de setembro último.
Assumo
igualmente a responsabilidade de a tornar pública, com o intuito de dar um
mísero contributo à discussão desta temática, talvez menos apaixonada, mas
seguramente, mais séria.
As citações
abaixo comentadas, correspondem a posições comuns a muitos outros comentadores
em Portugal, e que deveriam ser abordadas em clima mais profissional e
seguramente fora do período estival.
Vejamos
então:
A)
Quando refere “...porque o Estado
também é um grande proprietário”, temos de ter em conta que o Estado
dispõe apenas de 2% da área florestal nacional. Serão razoáveis apenas estes 2%?
Deveria possuir mais território? Gere adequadamente o património público?
Será Um excelente tema de debate futuro!
Não se deve confundir posse com “servidão” ambiental. O Estado impõe
deveres, sem contrapartidas, às centenas de milhares de proprietários privados
envolvidos dentro das fronteiras da Rede Nacional de Áreas Protegidas, da Rede
Natura 2000 ou da Reserva Ecológica Nacional. Mais outro interessante tema para
um debate futuro, associando a estes redutos, por exemplo os dados do INE sobre
a variação populacional (êxodo rural, despovoamento), bem como os associados
aos fenómenos da desertificação.
Igualmente, não pode ser confundida posse com cogestão. Em muitos
milhares de hectares de áreas detidas por comunidades rurais (baldios), o
Estado impõe-se na gestão com uma falta generalizada de eficiência e de
eficácia, privando as populações de uma fonte de rendimento que lhes é hoje
excecionalmente essencial. Aqui outro tema para abordagem.
B)
Para a concretização das operações técnicas
associadas à prevenção de incêndios, é usual a menção de envolvimento "... dos desempregados". Outros comentários alargam ainda o envolvimento a
beneficiários do RSI ou mesmo dos reclusos.
No caso em apreço, importa ter em conta:
- Estes grupos não são homogéneos, designadamente quanto às motivações,
às qualificações e às experiências/competências dos seus integrantes;
- Possuindo as operações de prevenção de incêndios um carácter técnico,
quem custeia a formação destas pessoas para a operacionalização destas ações e
por quantas repetições terá essa formação desempenho prático?
- Formar-se-íam equipas permanentes? Gastar fundos públicos para formar
e obter benefícios por um curto período (p.e., num ano) é facilmente classificado
como despesismo.
C)
Sobre a indústria da pasta
e papel, referiu: "Eu sei que há fundamentalistas que combatem a
política do eucalipto, mas é verdade é que nas terras que têm eucalipto, a
floresta é limpa”.
Importa ter presente que, do total de área florestal ocupada por eucalipto
– estimado em 817 mil hectares – a indústria tem sob sua posse cerca de 156 mil
hectares, ou seja, menos de 20% do total. Toda a restante área de eucaliptal é
detida por centenas de milhares de famílias.
Aqui chegados, duas questões se colocam:
1. É o
eucaliptal na posse das famílias bem gerido?
De facto, existem em Portugal áreas de média e grande propriedade com a
gestão florestal certificada por normativos internacionais. Representam contudo
menos de 15% da área total de eucalipto em Portugal e estão centradas na bacia
do Tejo.
Nas demais áreas detidas pelas famílias, vários estudos apontam para o
aumento do abandono na gestão florestal dos eucaliptais nacionais, situação associada
ao declínio do rendimento empresarial líquido dos produtores, evidente desde 1975.
2. São
as áreas de eucalipto na posse da indústria de pasta e papel bem geridas?
No caso concreto, importa ter presente a suspensão recente da
certificação florestal numa das duas empresas que operam em Portugal, fruto das
não conformidades graves evidenciadas na gestão das áreas florestais sob sua
posse.
No que respeita à outra operadora, temos fortes dúvidas sob a qualidade
da gestão dos seus povoamentos de eucalipto. Tal preocupação já foi transmitida
à entidade que os certificou, designadamente se o processo mencionado como de valorização
agronómica dos resíduos industriais se insere numa adequada estratégia de
fertilização florestal, ou num mecanismo expedito de deposição desses mesmos
resíduos em solos florestais. Aguardamos respostas.
Por outro lado, nesta segunda empresa, embora não associado às áreas de eucalipto,
temos sérias dúvidas sobre a boa aplicação de fundos públicos em ações de
florestação levados a cabo em áreas sob a sua posse ou gestão. Gostaríamos
muito de as poder visitar e de ter acesso aos contratos assumidos com o Estado
Português e com a União Europeia.
Sobre
o eucalipto em Portugal, a 5.ª maior área a nível mundial, o facto é que,
apesar do aumento significativo de área nos últimos 30 anos, a produtividade
média unitária nacional remonta a valores já registados em 1928. Investiu-se em
quantidade, não em qualidade. Esta é usualmente a estratégia seguida em países subdesenvolvidos
ou, como hoje se classificam, em vias de desenvolvimento.
Ainda a propósito desta cultura, seria interessante averiguar a razão do uso monopolizado da espécie pelo setor da pasta celulósica e papel. Qual o motivo para não se investir na utilização do eucalipto para a produção de madeira serrada, de maior valor acrescentado que a rolaria? Não é certamente por motivos tecnológicos. A madeira serrada de eucalipto pode ser utilizada para a construção, ou mesmo em carpintaria, para a produção de mobiliário de cozinha. Por outro lado, a produção de biomassa dedicada a partir desta espécie pode ter um impacto considerável no abastecimento de centrais termoelétricas, reduzindo a importação de fontes de energias fósseis, como o petróleo ou o carvão mineral.
Ainda a propósito desta cultura, seria interessante averiguar a razão do uso monopolizado da espécie pelo setor da pasta celulósica e papel. Qual o motivo para não se investir na utilização do eucalipto para a produção de madeira serrada, de maior valor acrescentado que a rolaria? Não é certamente por motivos tecnológicos. A madeira serrada de eucalipto pode ser utilizada para a construção, ou mesmo em carpintaria, para a produção de mobiliário de cozinha. Por outro lado, a produção de biomassa dedicada a partir desta espécie pode ter um impacto considerável no abastecimento de centrais termoelétricas, reduzindo a importação de fontes de energias fósseis, como o petróleo ou o carvão mineral.
D)
Manifestamos a nossa
concordância quanto ao facto de que “... tem de haver fundos para a
floresta ".
Poder-se-à discordar contudo quanto à sua aplicação
futura (PAC 2014/2020).
Nos 30 anos de experiência na aplicação de fundos
públicos de apoio à floresta, vemos que as consequências têm sido desastrosas. Veja-se
por exemplo que, apesar dos 700 milhões de euros despendidos em pinhal bravo, o
que potenciaria cerca de 350 mil novos hectares, o facto é que a área de pinhal
bravo contraiu cerca de 400 mil hectares. Estarão os contribuintes,
contra a sua vontade, estiveram a financiar os incêndios em Portugal?
Na aplicação dos fundos públicos temos de mudar de
paradigma:
- Apostar mais na
organização técnica e comercial do setor produtivo do que em florestação,
- Resguardar o
investimento em florestação para ações de conservação de solos,
de linhas de água;
- Associar a
investimentos em greening da PAC;
- Concretizar investimentos pelas Zonas de Intervenção Florestal ou entidades similares, mas com
personalidade jurídica; ou ainda,
- Apoiar investimento na
criação ou reforço da capacidade de autoabastecimento em áreas a adquirir,
arrendar ou contratualizar entre a indústria e a produção florestal.
Por fim, no que à atuação do Ministério da Agricultura diz respeito, subscrevo na integra as suas afirmações. Os autodenominados defensores da lavoura e dos contribuintes demonstraram que a prática é a exceção à teoria apregoada.
Por fim, no que à atuação do Ministério da Agricultura diz respeito, subscrevo na integra as suas afirmações. Os autodenominados defensores da lavoura e dos contribuintes demonstraram que a prática é a exceção à teoria apregoada.
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Contribuindo
para a valorização dos comentários, reforço abaixo alguns conceitos da engenharia
florestal, muito associados à temática dos incêndios.
Comecemos
pelo que respeita às operações técnicas de limpeza florestal.
Quando
usada pela gíria estival, não se percebe se a referência é a limpeza
interespecífica, intraespecífica ou total, bem como se é para ocorrer dentro de
povoamentos florestais ou nos seus limites (bordadura).
Importa
ter em conta que:
- Na limpeza interespecífica, serão removidas
as espécies herbáceas e arbustivas que concorram com a cultura principal,
excetuando a destruição de espécies florísticas protegidas
- Na limpeza intraespecífica, removem-se as
árvores mortas, malformadas ou dominadas da espécie silvícola em produção.
- Na limpeza total procede-se à remoção dos
extratos herbáceo, arbustivo e arbóreo, aplicado p.e. em faixas limites da rede
viária ou junto a outras infraestruturas, como habitações ou instalações
industriais.
No
que concerne à operacionalização dessas limpezas em florestas, importa
concretizar se a aposta recai no recurso a meios manuais, a meios motomanuais, a
meios mecânicos, por meios químicos, pelo pastoreio ou através da técnica do
fogo controlado.
Quanto
ao conceito de gestão florestal, este foi inicialmente
apresentado em 1958 pela Society of American Foresters, como sendo a
aplicação de métodos comerciais e de princípios técnicos florestais na
administração de uma propriedade florestal (ou de um conjunto de propriedades
florestais, talvez mais adequado ao cado nacional). Atualmente este conceito
incorpora a necessidade de garantia da sustentabilidade dos ecossistemas.
Aqui
chegados temos pelo menos quatro problemas muito sérios (a ordem é arbitrária):
1. Métodos
comerciais.
Assiste-se em Portugal a um forte movimento de concentração ao nível dos
clientes de produtos silvícolas (a indústria), o que pode não ser negativo no
plano externo. Há que observar, contudo, os indícios de concorrência imperfeita
e a ausência de acompanhamento dos mercados internos por parte dos Ministérios
que tutelam á área florestal e a atividade industrial.
Os pequenos proprietários, que detêm as áreas florestais com maior risco
de incêndios, são desprovidos de capacidade negocial face à indústria.
Não haverá aqui responsabilidades de quem representa económica e
profissionalmente os proprietários florestais? Com toda a certeza! Todavia isso
não desresponsabiliza o Estado, mais ainda quando são os contribuintes que, no
final, assumem a maior fatia dos custos com os incêndios, bem como os da proliferação
sem controlo das pragas e das doenças pelas florestas portuguesas..
A gestão florestal, ou a administração de uma propriedade
florestal acarreta necessariamente custos. Tais custos têm de ser suportados pelos
negócios silvícolas e não pelos contribuintes, como defendem alguns
industriais.
A ausência de gestão (o efeito), não é mais do que uma adaptação
à ausência de expectativas de rentabilidade (a causa).
2. Princípios
técnicos florestais.
Estamos num país desprovido de serviços de extensão florestal (públicos
ou privados), sem acompanhamento técnico que potencie a ligação entre os
centros de investigação e as propriedades florestais privadas (mais de 90% da
área florestal nacional).
O associativismo florestal foi, é e continuará incipiente enquanto
depender maioritariamente do Orçamento do Estado. Enquanto não for capaz de constituir
fontes próprias de rendimento, Fontes essas assentes preferencialmente nos
negócios que potenciam aos proprietários florestais seus associados. Atualmente
temos organizações de proprietários florestais muito tecnicistas e pouco
comerciais.
3. Sustentabilidade
dos ecossistemas florestais em Portugal.
Colocada em causa em 1996, num estudo desenvolvido pela Poyry, pelo
Banco BPI e pela Agro.ges, diagnosticou-se a ocorrência em simultâneo de
situações de subaproveitamento e de sobre-exploração dos recursos florestais. Ao
crescente abandono dos espaços florestais, está associada uma maior pressão decorrente
do aumento das necessidades industriais. Desde essa altura a situação só
piorou.
A atividade silvícola que suporta estes ecossistemas tem merecido do
INE, nas Contas Económicas da Silvicultura, a menção de estar em declínio
progressivo.
Se analisarmos o peso do VAB da silvicultura no VAB nacional (ou seja, sem
considerar as indústrias a jusante), este era de 1,2% em 1990,
decrescendo para 0,8% em 2000 e reduzindo ainda para 0,4% em 2010.
O peso do setor no PIB (aqui já no contexto das fileiras silvo-industriais)
este foi de 3,0% em 2000, contraindo para os 1,8% em 2010 (com o
decréscimo mais evidente na componente industrial).
4. Variação
populacional no território continental.
Os dados disponíveis no Census evidenciam uma forte migração das
populações rurais para o litoral e centros urbanos, ou mesmo a emigração, nas
últimas décadas, ou seja já em pleno regime democrático.
É certo que tais variações não serão decorrentes apenas do declínio da
atividade silvícola, mas sim de um conjunto mais vasto de motivos, entre os
quais está a própria consociação da atividade florestal com a agricultura, com a
pastorícia, com a caça e outras atividade recreativas ou com a pequena e média
indústria transformadora de base local e regional.
Importa ter em atenção que, com as famílias longe das suas propriedades,
dificilmente poderá haver uma gestão florestal ativa e sustentável. A menos que
muitas delas delguem a gestão das suas propriedades a terceiros, mas sempre numa
base assente no mercado, não nos contribuintes.
Inserem-se aqui as Zonas de Intervenção Florestal, ou preferencialmente entidades
juridicamente mais consolidadas, como sociedades comerciais de gestão de grupo
ou de gestão florestal, ou de fundos de investimento imobiliário, ou de
investimento industrial em reforço do autoabastecimento (seja por aquisição,
arrendamentos ou de contratos de futuros).
Por
último, o ordenamento florestal - que na gíria estival se confunde com
ordenamento da paisagem ou ordenamento do território – que é tão só o conjunto
de normas pelas quais se regulam as intervenções de natureza cultural ou de
exploração com vista à obtenção de um objetivo pré-determinado, tendo em conta
uma regular oferta do(s) produto(s) obtido(s) na propriedade florestal (ou no
conjunto de propriedades florestais).
Na
prática, o ordenamento florestal pode traduzir-se no planeamento de
intervenções que proporcionem, entre os vários prédios rústicos ou nas várias
parcelas detidas por um proprietário (ou por um conjunto de proprietários), a
obtenção de rendimentos de forma mais regular, não tão dependente dos médios e
longos períodos de retorno do investimento florestal. Por exemplo, se o
produtor optar pela arborização em diferentes anos por prédio ou parcela,
poderá obter (controlados os riscos) receitas desse arvoredo em diferentes
anos, em períodos mais regulares do que florestando todo o seu património num
mesmo ano. Prédios ou parcelas com arvoredo de diferentes idades, de diferentes
alturas, proporcionam dificuldades acrescidas à propagação dos incêndios dentro
das manchas florestais.
Um
outro exemplo é o ordenamento por talhões de diferentes idades de arvoredo no
Pinhal de Leiria, onde em cada período, de um ou mais anos, se usufruem das
receitas do corte de talhões que atingiram a idade de corte, enquanto outros
estão em crescimento e outros serão reflorestados.
Facilmente
se constata que, sem negócio não haverá suporte à gestão, sem gestão não há
ordenamento florestal.
O
ordenamento do território é um outro assunto.
Paulo
Pimenta de Castro
Engenheiro
Florestal
Presidente
da Direção da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal
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