A atividade silvícola e a
sustentabilidade das florestas em Portugal Continental, nas últimas décadas, têm
sido fortemente condicionadas pelos incêndios, os quais têm um considerável
peso na atual situação de desflorestação, ou seja, de perda de solo com
ocupação florestal para outros usos, maioritariamente para matos e pastagens.
A área ocupada por floresta, de acordo
com o último Inventário Florestal Nacional (IFN), corresponde (em 2010) a 35,4%
da área do território continental de Portugal. Entende-se aqui por floresta o
terreno onde se verifica a presença de árvores florestais que tenham atingido, ou
que pelas suas características ou forma de exploração venham a atingir, uma altura
superior a 5 metros, e cujo grau de coberto (definido pela razão entre a área da
projeção horizontal das copas das árvores e a área total da superfície de terreno)
seja maior ou igual a 10%. Neste conceito estão incluídas, entre outras, as
áreas florestais ardidas recentemente, ou sujeitas a corte único, seja em
resultado de um ato de gestão ou de acidente natural, bem como as áreas
ocupadas por vegetação espontânea e em que se admita a sua regeneração natural.
Já a área ocupada por matos e pastagens
é de cerca de um terço do território continental, aproximadamente 2,85 milhões
de hectares, com tendência a aumentar em função da desflorestação em curso.
Os incêndios assumem no País uma das
principais preocupações ambientais, sobretudo junto das populações rurais, mais
suscetíveis às suas consequências imediatas e subsequentes.
Entre 1980 e 2016, o número de anos em
que a área ardida total ultrapassou os 100 mil hectares cifra-se em mais de 43%
do período em apreço, incluindo os anos de 2003 e 2005 que, em média, registaram
áreas ardidas superiores a 380 mil hectares. No mesmo período de tempo, a área
ardida em povoamentos florestais superior a 50 mil hectares ocorreu em quase 41%
do número total de anos envolvidos, incluindo o ano de 1991, em que essa área
ultrapassou os 100 mil hectares, e 2003 e 2005, em que a área ultrapassou
consideravelmente os 200 mil hectares de povoamentos florestais ardidos. Com o
decorrer do período (1980-2016) não é visível uma tendência de desagravamento
deste fenómeno, apesar de em 2008 e 2014 a área ardida total se ter cifrado
abaixo dos 20 mil hectares, ou de a área ardida em povoamentos florestais em
1988, 2007 e 2014, ter sido registada abaixo dos 10 mil hectares. Ao contrário,
os vários cenários inerentes às alterações climáticas apontam para um potencial
agravamento deste fenómeno, com especial destaque na Península Ibérica.
No plano do sul da Europa, os valores
registados de área ardida total entre 1990 e 2014 colocam Portugal numa
situação muito desfavorável. Com apenas 6% da área territorial total dos
Estados Membros do sul da Europa, concretamente da Grécia, Itália, França,
Espanha e Portugal, este último surge em 9 dos 25 anos (37,5%) com área ardida
superior a cada um dos demais. Em 9 anos, apesar da dimensão territorial e da área
florestal, Portugal regista valores de área ardida total superiores aos
observados em Espanha. Em quatro anos específicos (2003, 2005, 2010 e 2013), a
área ardida total registada em Portugal foi superior à soma da área ardida
total registada no conjunto dos outros quatro Estados Membros da União
Europeia. Em dois anos (2010 e 2013), o número de ocorrências registadas em
Portugal foi superior ao somatório das ocorrências registadas no conjunto dos
outros quatro Estados Membros. No quarto de século envolvido, só em 3 anos o
número de ocorrências registadas em Portugal foi inferior às registadas em
Espanha (1990, 1992 e 2014).
De acordo com dados do Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), na distribuição da área de
povoamentos florestais ardidos por espécie no período de 2000 a 2011, 43% da
área afetada correspondeu a plantações de eucalipto, 29% a pinhal bravo, 8% a
povoamentos de sobreiro, 2% a povoamentos de azinheira, 1% a pinhal manso e os
restantes 6% a outras espécies. Já em 2016, cerca de 70% da área ardida em
povoamentos florestais correspondeu a áreas de plantações de eucalipto. As
áreas associadas à produção de material lenhoso estão, em Portugal, condicionadas
por um elevado risco, a uma elevada percentagem de área ardida em povoamentos
florestais (superior a 70%).
No que respeita à desflorestação, na
sequência da publicação do relatório Global
Forest Resources Assessments 2015, pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), veio
confirmada, no plano internacional, a ocorrência da mesma em Portugal. A
desflorestação em Portugal tinha já sido identificada pelo último Inventário
Florestal Nacional (em 2010). Os dados da FAO foram posteriormente reconhecidos
pelo Eurostat.
Assim, no período de 1990 a 2015, Portugal
regista uma desflorestação na ordem dos 254 mil hectares, ou seja, no último
quarto de século o país perdeu mais de um quarto de milhão de hectares de
floresta, em média, uma área superior à do concelho de Lisboa em cada ano.
De acordo com a FAO e o Eurostat, na
União Europeia e no período de tempo atrás indicado, Portugal regista a única
ocorrência de desflorestação no conjunto dos 28 Estados Membros.
Por sua vez, a Global Forest Watch, numa parceria com o World Resources Institute, considerando as manchas florestais com
mais de 30% de coberto arbóreo observadas por satélite a nível mundial, emitiu
uma lista dos países com a maior perda percentual desse coberto, ocorrida no
período de 2001 a 2014 face a 2000, na qual Portugal surge na quarta posição,
com 24,6% de perda, atrás da Mauritânia, do Burkina Faso e da Namíbia. Por
outro lado, no que respeita a ganho de coberto arbóreo, ocorrido entre 2001 e
2012 face a 2000, Portugal surge apenas na décima segunda posição, com 18%.
Estes dados, apesar do desfasamento de dois anos entre os dois períodos de
analise, estão longe de contradizer a situação de desflorestação evidenciada pela
FAO (2015) e antes considerada no IFN (2010).
Existe obviamente uma considerável
relação entre os incêndios e a situação de desflorestação, todavia, importa aqui
ter em conta que ambos são consequência de causas a diferentes níveis.
No plano mais estrito das
florestas, a principal causa é identificada pela evolução do rendimento da
atividade silvícola, concretamente com uma acentuada fase de contração,
ocorrida sobretudo a partir de 2000. Está contração está muito associada ao
declínio do pinhal bravo, com a incapacidade, politica, técnica e comercial, em
conter os danos provocados, sobretudo, pelo nemátodo da madeira de pinheiro
bravo.
Atendendo ao peso
dominante da propriedade privada e comunitária no que respeita à posse das
superfícies florestais em Portugal, o fator rendimento é determinante para a
prossecução de uma gestão florestal profissional, desejavelmente sustentável,
da qual faça parte a prevenção de riscos, quer face a agentes abióticos, os
incêndios, quer a agentes bióticos, as pragas e as doenças. Importa ter em
conta que, apesar de se registarem nalguns anos acréscimos no rendimento
silvícola, no período compreendido entre 2000 e 2014, último ano com dados
disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, concretamente nas
Contas Económicas da Silvicultura, não é possível evidenciar uma tendência de
recuperação desse rendimento face ao ano de partida (2000). A evolução do
rendimento está, por sua vez, muito condicionada pelo funcionamento dos
mercados, caraterizado por uma exagerada pulverização da oferta e por uma forte
concentração na procura. Apesar de em 1972 ter sido criado um organismo de
regulação no sector, o facto é que o mesmo foi extinto no final da década de 80
do século passado. Vigora hoje a lei do mais forte, com consequências para
terceiros.
No plano mais abrangente,
a causa pode ser identificada com uma grave situação de despovoamento, com
forte impacto no interior, face a um incontido êxodo rural, identificado no
regime ditatorial, mas que se manteve e agravou no atual regime democrático.
Aqui, em causa, está o rendimento das famílias, sobretudo ligado à atividade
agrícola e a outras atividades de base rural. Até ao momento, não há registo de
uma tendência clara que permita evidenciar um fluxo contrário de migração
populacional. Pelo contrário, o mais recente diagnóstico, elaborado no âmbito
do Programa Nacional para a Coesão Territorial, recentemente aprovado pelo
Governo, aponta para dados muito preocupantes.
Por outro lado, as
convulsões ao nível da política florestal do Estado Português, com a sucessiva e
avulsa produção legislativa pós-estival, a elaboração de múltiplos e
desagregados planos de intenções e os sistemáticos atropelos à Lei de Bases da
Politica Florestal, não auguram frutuosas perspetivas. A abordagem aos
problemas das florestas em Portugal, maximizando as consequências (os riscos),
dando tratamento inconsistente aos efeitos (ao nível da gestão e do
ordenamento) e ignorando as causas (os constrangimentos ao rendimento), não
configura uma opção para a obtenção de resultados positivos. Desenquadrar a
situação de desflorestação de um despovoamento a montante e da desertificação a
jusante pode ser considerado um forte contributo para o insucesso. Continuar a
determinar medidas de politica do topo para a base, sem ter em conta uma
análise profunda e sistemática dessa base, constituída por quem detém a posse
da esmagadora maioria das superfícies florestais em Portugal, pode dar
continuidade a uma situação de declínio da silvicultura e de diminuição da área
florestal nacional.
A concretização de uma
reforma, que atenue os impactos dos incêndios e contrarie a desflorestação, tem
de passar pela priorização das causas, por uma verdadeira mudança na análise do
problema, por alargar o horizonte dessa análise para além dos espaços
florestais, a domínios que claramente condicionam a concretização de ações
corretivas de âmbito mais estrito.
No plano florestal, a
solução para o problema passa, antes de mais, por eliminar as convulsões que caracterizam
a politica nacional para o sector, pela criação de consenso, ou melhor, pela
recuperação desse consenso no que respeita a uma visão de médio-longo prazo,
quanto mais não seja, pelo regresso aos princípios e aos objetivos traçados na
Lei de Bases da Política Florestal (Artigos 2.º, 3.º e 4.º da Lei n.º 33/96, de
17 de agosto).
No plano mais lato, há que
condicionar a politica industrial à sustentabilidade dos recursos florestais
nacionais, por um lado, regulando o funcionamento dos mercados, por outro,
condicionando a expansão da capacidade fabril à formalização de contratos de
abastecimento que permitam constatar a garantia de risco atenuado, seja quanto
aos incêndios, pragas e doenças, seja na consequente desflorestação e na
depreciação dos recursos naturais nacionais, não apenas dos renováveis.
A intenção de aumentar as
competências das autarquias na concretização de medidas de politica florestal
pode ter efeitos positivos, quer na salvaguarda dos interesses das populações
rurais, seja ao nível da melhoria do rendimento da silvicultura, seja numa
maior contenção dos riscos associados à atividade silvícola, quer na
salvaguarda dos recursos naturais e paisagísticos das áreas sob a sua
responsabilidade. No plano comercial, face ao fraco desempenho do
associativismo florestal, as autarquias podem igualmente desempenhar papel de
relevo, designadamente criando condições para concentrar as produções obtidas
nas suas áreas de abrangência, proporcionando mais valias à oferta local.
Em todo o caso, não se
vislumbra um combate de sucesso à desflorestação, e bem assim aos incêndios,
sem um ambicioso plano de desenvolvimento rural, que assegure um adequado
rendimento às famílias rurais, que permita contrariar o fluxo migratório para
os centros urbanos e para o litoral, ou seja, sem um plano sério de combate ao
despovoamento. Por sua vez, face às características do investimento florestal,
caracterizado por longos períodos de retorno, o sucesso do combate à
desflorestação estará sempre condicionado ao investimento em modelos de
negócios de curto e médio períodos de retorno, seja no âmbito da produção
agroalimentar ou agro-silvo-pastoril, no turismo rural ou noutros negócios de
base rural. A investigação florestal desempenha aqui um papel de relevo,
nomeadamente ao nível da melhoria da produtividade, também no encurtamento do
período de retorno dos investimentos florestais, assegurado que esteja um
serviço de extensão florestal que permita estabelecer e dar continuidade a um
fluxo biunívoco de informação com a produção, e desta com os mercados.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Direção da Acréscimo, Associação de Promoção ao
Investimento Florestal
(Publicado na Revista AGROTEC, N.º 22, 1.º Trimestre 2017)
O blogue fogos2017.blogspot.com apresenta imagens de satélite de alta-resolução (10 metros/pixel) dos fogos que ocorreram em Portugal em 2017. São centenas de imagens a cores, muito detalhadas, do "Antes e Depois" dos incêndios (mostram a mesma zona lado a lado, antes e depois do fogo). As imagens ajudam a perceber a dimensão dos fogos e o seu impacto nas populações. É preciso ver o que se passou para perceber, decidir, ajudar.
ResponderEliminar