A “Visão
Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, da
autoria de António Costa Silva, formulada a pedido do primeiro-ministro, no que
respeita às florestas não passa de uma amálgama de lugares comuns. Algo
habitual em programas eleitorais, que atropelam conceitos para elaborar frases
redondas.
Para que o título
deste artigo não ficasse demasiado longo, a abordagem que aqui se faz às “florestas”
respeita apenas ao arvoredo cultivado para fins industriais. A definição de
florestas, hoje fruto de intensas discussões a nível internacional, presta-se a
distintas abordagens, desde as inseridas na área da preservação da natureza até
à produção intensiva de madeira para triturar. Fiquemo-nos assim pela também
designada “floresta cultivada”.
Neste domínio, a
“visão” de Costa Silva ignora a existência de uma Lei de Bases
da Política Florestal. Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da
República há 24 anos, na qual estão inscritos princípios e objectivos que, a
terem sido seguidos, poupariam o país, território e populações, de parte significativa
das catástrofes que se nos tornaram habituais. E a referência não é apenas aos
incêndios florestais, mas também à incontrolável proliferação de pragas e de
doenças.
A “visão” de Costa
Silva ignora também a existência de uma Estratégia
Nacional para as Florestas, que entrou em vigor em 2006 e foi actualizada
em 2015. Talvez por esse facto, para alem das frases redondas, não são visíveis
prioridades. Na “visão” de Costa Silva assume prioridade a continuação de uma
aposta forte na produção de madeira para trituração, associada a culturas
intensivas, seja para celulose ou energia, ou a prioridade passa por produtos
de maior valor acrescentado e maior longevidade de sequestro de carbono? Neste
último caso, associados à produção de madeira para serração, à resina ou à
cortiça. Não basta afirmar a preocupação com as emissões de gases de efeito
estufa, ou defender a intenção de descarbonizar a economia. Há que definir uma
visão consequente.
Talvez por ignorar a
Estratégia Nacional para as Florestas, embora se refira a necessidade de
reformular a equação do rendimento silvícola, não se vislumbra uma aposta na
investigação e, sobretudo, em extensão, tendo em vista cumprir metas mínimas de
produtividade. Por exemplo, no eucalipto para celulose a media unitária
nacional persiste hoje em estar apenas um pouco acima de metade da definida na
Estratégia. Na “visão” de Costa Silva, deve o país manter a aposta num excesso
de quantidade, para controlar preços à produção, ou deveria apostar em
qualidade por área, reduzindo os riscos para o território e suas populações?
Ao ignorar a Lei de
Bases e a Estratégia Nacional segue um padrão de bipolaridade praticada pelos
vários governos liderados pelo Partido Socialista. Muda de agulha consoante a
tendência dominante no partido. Ora é pela Lei, ora é por ignorá-la. Ora é por
uma Estratégia, ora é pelo seu engavetar. Todavia, os ciclos de crescimento das
árvores, mesmo do eucalipto, não são compatíveis com esta rapidez de mudança de
agulha.
Apesar das
recomendações internacionais, vislumbra-se uma ténue aposta nos sistemas
agro-florestais. Estes defendidos como mais adequados à adaptação às alterações
climáticas.
Por último, persiste
nesta “visão” a farsa da aposta na biomassa florestal “residual” para energia.
Será para produzir calor ou electricidade e combustível? Consoante a opção, as
repercussões são distintas. Para unidades fabris de que dimensões? O autor
desta “visão” já fez contas, já definiu um plano de negócio para a queima de
biomassa florestal “residual” para energia? Bastaria visitar alguns parques de
recepção de matéria prima para ver como funciona o negócio. Funciona, mal, com
biomassa, mas pouco “residual”. Na verdade, queima sobretudo troncos de
árvores. Ora, num país que, segundo dados do INE,
regista uma contração da área agro-florestal e florestal, já nem as árvores
existentes asseguram o negócio na sua actual dimensão de queima. O que a
“visão” de Costa Silva defende é a proliferação de extensas plantações de
culturas energéticas? Haja água e aposta na biodiversidade que aguente! Isto
para alimentar uma indústria que emite mais dióxido de carbono do que a queima
de gás natural. Verde? Só se for da cor das notas da subsidiação pública que
sustentam esta farsa.
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro silvicultor
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