Na
última sessão do Conselho de Ministros de Junho, foi aprovada a proposta de lei
que autoriza o Governo a intervir em propriedade privada, nas situações em que
os proprietários não manifestem a intenção de executar as operações de
reconversão “exigíveis”. Por este meio, o Estado poderá substituir-se aos
proprietários na concretização de tais operações.
Escusado será reforçar que estas “inovadoras”
medidas de política, num cenário legislativo já de si caótico, vêm atropelar
medidas de política anteriormente estabelecidas, inclusive previstas em Lei de
Bases. Inserem-se numa clara estratégia de atribuir responsabilidades pela
actual situação em que se encontra parte significativa do território nacional.
O objectivo da política governamental pós-2017 é o de fazer esquecer as
omissões, as defesas de interesses e a incompetência política. Afinal, qual é o
elo mais fraco? Obviamente, os proprietários de minifúndio! Os que foram
forçados a migrar, os que foram estimulados, por acção ou omissão do Estado, a
mudar a paisagem ao longo das últimas décadas, chegando-se ao catastrófico
cenário actual.
Com efeito, a paisagem tem de mudar.
Mas, o curioso é que nesta “intenção” de mudar a paisagem, o Governo não avança
com medidas de reforço de quadros técnicos. Quadros, de proximidade, que
permitam aos proprietários gerir técnica e financeiramente as suas propriedades,
tendo em conta o potencial ecológico de cada local, a valorização dos serviços
dos ecossistemas, um transparente acesso aos mercados.
Ora, aqui está outra curiosidade. O
Governo persista em manter como tabu a forma como funcionam os mercados.
Funcionamento esse, por omissão do Estado, altamente penalizador de quem
produz. Afinal, mexer no modo de funcionamento dos mercados é mexer com fortes
interesses instalados. Fica mais fácil sacrificar os fracos, os proprietários
de minifúndio. São muitos, não se unem, a maioria está migrada. Tornam-se
facilmente alvo do dividir para reinar.
O caricato é o Governo querer ocupar
terras privadas, sob a forma de arrendamento forçado, para executar operações
de reconversão “exigíveis” (seja lá o que isso for e quem as determina
efectivamente), quando deixa as propriedades públicas ao abandono ou sob gestão
técnica e financeira incompetentes.
A
este propósito, importa ter em conta os acontecimentos da última sessão Plenária
de Junho, no Parlamento. Nesta foi colocada à votação um projecto de resolução,
apresentado pela Comissão de Agricultura e Mar, sobre a Mata Nacional de
Leiria. O texto resultou da integração dos projectos submetidos pelo Bloco de
Esquerda, pelo PSD, pelos “Verdes” e pelo PCP. Recomendava a intervenção nesta
área florestal pública, ardida na quase totalidade em Outubro de 2017. Na
votação, aprovada por maioria, apenas o PS, com excepção de um deputado, votou
contra.
Com
efeito, desde os incêndios de 2003 e de 2017 que esta área florestal pública se
encontra sob gestão de abandono. As Matas Nacionais do litoral carecem
urgentemente de operações exigíveis, seja na fixação das dunas costeiras, seja
na sua revalorização ambiental, social e económica. Parece que a aposta do
Governo e do PS se justifica no aproveitamento da regeneração natural do pinhal.
O facto é que em muitos talhões já não existem sementes de pinheiro para que
tal ocorra. Em vários deles têm proliferado as espécies invasoras pós-incêndio.
Entre elas, o eucalipto. É também um facto que a aposta na regeneração natural
serve a estratégia do “empurrar com a barriga”. Se aporta baixos custos no
imediato, terá fortes encargos a curto prazo em operações silvícolas. Mas, quem
tiver funções governativas na altura que os assuma. O problema é que a aposta na
regeneração natural, após o incêndio de 2003, não foi acompanhado das operações
exigíveis de silvicultura. Quem governou o país entre 2003 e 2017 não quis
assumir tais encargos, limitou-se a recolher as receitas que as Matas geraram.
Mata Nacional de Leiria, área não ardida, a 22 de Outubro de 2017
A
questão que importa colocar é como irá o Estado ocupar terrenos privados, para
neles concretizar as operações de reconversão “exigíveis”, se nas áreas sob sua
gestão directa não concretiza as operações exigíveis? Afinal, esta tem sido uma
situação em que o proprietário não manifesta a intenção de executar as
operações exigíveis. Esperemos que o Parlamento evidencie, mais uma vez, este
facto, aquando da apreciação da legislação sobre arrendamento forçado.
Paulo Pimenta de
Castro
Engenheiro Silvicultor
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