terça-feira, 29 de março de 2022

Recarbonização e mais poluição no Fundão?

O leque de impactos relacionadas com a utilização da biomassa florestal para a produção de energia é muito amplo. Vai desde as questões inerentes à proveniência do material lenhoso a peletizar ou a queimar drectamente, se importado e em que condições, ou obtido em florestas de espécies autóctones ou a partir de plantações arbóreas de exóticas. Se decorrentes de sobrantes da actividade silvícola ou de exploração florestal, se do abate directo de árvores para para queimar ou se da utilização de resíduos em fim de ciclo da indústria florestal. Há que considerar ainda se o objectivo passa pela produção de calor ou de electricidade e em que escala. O grau de eficiência é muito díspar. O peso para os contribuintes e consumidores de energia também.

Inclui-se neste leque de questões, com claro destaque em Portugal, a problemáticas dos incêndios florestais. No caso, são possíveis leituras neutras ou opostas.

Importa não esquecer os impactos sobre o sector agro-alimentar, onde a opção por culturas energéticas tende a aumentar a dependência alimentar, bem como para a biodiversidade, a conservação dos solos e dos recursos hídricos. Há ainda a considerar as questões relativas às consequência sobre a indústria florestal, no emprego e na fixação de populações.

Por último, sendo esta fonte considerada “renovável”, inserida em estratégias de “descarbonização”, urge ter em conta os seus  impactos na evolução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), na poluição atmosférica, aquática e sonora, logo sobre a saúde pública.

Antes de abordar especificamente estas últimas questões, importa frisar o que decorre de vários estudos, nomeadamente de organismos directamente ligados à Comissão Europeia: uma evidente lacuna de conhecimento. Nesta lacuna destacam-se as incertezas relativamente altas nos dados estatísticos disponíveis, concretamente no que respeita ao incremento de (re)arborizações e à remoção de arvoredo. Se ao nível europeu são evidenciadas incompatibilidades entre os inventários florestais produzidos pelos Estados-Membros, no caso nacional, com o forte impacto dos incêndios, a periodicidade dos inventários é incompreensível. Se o último teve por incidência a situação em 2015, não é justificável que o próximo só venha a ser realizado em 2025. Pelo meio, Portugal registou os maiores valores absolutos de área ardida na União Europeia em 2016, 2017 e 2018. Apesar da lacuna de conhecimento, resultante da periodicidade de uma década entre inventários, em Portugal a capacidade industrial tem crescido a um ritmo acelerado, concretamente no sector energético, na produção de pellets de madeira, em centrais dedicadas à queima de biomassa florestal (com forte presença de troncos de árvores) ou na reconversão de caldeiras a gás natural para queima de material lenhoso.

Mas, vamos à questão que importa aqui destacar. Crescem as evidencias científicas que associam a queima de material lenhoso a maiores níveis de emissões de GEE, nomeadamente, face à queima de carvão. Na verdade, em vez da anunciada “descarbonização” podemos estar perante um processo de recarbonização. Mais, o uso de material lenhoso para a produção de energia tem vindo a ser associado a maiores níveis de poluição atmosférica, com impacto directo na saúde pública.

É no contexto destas evidencias, agravadas no caso da utilização em média e larga escala da biomassa florestal para a produção de electricidade (com forte presença de troncos), que importa averiguar a situação em concreto da central termoeléctrica a biomassa do Fundão. Mais ainda, tendo em conta que a sua localização ocorre em plena malha urbana, contígua a habitações.

Parque de recepção de matéria-prima na central termoeléctrica do Fundão: resíduos?

Se há conhecimento da realização de testes de ruído, associados à poluição sonora, não se encontram estudos científicos sobre o impacto desta unidade industrial em termos de evolução local de emissões de GEE ou da evolução dos índices de poluição atmosférica, designadamente dos níveis de micro-partículas. Ora, estas têm forte impacto na saúde pública. Mas, mesmo aqui, não se encontram estudos sobre a evolução local de doenças cardio-respiratórias, designadamente as que possam ser relacionadas com acréscimo dos níveis de poluição. Na ausência destes estudos, está o poder político local e nacional de consciência tranquila face aos impactos que esta unidade, licenciada, pode estar a causar na população da cidade do Fundão?


Paulo Pimenta de Castro

(No jornal Público)

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