A associação da indústria
papeleira lançou em Pedrógão Grande uma nano-acção de “recuperação de ardidos”.
O vídeo promocional tem todos os
“ingredientes”: biodiversidade, sustentabilidade, rentabilidade… Mas, o
“cozinheiro” tem má fama!
O modelo de negócio silvo-industrial associado ao eucalipto colapsou. Ao assentar numa lógica, por décadas, meramente extractivista, sem ambição na gestão e replantação em áreas mais produtivas, suportada na maximização de área, independentemente da capacidade técnica e financeira de quem detém a maioria das plantações, envolve esta ocupação territorial em cada vez mais área ardida e na proliferação de pragas e de doenças.
É bizarro pensar, não fosse trágico, que um negócio assente na manutenção, há décadas, do preço de aquisição industrial da rolaria de eucalipto, apesar do enorme aumento dos custos na produção, não acabaria por colapsar. É ainda bizarro pensar que um negócio com impacto sobretudo em minifúndio, teria sucesso ao assentar em demonstração de “rendimento” envolvendo apenas parte do ciclo produtivo. Basta analisar o simulador financeiro disponibilizado pelas celuloses para ver que compreende apenas dois cortes (o de alto fuste e a primeira em talhadia). E depois? Depois de mais um corte, quem assume os custos de replantação ou reconversão dos solos? Quase ninguém quando em minifúndio!
O facto é que 2/3 da área de plantações de eucalipto em Portugal estão ao abandono ou sob inadequada gestão. A produtividade média unitária nacional é miserável. Estas plantações acabam a potenciar incêndios, situação que tende a agravar-se, num contexto de crise climática, de aquecimento global. Por exemplo, em 2016, 50% do que ardeu em “floresta” envolveu estas plantações. No grande incêndio de Pedrógão Grande, a taxa de envolvimento do eucalipto na área ardida em “povoamento florestal” foi de 63%.
Num colapso em curso, eis que surge da cartola esta nano-acção. Em Pedrógão Grande, claro! Pelo simbolismo, com as memórias mais desvanecidas. Mas o que esperar da replantação de uma “migalha” num “bolo” em colapso? O que representam pouco mais de uma centena de hectares numa amalgama de eucaliptos e de acácias por milhares de hectares, com impacto catastrófico na região do Centro? A intenção pode parecer louvável, mas a realidade é crua. Tomemos por “boa” a gestão das plantações de eucalipto assumida directamente pelas celuloses: de que lhes serviu no contexto dos incêndios de 2017? Afinal, ardeu-lhes o equivalente à superfície do concelho de Lisboa, de Santa Maria de Belém a Santa Maria dos Olivais, da frente ribeirinha à Ameixoeira. “Migalhas” num contexto territorial de “bolo” em colapso são isso mesmo, “migalhas”!
Vai a nano-acção “ReNascer Pedrógão” marcar a diferença na redução do risco de grandes e mega-incêndios na região? Vai ter impacto na diminuição da contaminação por cinzas das águas da bacia do Zêzere, que dão de beber a Lisboa, ou na redução do risco de poluição causada pela pluma dos incêndios, que afecta gravemente a saúde pública, também na Área Metropolitana de Lisboa? Haja fé!
Vai esta nano-acção contribuir para a valorização deste território de baixa densidade populacional? Com certeza, um negócio meramente extractivista, assente num mercado a funcionar em concorrência imperfeita, jamais conseguirá atingir um bom objectivo neste domínio.
Afinal, o que representa esta nano-acção? Mero “show-off”? Acção pontual ou as celuloses vão prolongá-la ao longo do ciclo produtivo? Terá efeitos no aumento do preço de aquisição da rolaria? Afinal de contas, “ter a criança” pode ser mais ou menos difícil, mas “criá-la” envolve um esforço prolongado por décadas. Ora, o risco está exactamente na fase da condução cultural (ou na falta dela), na necessidade de apoio técnico e, sobretudo, no estabelecimento de um preço que garanta a rentabilidade deste uso do solo. Rentabilidade calculada para todo o ciclo produtivo, não apenas em parte como decorre dos simuladores antes referidos.
Existem outras opções, mas envolvem grande investimento do Estado. Um resgate territorial! Um resgate que não se vê no PRR, no PDR ou noutros instrumentos financeiros públicos. Aliás, fica a perspectiva de que a governação continua a primar pela omissão. Omissão que tem sido induzida. Uma indução arquitectada pelas celuloses e pelas portas-giratórias que alimenta.
Por Paulo
Pimenta de Castro
(No jornal Público,
a 16 de Junho de 2022)
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