quinta-feira, 23 de maio de 2013

A estratégia do filet mignon. E o osso?

A estratégia empresarial da indústria papeleira nacional, nos anos mais recentes, não aparente ser mais do que uma estratégia de “porta da fábrica para dentro”, o que na prática pode ser definido como estratégia do, ou pelo, filet mignon, de riscos oportunisticamente controlados, em sistema quanto mais fechado possível. A estratégia assenta na desresponsabilização pela forma como é obtida a matéria-prima que sustenta o negócio da pasta celulósica e do papel, com quebra de compromisso com a produção florestal e com o subsetor da exploração florestal e comércio de madeiras, situação ímpar ao constado noutros produtores de pasta celulósica e papel em países desenvolvidos ou emergentes. A evolução dos preços, do rendimento empresarial líquido na silvicultura (ou seja, o setor antes da porta da fábrica) e do peso do Valor Acrescentado Bruto (VAB) deste setor primário no VAB nacional, traduzidos nas Contas Económicas da Silvicultura, publicados anualmente pelo Instituto Nacional de Estatística, são elucidativos.


O papel do Poder Executivo, traduzido na prática seguida pelos vários Governos, de acordo com as estratégias levadas a cabo pelas diferentes equipas ministeriais com a tutela da Silvicultura (o atual MAMAOT mais do que incluído) e da Economia, tem sido o de aparente subjugação a esta estratégia empresarial, designadamente no que respeita à produção legislativa, onde se enquadra a proposta de alteração legislativa às ações de arborização e rearborização tornada pública em maio de 2012. Esta prática governativa tem sido justificada fundamentalmente com o peso do setor papeleiro no Produto Interno Bruto (PIB) e nas exportações.

Se por um lado o peso do setor florestal no PIB tem decrescido acentuadamente nos últimos anos (o próprio PIB tem decrescido), com maior destaque na indústria florestal do que na silvicultura, o facto é que, no que respeita às exportações não está quantificado o seu valor líquido. Ou seja, ao valor bruto das exportações não estão deduzidos os encargos com a depreciação dos recursos naturais, nem do Território, nem os custos associados aos incêndios florestais, resultantes da gestão deficiente dos eucaliptais, inerente à quebra de rentabilidade do negócio da produção de rolaria para trituração, sobretudo em regiões onde predomina o minifúndio (regiões Centro, Norte e Algarve).

O atual Ministério com o pelouro das florestas, face aos evidentes indícios de concorrência imperfeita neste setor, dos riscos económicos, mas sobretudo sociais e ambientais decorrentes, insiste em não acompanhar a evolução dos mercados, muito menos em desenvolver os instrumentos inerentes à efetiva regulação dos mesmos.

Pior, permite que se mantenha a exclusividade na utilização do eucalipto pela indústria papeleira, não desenvolvendo os mecanismos de fomento a outras utilizações desta madeira, designadamente as que se possam consubstanciar na redução das importações de carvão mineral pelas centras termoelétricas nacionais (Abrantes e Sines), ou na redução das importações de madeira para a indústria de serração, designadamente pelo desenvolvimento de metodologias de utilização da madeira de eucalipto na construção civil ou mesmo para a produção de mobiliário, certamente com maior valor acrescentado do que a produção de rolaria para trituração. Não que estas outras oportunidades fossem substitutas da indústria de pasta celulósica e papel, mas que lhe fossem complementares, com mais valias para o País.

Mas, será este caso da indústria papeleira único? Infelizmente não, o setor florestal em Portugal tem servido de base ao desenvolvimento de outros negócios industriais de estratégia do filet mignon. Por exemplo, na produção de energia através da biomassa florestal, seja na energia elétrica, com as famosas centrais termoelétricas a biomassa, seja na produção de pellets energéticas, estas últimas com crescente pelo bruto nas exportações, muito embora assente na prática num negócio de “erradicação” oportunista do nemátodo da madeira de pinheiro bravo.

E o osso?

Bom, esse é suportado pela Sociedade, por um lado com os benefícios fiscais que são atribuídas pelos Governos às empresas papeleiras (cerca de 50 milhões de euros só em 2010 e 2011), por outro pela depreciação dos recursos naturais, do Território, com efeito, entre outros, no êxodo rural, e nos incêndios florestais, este últimos com encargos anuais superiores a 1.000 milhões de euros, e que na última década se estima terem sido responsáveis pela emissão para a atmosfera de mais de 2,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2 eq.), desperdiçando-se mais do que o equivalente a 5,7 milhões de barris de petróleo.

Paulo Pimenta de Castro, Eng. Florestal

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