sexta-feira, 18 de outubro de 2019

As Matas têm um programa de recuperação e daí?


Se atendermos ao facto de que as Matas foram vítimas de uma catástrofe em Outubro de 2017, digamos que a reacção governamental poderá ser tudo menos adequadamente célere. Preocupa-me em especial a protecção da orla costeira, na fixação das dunas, há muito desprotegidas. Em todo o caso, o governo pode agora argumentar que tem um programa. Passados dois anos sobre os trágicos acontecimentos.

Se o programa serve para prevenir? Em si é um exercício teórico, que segue de perto o que tem sido a escola florestal das últimas décadas. Contem muitas e oportunas recomendações, mas é desprovido de esboço de plano de investimento e de um plano de financiamento. Esta característica é, em parte, usual nos próprios planos de gestão florestal, em geral e de cada uma das Matas Nacionais em particular. Digamos que facilita a vida ao actual decisor político: tem um programa, mas a responsabilidade de definição e afectação de meios caberá a governantes futuros.

Parece evidente a ausência de competências essenciais na equipa que elaborou o programa, designadamente na componente social e económica. Presumo que tal tenha decorrido de decisão política.

Há que ter presente que o desempenho dos programas e planos florestais em Portugal tem-se traduzido na constatação de que foram engavetados ou exibiram taxas de execução residuais. Na base estão, em minha opinião, as ausências apontadas, a ausência de análise financeira. Isto para já não ir à ausência de análise económica e institucional, atendendo a que se trata de um programa destinado a ser concretização por uma ou várias entidades públicas.


Prioritariamente, deveria já ter havido intervenção musculada nos talhões que constituem a faixa de protecção da orla costeira. O sucesso que possa ocorrer nos talhões interiores tende a ser muito afectada pelo sucesso ou insucesso na fixação das dunas, na protecção contra os ventos marítimos, contra a salinidade.

O combate às espécies invasoras, incluindo o eucalipto, tem sido quase nulo. Em especial, nos talhões que não foram afectados pelos fogos de 2017. A situação pode-se considerar bizarra.

Os talhões ardidos são hoje um viveiro de pragas e doenças. Em vez de se terem consumido verbas públicas em viagens e estadias de especialistas internacionais em fogo, para constatar o óbvio, deveriam ter sido consultados técnicos franceses na preservação de madeira de pinho para evitar oportunismos de mercado e maximizar os ganhos do Estado. A França dispõe hoje da maior mancha de pinhal bravo e tem demonstrado saber cuidar técnica e comercialmente desse activo.

Na rearborização, as acções de voluntariado são importantes para a sensibilização da população para a importância das florestas na adaptação às alterações climáticas. Mas, o Estado não pode ter no voluntariado cívico um respaldo para o deficiente cumprimento das suas obrigações constitucionais. No domínio da rearborização, tenho fortes e justificadas preocupações quanto à opção pelo recurso à regeneração natural. Esta opção serve muito à técnica lusa do “empurrar com a barriga”. Os custos iniciais são baixos, o que importa assegurar para quem governa na actualidade, mas as intervenções silvícolas posteriores são mais caras, o que impacta na decisão de governantes futuros.


As ignições são um problema nacional, já histórico, agregado ao mau uso do fogo, seja ou não com intuito criminal. Todavia, a propagação tem muito a ver com a acção do gestor florestal, neste caso o Estado. É para mim evidente que a gestão das Matas se traduzia numa gestão de abandono, na fruição da acção da Natureza, sem reinvestimento adequado, quer em meios humanos, quer materiais e financeiros.

Quando a ignição ocorre em espaços com condições favoráveis à propagação, o “êxito” tende a ser maior. Se adicionarmos a desmobilização de meios de socorro, este “êxito” tende a ser preocupante. Em todo o caso, em 2017 as condições de propagação foram excepcionais, associadas a um fenómeno meteorológico raro, o furacão Ophelia. O “êxito” foi catastrófico. Se a ignição teve origem criminosa, creio que o ou os criminosos se terão surpreendido com o resultado. Ao fenómeno meteorológico raro de 2017 há que adicionar o de 2018, com a tempestade tropical Leslie. Parece não haver dúvidas de que a recorrência de fenómenos até há pouco tempo raros se deve as alterações climáticas. Estes fenómenos influenciam a ocorrência de grandes e mega-incêndios. Em 2017 tivemos um aviso sério de que devemos mudar de paradigma. Essa mudança de paradigma não quer dizer que se troquem os pinheiros pelos sobreiros nas Matas do litoral. Uma bizarria. Mas sim que a florestas, sejam as públicas ou as privadas tem de ter uma gestão activa. Esta gestão activa é mais premente em áreas públicas.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Silvicultor
Presidente da Direcção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal


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