terça-feira, 19 de maio de 2020

Agora, já podemos falar do papel do Estado nas florestas?


Há um conjunto de dogmas que parecem ter sido postos em causa por um vírus, designadamente aqueles que estão relacionados com o papel do Estado. Parecem! Obviamente, merece destaque o Serviço Nacional de Saúde, mas há outros domínios que devem merecer reflexão. Até pelos efeitos que produzem sobre a segurança e saúde das populações, directamente nas rurais, subsequentemente nas urbanas.

Infelizmente, no que respeita à política florestal, os incêndios catastróficos têm sido insuficientes para a alteração da doutrina que tem feito o histórico dos últimos trinta anos. Mas, não são só os incêndios. Pragas e doenças proliferam pelo território. Más práticas colocam em causa solos, recursos hídricos e a biodiversidade. Um histórico de delapidação dos recursos naturais, de desvalorização dos territórios, de acréscimo de insegurança para as populações. Um histórico de esvaziamento dos instrumentos públicos de política florestal, seja ao nível da autoridade florestal nacional, na investigação florestal, bem como na transmissão do conhecimento e na regulação dos mercados. Estes últimos, claramente a operar em concorrência imperfeita, ou seja, dominados pelos interesses de sectores industriais, mais preocupados com a distribuição de dividendos, do que em estabelecer relações de equilíbrio com quem, no terreno, produz os bens que os espaços florestais e agroflorestais proporcionam.

Dos instrumentos privados de política florestal, apesar do crescimento registado nas três últimas décadas, designadamente em associações de produtores, constata-se uma recorrente dependência de fundos públicos. Globalmente, têm-se mostrado incapazes de substituir as perdas associadas ao esvaziamento das entidades públicas. Concretamente, no que respeita à transmissão do conhecimento e na melhoria do rendimento dos seus representados. Estes, são domínios fundamentais para assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais, a valorização dos territórios e a segurança e saúde das populações, rurais e urbanas.

Tendo presente o histórico e a doutrina que o forjou, há que aproveitar o presente momento para reflectir sobre que futuro queremos para o território e para os seus espaços florestais e agroflorestais, bem como, quais os instrumentos essenciais para levar a cabo as medidas de política que sirvam à concretização das escolhas efectuadas.

Se as escolhas para o futuro assentarem na prossecução dos princípios e objectivos estabelecidos na Lei de Bases da Política Florestal, aprovados em 1996 e engavetados logo de seguida, parece-nos fundamental a aposta em quatro pilares:
  • O reforço de meios técnicos e materiais da autoridade florestal nacional, designadamente ao nível da fiscalização, re-equacionando a recuperação do Corpo Nacional da Guarda Florestal;
  • O rejuvenescimento dos quadros da investigação florestal pública, descentralizando a sua intervenção e privilegiando acções que reforcem a capacidade de intervenção sustentada e sustentável do sector florestal;
  • A recuperação de um instrumento de transmissão do conhecimento gerado, um serviço de extensão de cariz público, ou público-provado, a operar em conjunto com organizações associativas da produção florestal; e,
  • A reconstrução de um instrumento de regulação dos mercados, por forma a garantir um equilíbrio mínimo que assegure segurança para o território e para as populações.


O aumento da área florestal na posse do Estado, como previsto na Lei de Bases, é fundamental. Não apenas para preservar e conservar espécies e habitats, mas também para assegurar produções de maior retorno no investimento, ou sistemas de produção mais próximos da natureza. É igualmente fundamental para a criação de centros de ensaio e demonstração, em apoio à gestão privada

Na gestão privada, há que reformular a equação do rendimento silvícola e agro-silvo-pastoril, incorporando nesta a remuneração dos serviços dos ecossistemas. Remuneração essa estabelecida em regime de prestação de serviços à sociedade, devidamente assessorados e fiscalizados por adequados instrumentos de política florestal. Seja por um serviço de extensão, seja pela autoridade florestal nacional.

Para quem critica o mais Estado, sim temos de recuperar o esvaziamento interessado a que foi submetido. Todavia, o que aqui se defende é, sobretudo, melhor Estado. Seja ao nível da Administração, seja numa intervenção mais responsável por parte dos agentes privados.


Paulo Pimenta de Castro

Engenheiro silvicultor
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal



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