quinta-feira, 20 de maio de 2021

Vão ser queimadas árvores em Abrantes?

Conforme anunciado há dias, a TrustEnergy, acionista maioritário da Tejo Energia, quer converter a central a carvão do Pego, em Abrantes, num centro “renovável” de produção de energia “verde”. Assim, em alternativa ao desmantelamento desta unidade, o acionista pretende passar a queimar “resíduos” florestais para a produção de eletricidade. Anuncia ainda a produção de hidrogénio. “Verde”, com certeza!

 

Vamos por partes! Criou-se a ideia bizarra de que na floresta se geram resíduos. Nada mais falso! Na floresta gera-se matéria orgânica. Na condução cultural de povoamentos florestais geram-se sobrantes, matéria orgânica que não integra o produto principal da atividade silvícola. Num país de solos empobrecidos em matéria orgânica estes sobrantes são uma mais-valia enquanto fertilizante orgânico. Queimar essa fração corresponde a debilitar ainda mais os solos e reduzir a sua capacidade para armazenar água. Solos e água, como nos dizem de quão iremos depender ainda mais deles num futuro próximo?

 

Mas, serão mesmo “resíduos” florestais que se andam a queimar para a produção de eletricidade? A dúvida desvanece-se quando vislumbramos os parques de receção de matéria-prima das centrais de queima de biomassa florestal ou das unidades de fabrico de pellets de madeira. A esmagadora maioria do que por lá se vê são troncos de árvores. Troncos de dimensões, em diâmetro, que poderiam ser utilizadas para a produção de bens de ciclo longo de sequestro de carbono, como madeira para construção ou para mobiliário. Mas, não! São queimados troncos de árvores com os rótulos de “renovável” e de “verde”.

 

Mas, no caso da central do Pego existirão “resíduos locais” em quantidade suficiente para alimentar uma central que tem hoje uma potencia instalada superior a 600 megawatts? Que impacto terá a remoção desses “resíduos” nos ecossistemas locais? Qual o impacto desta unidade na sobre-exploração dos recursos lenhosos na região? Região onde predominam as plantações de eucalipto e onde a indústria papeleira marca presença forte. Importa ter em conta que a utilização de “resíduos” florestais em Abrantes conflitua com a anunciada escassez de madeira para as unidades de produção de pasta e papel, localizadas em Constância e em Vila Velha de Ródão. Há dias, a indústria papeleira queixou-se de estar a importa rolaria da Galiza e de Moçambique.

 

Será que a queima de material lenhoso anunciado para Abrantes irá ter impacto nos incêndios florestais? Esse impacto será positivo ou negativo? De facto, tende mais a ser negativo do que positivo. A madeira ardida é uma fonte de matéria-prima mais barata e com menor teor de humidade.

 

O curioso é este anúncio se verificar após o envio para reavaliação da proposta da Comissão Europeia para a Diretiva de Energia Renováveis, que esteve em consulta pública até ao passado dia 9 de fevereiro. Reavaliação face às múltiplas criticas surgidas sobre o impacto da queima de biomassa na biodiversidade, nos solos e nos recursos hídricos. Aliás, críticas desenvolvidas por um vasto conjunto de cientistas. Vamos ouvir a Ciência?

 

E quando ao balanço de emissões? Estudos indicam que a produção de eletricidade a partir da queima de madeira produz mais emissões de gases de efeito estufa. Na verdade, a queima de madeira para energia não passa de um retrocesso civilizacional, a 1850!

 

Quanto ao hidrogénio, será mesmo “verde”? Depende! Se a fonte de energia utilizada para a hidrólise for o gás natural, o hidrogénio será “cinza”. Mas, se a fonte for a queima de árvores, o hidrogénio será “vermelho”. Em causa estão os referidos impactes nos ecossistemas.

 

Mas, os cidadãos podem ficar despreocupados. A anunciada aposta da TrustEnergy  só se concretizará através de forte subsidiação pública. O negócio é tão bizarro, do ponto de vista da racionalidade financeira, que só se efetivará com um forte suporte pelos contribuintes.

 

Por último, estes anúncios têm sempre por trás a chantagem do impacto no emprego. Mas, os postos de trabalho que esta central hoje representa podem ser convertidos. Entre outros, para a produção de energia calorífica. Nomeadamente, através da retirada controlada de sobrantes da atividade silvícola para apoio energético a unidades da indústria agroalimentar ou de infraestruturas sociais.

 

Por Paulo Pimenta de Castro


No Público, em https://www.publico.pt/2021/05/20/opiniao/opiniao/vao-queimadas-arvores-abrantes-1963361