Conforme
anunciado há dias, a TrustEnergy, acionista
maioritário da Tejo Energia, quer converter a central a carvão do Pego, em
Abrantes, num centro “renovável” de produção de energia “verde”. Assim, em
alternativa ao desmantelamento desta unidade, o acionista pretende
passar a queimar “resíduos” florestais para a produção de eletricidade.
Anuncia ainda a produção de hidrogénio. “Verde”, com
certeza!
Vamos por partes! Criou-se a ideia
bizarra de que na floresta se geram resíduos. Nada mais falso! Na floresta
gera-se matéria orgânica. Na condução cultural de povoamentos florestais
geram-se sobrantes, matéria orgânica que não integra o produto principal da atividade
silvícola. Num país de solos empobrecidos em matéria orgânica estes sobrantes
são uma mais-valia enquanto fertilizante orgânico. Queimar essa fração
corresponde a debilitar ainda mais os solos e reduzir a sua capacidade para
armazenar água. Solos e água, como nos dizem de quão iremos depender ainda mais
deles num futuro próximo?
Mas, serão mesmo “resíduos” florestais
que se andam a queimar para a produção de eletricidade? A dúvida desvanece-se
quando vislumbramos os parques de receção de matéria-prima das centrais de
queima de biomassa florestal ou das unidades de fabrico de pellets de
madeira. A esmagadora maioria do que por lá se vê são troncos de árvores.
Troncos de dimensões, em diâmetro, que poderiam ser utilizadas para a produção
de bens de ciclo longo de sequestro de carbono, como madeira para construção ou
para mobiliário. Mas, não! São queimados troncos de árvores com os rótulos de
“renovável” e de “verde”.
Mas, no caso da central do Pego existirão
“resíduos locais” em quantidade suficiente para alimentar uma central que tem
hoje uma potencia instalada superior a 600 megawatts? Que impacto terá a
remoção desses “resíduos” nos ecossistemas locais? Qual o impacto desta unidade
na sobre-exploração dos recursos lenhosos na região? Região onde predominam as
plantações de eucalipto e onde a indústria papeleira marca presença forte.
Importa ter em conta que a utilização de “resíduos” florestais em Abrantes
conflitua com a anunciada escassez de madeira para as unidades de produção de
pasta e papel, localizadas em Constância e em Vila Velha de Ródão. Há dias, a
indústria papeleira queixou-se de estar a importa rolaria da Galiza e de
Moçambique.
Será que a queima de material lenhoso
anunciado para Abrantes irá ter impacto nos incêndios florestais? Esse impacto
será positivo ou negativo? De facto, tende mais a ser negativo do que positivo.
A madeira ardida é uma fonte de matéria-prima mais barata e com menor teor de
humidade.
O curioso é este anúncio se verificar
após o envio para reavaliação da proposta da Comissão Europeia para a Diretiva
de Energia Renováveis, que esteve em consulta pública até ao passado dia 9 de fevereiro.
Reavaliação face às múltiplas criticas surgidas sobre o impacto da queima de
biomassa na biodiversidade, nos solos e nos recursos hídricos. Aliás, críticas
desenvolvidas por um vasto conjunto de cientistas. Vamos ouvir a Ciência?
E quando ao balanço de emissões? Estudos
indicam que a produção de eletricidade a partir da queima de madeira produz mais
emissões de gases de efeito estufa. Na verdade, a queima de madeira para energia
não passa de um retrocesso civilizacional, a 1850!
Quanto ao hidrogénio, será mesmo
“verde”? Depende! Se a fonte de energia utilizada para a hidrólise for o gás
natural, o hidrogénio será “cinza”. Mas, se a fonte for a queima de árvores, o
hidrogénio será “vermelho”. Em causa estão os referidos impactes nos
ecossistemas.
Mas, os cidadãos podem ficar
despreocupados. A anunciada aposta da TrustEnergy
só se concretizará através de forte subsidiação
pública. O negócio é tão bizarro, do ponto de vista da racionalidade
financeira, que só se efetivará com um forte suporte pelos contribuintes.
Por último, estes anúncios têm sempre
por trás a chantagem do impacto no emprego. Mas, os postos de trabalho que esta
central hoje representa podem ser convertidos. Entre outros, para a produção de
energia calorífica. Nomeadamente, através da retirada controlada de sobrantes
da atividade silvícola para apoio energético a unidades da indústria agroalimentar
ou de infraestruturas sociais.
Por Paulo Pimenta de Castro
No Público, em https://www.publico.pt/2021/05/20/opiniao/opiniao/vao-queimadas-arvores-abrantes-1963361
Sem comentários:
Enviar um comentário