De acordo com os dados do Sistema Europeu de
Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS,
na sigla em inglês), em 2021 e até ao presente, já arderam em Portugal mais de
10 mil hectares, na grande maioria áreas de matos.
Dez mil hectares são o equivalente à superfície do concelho de Lisboa. Imagine-se a entrar na capital por Algés e sair por Sacavém e só ver área ardida!
No último quinquénio, o nosso país tem ocupado as duas primeiras posições, com prevalência para a primeira. E não foi apenas em 2017. Antes deste último quinquénio, não raras vezes, Portugal destacou-se como o estado-membro com a maior área ardida da União.
Não é de esperar grande alteração de rumo nas próximas décadas, mais ainda com as ameaças decorrentes das mudanças climáticas. Isto, apesar dos anunciados planos de reordenamento e gestão da paisagem (PRGP). Importa salientar a profusão de planos que o país tem produzido nas últimas décadas. Um exemplo recente é o do defunto Plano de Revitalização do Pinhal Interior, coordenado no passado Governo pelo actual secretário de Estado das Florestas.
É importante planear e, neste contexto, os vários PRGP definidos para o território continental português podem ter um papel positivo. Terão, se não se ficarem pelo papel.
É um erro, mas vamos nesta abordagem secundarizar o papel da presença do Estado no interior, seja ao nível da Saúde, da Educação, da Justiça ou da Segurança. Presença essa fundamental para assegurar a fixação e o reforço das populações em meio rural. Vamos centrar-nos apenas nos planos de ordenamento para o território. É certo que, com novas tecnologias, se podem ganhar guerras sem envolver exércitos. Mas alguém imagina vir a ser possível executar um plano de ordenamento, assente num modelo de combate ao despovoamento, à desertificação e às ameaças das alterações climáticas sem um “exército”? Sem um instrumento de apoio técnico e comercial, de grande proximidade, para impulsionar a tão desejada alteração da paisagem? Curiosamente, o ensino profissional florestal, que poderia dar uma resposta mais rápida nessa mudança, é hoje uma inexistência. Portugal não dispõe de um serviço de extensão rural, muito menos florestal. Quem quer intervir no território está por conta e risco, sem uma ligação fixa à Investigação. Fixa e bidireccional.
Para além de produtividades miseráveis, a produção florestal enfrenta uma discrepante desigualdade na distribuição da riqueza produzida. É, face ao risco de incêndio, como da proliferação de pragas e de doenças, quem assume o maior risco nas várias fileiras silvo-industriais. Argumenta-se, num texto patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e RTP3, que a produção florestal vale tostões, num apelo claro a maior envolvimento pecuniário por parte dos contribuintes nos custos da mesma. Todavia, também se argumenta, em múltiplas publicações, que o sector silvo-industrial nacional tem um peso considerável no PIB e nas exportações portuguesas. Afinal, onde ficamos?
Porque valerá tostões a produção florestal e é de alto valor o sector silvo-industrial nacional? Haverá equilíbrio nas relações comerciais, na formação dos preços, ou será mais fácil colocar os custos destes desequilíbrios em terceiros, em todos nós? Na prática, a satisfação desse apelo resultaria em maior apoio indirecto ao sector industrial. Querem abordar a questão pela via da remuneração dos serviços dos ecossistemas? Certo! Mas, nessa conversa há espaço muito limitado para as plantações lenhosas.
Na alteração deste desequilíbrio comercial as autarquias têm um papel fundamental, entre outros, no contributo para a concentração e valorização das produções locais. Afinal, tem sido o desequilíbrio provocado por um modelo extractivista que tem proporcionado o aumento dos riscos nos seus territórios.
Hoje, o modelo de extracção de madeira numa vasta área do nosso território entrou em colapso. Sinal desse colapso é a epidemia de plantações de eucalipto ao abandono. Abandono esse, com uma dimensão tal, em particular na região do Centro, que coloca em causa qualquer investimento em replantações ou reconversão. Nem a melhor da gestão consegue superar tamanhos riscos. Exemplo disso, partindo do pressuposto de que são bem geridas as áreas detidas pelas empresas de celulose, importa relembrar que em 2017 lhes ardeu, só em área de eucaliptal, o equivalente à superfície do concelho de Lisboa.
Para além de outras medidas e instrumentos, dificilmente se atenuarão os riscos provocados pelos incêndios, mas também pela proliferação de pragas e de doenças, sem a presença, em proximidades, de um “exército” para apoio técnico e comercial. Nem sem uma efectiva regulação dos mercados. Curiosamente, em 1989 foi cirurgicamente desmantelada a entidade reguladora dos mercados de produtos florestais.
No que diz respeito à problemática dos incêndios não podemos ficar pelos discursos do combate, da prevenção ou da gestão e ordenamento. A discussão em torno da distribuição da riqueza é fundamental. Não, a produção florestal não tem de valer tostões! Mas, enquanto valer tostões Portugal continuará a ter destaque nos lugares cimeiros em área ardida relativa a nível mundial. Muitas Lisboas arderão.
Por Paulo Pimenta de Castro
No Público, em: https://www.publico.pt/2021/06/08/opiniao/opiniao/ano-ja-ardeu-lisboa-1965609?fbclid=IwAR1V4fjKCout83FBiEosMwZVJMRBdM8vypmUuloCQMtoHOnS9zfQH_2psOs
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