segunda-feira, 12 de abril de 2021

Gomes da Silva e as celuloses, há coerência!

 

Uma semana após a deflagração dos incêndios de 17 de Junho de 2017, com as chamas ainda a lavrar, o ex-secretário de Estado das Florestas Francisco Gomes da Silva, que acompanhou a ex-ministra Assunção Cristas, foi dos primeiros a reagir publicamente, neste mesmo jornal, contra a medida do programa do governo de António Costa, de 2015, de condicionar a expansão em área do eucalipto em Portugal. Medida essa que viria afinal a ser decidida pelo Parlamento, já em Agosto de 2017, com entrada em vigor só no final desse ano, ou seja, após os catastróficos incêndios de Outubro. Na carta aberta endereçada ao primeiro-ministro, com data de 24 de Junho, Gomes da Silva pede que “atue ativamente para não estigmatizar nenhuma das espécies florestais, nomeadamente o eucalipto”, chegando a sugerir que para as políticas florestais futuras o próprio poderia disponibilizar ao primeiro-ministro uma “lista de uma dezena de nomes: académicos, técnicos de empresas privadas, funcionários públicos”. Todavia, o primeiro-ministro já havia recorrido a um dos potenciais membros dessa “lista” em 2016, ao nomear um já tradicional protagonista da porta giratória existente entre as celuloses e os governos da República. No caso, o actual presidente da Agência para a Gestão Integrada de Incêndios Rurais. Bom, talvez não seja difícil adivinhar o restante elenco da “lista”, integrantes de um contestado manifesto de Novembro de 2018.

Importa relembrar que na área ardida no grande incêndio de Pedrogão Grande, que afectou ainda os concelhos vizinhos de Figueiró dos Vinhos e de Castanheira de Pêra, as plantações de eucalipto representaram mais de 60% da mesma. Já no grande incêndio de Góis, ocorrido na mesma altura, o eucalipto marcou presença em quase 60% da área ardida. Nesse ano arderam cerca de 122 mil hectares de plantações de eucalipto, ou seja, o equivalente a mais de 12 vezes a superfície da capital portuguesa. Só nesse ano arderam 10,7 mil hectares de plantações de eucalipto sob gestão directa das empresas de celulose, ou seja, o equivalente a pouco mais da área total do concelho de Lisboa.

Francisco Gomes da Silva ingressou no governo de Pedro Passos Coelho em substituição de Daniel Campelo do CDS-PP. Se o seu antecessor havia posto alguns grãos de areia na engrenagem no processo de aprovação da “lei que liberaliza a plantação de eucalipto” (Regime Jurídico das Acções de Arborização e Rearborização), Francisco Gomes da Silva foi ao governo para retirá-las. Em contrapartida, parou o processo de realização do cadastro rústico, bandeira assumida por Daniel Campelo.

O ex-secretário de Estado parece querer ocultar que, ao invés da monocultura, o eucalipto espalha-se em Portugal, sobretudo, sob a forma de epidemia, que essa epidemia tem impacto nos preços pagos à produção nacional. Todavia, para alguns clientes industriais da empresa de que é (ou foi) sócio-gerente, o excesso de oferta na produção de rolaria de eucalipto permite-lhes controlar unilateralmente os preços de aquisição desta a seu bel-prazer. O preço da rolaria de eucalipto à porta da fábrica contrai desde 1995. O seu impacto é devastador para o território, directamente sobre as populações rurais, colateralmente sobre as populações urbanas.

Com alguma surpresa, apenas porque o histórico era o da nomeação de funcionários das empresas associadas, foi agora noticiada a nomeação de Gomes da Silva para director da associação que representa as empresas de celulose a operar em Portugal. Concorde-se ou não, há, pelo acima evidenciado, coerência nesta nomeação do ex-secretário de Estado. Não é, aliás, caso invulgar a nomeação de ex-governantes para funções dirigentes em grandes empresas ou para o sector financeiro. Nem se pode enquadrar Gomes da Silva como protagonista das portas giratórias existentes entre este sector e órgãos do poder executivo e da Administração Pública, como aconteceu com um seu antecessor, no mesmo pelouro governamental, em 2003. Não é de prever um exercício fácil do novo cargo, num sector que está “a caminha no pior sentido”.



Paulo Pimenta de Castro

No jornal Público (online) em:  https://www.publico.pt/2021/04/12/opiniao/opiniao/gomes-silva-celuloses-ha-coerencia-1958235

 

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