quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A “visão” de Costa Silva e as florestas

A “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, da autoria de António Costa Silva, formulada a pedido do primeiro-ministro, no que respeita às florestas não passa de uma amálgama de lugares comuns. Algo habitual em programas eleitorais, que atropelam conceitos para elaborar frases redondas.

 

Para que o título deste artigo não ficasse demasiado longo, a abordagem que aqui se faz às “florestas” respeita apenas ao arvoredo cultivado para fins industriais. A definição de florestas, hoje fruto de intensas discussões a nível internacional, presta-se a distintas abordagens, desde as inseridas na área da preservação da natureza até à produção intensiva de madeira para triturar. Fiquemo-nos assim pela também designada “floresta cultivada”.

 

Neste domínio, a “visão” de Costa Silva ignora a existência de uma Lei de Bases da Política Florestal. Lei aprovada por unanimidade na Assembleia da República há 24 anos, na qual estão inscritos princípios e objectivos que, a terem sido seguidos, poupariam o país, território e populações, de parte significativa das catástrofes que se nos tornaram habituais. E a referência não é apenas aos incêndios florestais, mas também à incontrolável proliferação de pragas e de doenças.

 

A “visão” de Costa Silva ignora também a existência de uma Estratégia Nacional para as Florestas, que entrou em vigor em 2006 e foi actualizada em 2015. Talvez por esse facto, para alem das frases redondas, não são visíveis prioridades. Na “visão” de Costa Silva assume prioridade a continuação de uma aposta forte na produção de madeira para trituração, associada a culturas intensivas, seja para celulose ou energia, ou a prioridade passa por produtos de maior valor acrescentado e maior longevidade de sequestro de carbono? Neste último caso, associados à produção de madeira para serração, à resina ou à cortiça. Não basta afirmar a preocupação com as emissões de gases de efeito estufa, ou defender a intenção de descarbonizar a economia. Há que definir uma visão consequente.

 

Talvez por ignorar a Estratégia Nacional para as Florestas, embora se refira a necessidade de reformular a equação do rendimento silvícola, não se vislumbra uma aposta na investigação e, sobretudo, em extensão, tendo em vista cumprir metas mínimas de produtividade. Por exemplo, no eucalipto para celulose a media unitária nacional persiste hoje em estar apenas um pouco acima de metade da definida na Estratégia. Na “visão” de Costa Silva, deve o país manter a aposta num excesso de quantidade, para controlar preços à produção, ou deveria apostar em qualidade por área, reduzindo os riscos para o território e suas populações?

 

Ao ignorar a Lei de Bases e a Estratégia Nacional segue um padrão de bipolaridade praticada pelos vários governos liderados pelo Partido Socialista. Muda de agulha consoante a tendência dominante no partido. Ora é pela Lei, ora é por ignorá-la. Ora é por uma Estratégia, ora é pelo seu engavetar. Todavia, os ciclos de crescimento das árvores, mesmo do eucalipto, não são compatíveis com esta rapidez de mudança de agulha.

 

Apesar das recomendações internacionais, vislumbra-se uma ténue aposta nos sistemas agro-florestais. Estes defendidos como mais adequados à adaptação às alterações climáticas.

 

Por último, persiste nesta “visão” a farsa da aposta na biomassa florestal “residual” para energia. Será para produzir calor ou electricidade e combustível? Consoante a opção, as repercussões são distintas. Para unidades fabris de que dimensões? O autor desta “visão” já fez contas, já definiu um plano de negócio para a queima de biomassa florestal “residual” para energia? Bastaria visitar alguns parques de recepção de matéria prima para ver como funciona o negócio. Funciona, mal, com biomassa, mas pouco “residual”. Na verdade, queima sobretudo troncos de árvores. Ora, num país que, segundo dados do INE, regista uma contração da área agro-florestal e florestal, já nem as árvores existentes asseguram o negócio na sua actual dimensão de queima. O que a “visão” de Costa Silva defende é a proliferação de extensas plantações de culturas energéticas? Haja água e aposta na biodiversidade que aguente! Isto para alimentar uma indústria que emite mais dióxido de carbono do que a queima de gás natural. Verde? Só se for da cor das notas da subsidiação pública que sustentam esta farsa.

Paulo Pimenta de Castro

Engenheiro silvicultor

 

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