O anúncio de uma reforma causa sempre alguma expectativa, mais
ainda quando incide sobre uma área onde são evidentes problemas graves, com
impacto nacional, europeu e internacional. Este é o caso da mais recente
iniciativa governamental sobre as florestas e o sector florestal.
Existem dois modelos de abordagem à situação da floresta em
Portugal, como aliás nos espaços rurais em geral:
- um mais tradicional, desenvolvido do topo para a base, ou da
satisfação das necessidades de uma procura externa aos espaços rurais e em
expansão, que utiliza o território como fonte para negócios protegidos e especulativos,
que no topo sustenta empresas com um elevado rácio de volume de facturação por
trabalhador; e,
- um outro, sistematicamente desprezado, que deveria ser
desenvolvido da base para o topo, ou da necessidade da valorização do
território, das populações rurais, partindo de uma oferta sustentável para uma
procura socialmente responsável.
O primeiro modelo está na base, há longas décadas, de um processo
de despovoamento rural, de que não é causa única, mas que nele tem o seu
contributo. Ao êxodo rural vem associado um processo de desflorestação, onde
aqui sim, o modelo de abordagem do topo para a base tem exercido, sobretudo nas
últimas duas décadas, um impacto directo. Na sequência destes dois processos
criam-se as condições para a progressão de um outro, o da desertificação.
Esta abordagem, da procura para a oferta, tem tido um impacto negativo
no rendimento das famílias rurais, sendo estas, como se sabe, as principais
detentoras dos espaços florestais em Portugal. O abandono da gestão deste
património tem causas, que muito procuram escamotear.
O alheamento da governação tem sido cúmplice deste modelo de
abordagem. Mais do que um alheamento, tem-se assistido a um verdadeiro
proteccionismo, marcado pela ausência de intervenção em mercados assumidamente
desequilibrados. Aliás, a única intervenção dos governos tem sido no estímulo
ao aumento da concentração da procura, a qual, partindo desse proteccionismo,
tem aproveitado para fazer acrescer o seu domínio sobre uma oferta demasiado
pulverizada, sem poder negocial.
A aposta continuada neste modelo, em que a procura ganha e a
oferta perde, num contexto de utilização de recursos naturais, não pode prosseguir
sem uma participação da sociedade, a qual tem sido chamada a compensar, sem o
conseguir, a parte perdedora. Justifica-se assim a subsidiação pública às
florestas com um retorno em desflorestação. A irresponsabilidade das partes tem
ainda contribuído para o aumento de uma oferta de risco, com impactos
catastróficos a nível nacional, europeu e internacional.
A prosseguir com este modelo de abordagem será difícil esperar
outros resultados que não os que o país tem assistido, desde os mais mediáticos,
como os incêndios, aos menos, como a proliferação de pragas e de doenças, com a
desflorestação a assumir contornos de incontrolável.
Com base neste modelo de abordagem, onde as exportações surgem
como justificativa, tem-se permitido o aumento da capacidade industrial
instalada, apesar de uma situação de sobre-exploração dos recursos florestais
identificada há 20 anos. É certo que parte dos recursos explorados são
renováveis. Todavia, a desflorestação em curso põe em causa o sucesso de qualquer
estratégia antes definida para essa renovação.
É certo que se podem criar mecanismos para mascarar os impactos negativos
deste modelo. Infelizmente, o negócio da certificação florestal tem-se
prestado, em Portugal, a esse exercício. Na base desta prestação estão os
incumprimentos à lei e o desrespeito pelos princípios subjacentes aos próprios sistemas
de certificação.
Uma outra estratégia de criação de máscara passa pela ênfase,
muito do apreço dos responsáveis políticos, do aumento do número de
organizações de produtores florestais. Neste âmbito, importa explicar o facto
de este aumento corresponder, no tempo, a um decréscimo do rendimento na
silvicultura. Poder-se-á considerar que tais organizações têm maior enfoque no
fomento florestal, não tanto no final do ciclo. Mas, neste caso, como explicar
o facto de esta aposta, apoiada por generosos fundos públicos, ter
correspondido, também no tempo, com uma acentuada desflorestação, caso único na
União Europeia segundo a FAO e o Eurostat.
Mas, não haverá alternativa? Claro que sim, há sempre alternativa,
mas essa passa por uma aposta nas pessoas que detêm os espaços florestais e não
em aumentos de dividendos a accionistas externos ao meio rural.
Deixamos para outra oportunidade as sugestões para o segundo modelo
de abordagem. Por agora, importa realçar o facto da reforma anunciada
recentemente para este sector pecar, não pelo que nela consta, mas pelo que
nela está ausente. Mais grave, o que nela está ausente não se evidencia sequer
no Programa do Governo. Esta ausência acentua a certeza de uma aposta no
primeiro modelo de abordagem às florestas em Portugal.
Paulo
Pimenta de Castro
Presidente
da Direção da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal
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