(Artigo publicado no jornal Público, a 25 de Julho de 2018)
Em 2009,
o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade elaborou uma
proposta para classificar o eucalipto como espécie invasora. Todavia, sem que
fosse revelado o motivo, a proposta desapareceu. Em Portugal, uma decisão
sobre o carácter invasor do eucalipto terá suporte científico ou os interesses
financeiros sobrepor-se-ão?
De acordo com a lei,
espécie invasora é aquela que é susceptível de, por si própria, ocupar o
território de uma forma excessiva, em área ou em número de indivíduos,
provocando uma modificação significativa nos ecossistemas. Os eucaliptos, a par
das acácias e das háqueas, são espécies não indígenas (exóticas). Importa ter
em atenção que, as espécies não indígenas, com carácter invasor e já introduzidas
na Natureza terão de ser objecto de um plano nacional com vista ao seu controlo
ou mesmo à sua erradicação.
O eucalipto ocupa cerca de 10% da superfície de Portugal, a maior área
relativa de plantações de eucalipto a nível mundial.
No final de 2017,
em Espanha, o Comité Científico do Ministério da Agricultura, Pesca,
Alimentação e Meio Ambiente, por unanimidade, emitiu um parecer para a inclusão
do eucalipto no Catálogo
Espanhol de Espécies Exóticas Invasoras. Por cá, o mesmo foi defendido no Guia
Prático para a Identificação de Plantas Invasoras em Portugal
Continental, publicado pela Universidade de Coimbra.
Já em 2018,
o Governo espanhol decidiu ignorar o parecer do seu Comité Científico. As
plantações de eucalipto representam 3% da superfície florestal espanhola e 32%
da madeira consumida pele indústria papeleira naquele país. Em Portugal estão
razoavelmente bem identificadas as portas giratórias entre o exercício de
cargos públicos, incluindo funções governamentais, e o exercício de cargos privados
na indústria papeleira. Não será, pois, de estranhar que o desfecho registado
em Espanha tenha semelhante resultado em Portugal. A iniciativa tomada em 2009
pelo então ICNB, rapidamente "desaparecida", aponta nesse sentido. A
“fundamentação” financeira sobrepôs-se à fundamentação científica.
Em todo o caso, para além de uma fundamentação
científica ou financeira, existe também a possibilidade de uma decisão judicial
poder considerar uma espécie como invasora. Em Espanha, o Supremo Tribunal, em 2016,
determinou que o E. nitens é espécie invasora e de elevada
perigosidade.
A par do perigo inerente ao carácter invasor,
no caso específico nacional, importa ainda ter em conta o carácter epidémico de
dispersão da espécie no território. Com efeito, os dados do Inventário
Florestal Nacional de 2005 (à falta de dados mais recentes), indicam que cerca
de 80% destas plantações são submetidas a uma gestão de abandono. O facto tem
vindo a fazer aumentar a presença das plantações de eucalipto na área ardida total
e na área ardida em espaço florestal. No pós-incêndio não há já dúvidas quanto
ao carácter invasor do eucalipto.
O regresso à discussão pública da classificação
do eucalipto como espécie invasora é central para o ordenamento do território,
para o combate aos incêndios florestais e para o aumento de perspectivas para
uma floresta diversificada e rentável para os proprietários florestais, e não
apenas para as celuloses.
Nota de esclarecimento:
No passado dia 4 de Julho, o arquitecto
paisagista Henrique Pereira dos Santos assinou neste jornal um artigo de
opinião "O
Estado e o Eucalipto", acerca do livro “Portugal em Chamas
– Como Resgatar as Florestas”, do qual sou co-autor com João Camargo. A
tese do artigo de opinião é de que o livro é "tecnicamente muito
mau". Para atacar a credibilidade do livro, além de abundante adjectivação,
Pereira dos Santos utilizou como única referência uma frase truncada acerca de
florestas, cortando-a a meio e descontextualizando-a. A frase original, como
todos os capítulos do livro, tem por base extensa bibliografia consultada e
referenciada. Nesse sentido, erguemo-nos sobre os ombros de gigantes, com a
devida citação. As questões originais do livro podem e devem ser discutidas - o
novo regime de fogos, a epidemia de eucaliptos, a maior área relativa de
eucalipto do mundo com o favor dos governos, aquilo que podemos fazer para
mudar a situação - e cá estamos para essa discussão. Mas para isso é preciso um
mínimo de argumentos. Não se pode atacar a credibilidade técnica de um
livro utilizando para isso uma frase que nem sequer existe no mesmo.
Foto de Olinda Gama
Paulo Pimenta de Castro
Presidente da Direcção da Acréscimo –
Associação de Promoção ao Investimento Florestal
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