segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Florestas e promessas


Aproxima-se um novo acto eleitoral. Como é habitual, antecede-o um período de anúncio de “boas” intenções.

Face aos acontecimentos dos últimos anos, o interior, as florestas e a silvicultura tendem a usufruir de maior destaque no rol eleitoral das “boas” intenções. Há que relembrar que, por três anos consecutivos, Portugal registou a maior área ardida no conjunto de Estamos Membros da União Europeia (em 2016, 2017 e 2018). O número de vítimas e danos subsequentes foi catastrófico. O território evidencia um elevadíssimo risco, em crescimento. A protecção e o socorro às populações teve, na presente legislatura, um dos seus piores desempenhos, se não o pior dos últimos 50 anos. Deste modo, da situação e da oposição são de esperar anúncios de soluções virtuosas, contidas em “programas”, “planos”, “estratégias”, ou “reformas” e mais diplomas legislativos. Destes últimos, à quantidade tem correspondido cada vez maior área ardida.

Há que ter ainda presente que, no que respeita às florestas e à actividade silvícola, Portugal dispõe de uma Lei de Bases. Uma Lei aprovada por unanimidade no Parlamento, há já quase um quarto de século. Se os princípios e objectivos expressos na Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto, tivessem sido o rumo, muito provavelmente, a situação no país e do país face ao exterior seria substancialmente diferente. O que é facto é que os muitos “programas”, “planos”, “estratégias”, “reformas” e a legislação produzida para lhes dar contexto acabou por não nos aproximar do enunciado nesses princípios e objectivos. Pelo contrário, o rol de “boas” intenções foi, em demasiados casos, orientado por protagonismos e na defesa de interesses deixados instalar e reforçar junto dos órgãos decisórios. Pagamos o preço, todos! Um preço elevado.

O facto é que, tais “programas”, “planos”, “estratégias”, “reformas”, em especial a do ministro Capoulas Santos, foram incapazes de contemplar o aumento da produtividade dos espaços florestais, numa óptica do uso múltiplo dos recursos e da sua sustentabilidade. Não foi respeitada a manutenção da floresta enquanto recurso indissociável de outros recursos naturais, como o solo, a água, o ar, a fauna e a flora, tendo em vista a sua contribuição para a estabilização da fixação do CO2 e como repositório de diversidade biológica e genética. O facto é que, no rol de “programas”, “planos”, “estratégias” e “reformas”, a espécie que mais foi fomentada, em especial pelo actual governo, foi o de uma espécie exótica, sem que tal tenha contribuído sequer para o acréscimo da produtividade unitária, hoje miserável. As produções que têm tido destaque são as associadas a bens de ciclo curto de fixação de carbono (madeira triturada), em detrimento de bens de ciclo longo, decorrentes da utilização da cortiça e da madeira serrada. Pior, perspectiva-se o uso da rega para a produção de madeira, em período de aumento de escassez para fins prioritários, como o consumo humano e a produção agro-alimentar, bem como o retrocesso civilizacional associado à queima de árvores para a produção de electricidade.

Dos objectivos expressos na Lei, está longe de ter sido assegurada a melhoria do rendimento global dos agricultores e produtores florestais, como contributo para o equilíbrio socio-económico do mundo rural. Pelo contrário, o rendimento silvícola está hoje longe dos valores registados em 2000 e iniciou, na presente legislatura, um novo período de queda (em 2016 e 2017). Ora, o rendimento é essencial para garantir a gestão dos espaços rurais. Gestão essa que deve contemplar obrigatoriamente a prevenção dos riscos, retirando protagonismo ao combate, quer aos incêndios, quer à proliferação de pragas e de doenças. Num país de florestas privadas, o avanço em contramão face a este objectivo justifica grande parte da actual situação de catástrofe

Neste contexto, conforme o previsto na Lei de Bases, devem os eleitores exercer o direito de avaliar adequadamente as “boas” intenções anunciadas pelas diferentes forças partidárias designadamente quanto à sua relação com os princípios e objectivos expostos na Lei.  Até hoje, tem-se avançado em sentido contrário.

Os riscos da não avaliação cívica, neste domínio, são enormes. Não só para as populações rurais, mas também para as urbanas. Entre outros aspectos, na contaminação do ar que respiram, na qualidade da água que consomem. Ninguém está imune, nem sequer além-fronteiras.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro silvicultor
Presidente da Direcção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal

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