Projecções indicam que Portugal terá, num futuro próximo, maior
frequência e maior duração de ondas de calor. Será que temos hoje o território
preparado para enfrentar dias de temperaturas mais elevadas, ventos mais fortes
e humidades mais baixas? Não precisam de coincidir todos estes parâmetros ao
mesmo tempo, bastam dois deles ou mesmo apenas um.
Pelo que vivenciámos em 2017 e em 2018, já deu para perceber que temos no território ocupações e comportamentos de elevado risco. E quando as condições meteorológicas são extremas, não há dispositivo de prevenção e combate que nos assegurem não ter a maior área ardida anual absoluta da União Europeia. Aliás, tal como também aconteceu em 2016. Mesmo em 2019 e 2020 não abandonámos o pódio neste indicador. Os impactes ecológicos, sociais e económicos há muito são debatidos. Todavia, sem grande sucesso em termos de alteração de paradigma. Nem grande, nem pequena. Vão-se empurrando os problemas com a barriga. Quiçá novos eventos extremos aconteçam apenas numa próxima legislatura, com outros protagonistas políticos.
A situação há dias reportada pelo Público em Monchique é um exemplo da inércia governamental, da inoperacionalidade da Administração, da irresponsabilidade de agentes económicos, de perigo iminente para as populações. De acordo com o relatado, haverá justificação para, em pleno mês de Julho, se estar a discutir o que fazer a milhares de toneladas de madeira ardida, empilhada e abandonada em plenas áreas de plantações arbóreas? Não, não há justificação! Aliás, nesse território, vários anos após o incêndio de 2018, o que foi feito para atenuar riscos futuros? De essencial, nada!
Mudando do Algarve para a região do Centro. Havendo conhecimento de que, ao contrário do que algumas correntes negacionistas afirmaram, muita da germinação de eucalipto, ocorrida por exemplo em Santa Comba Dão no pós-incêndios de Outubro de 2018, vingaria, constatam-se, quatro anos após, densidades de arvoredo de 804 mil plantas por hectare, com crescimentos hoje superiores a vários metros. Quem irá combater um incêndio que atinja estas áreas? Haverá combate possível?
Será que ainda vale a pena, mais uma vez, frisar a situação actual do território em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande? Registos não faltam.
Os municípios, por muito que venham a captar ou desviem verbas destinados a outros fins para acudir à prevenção de futuros incêndios, nomeadamente os destinados a acções de cariz social, jamais terão capacidade para debelar minimamente um problema de tamanha dimensão. Atente-se, por exemplo, aos esforços desenvolvidos há décadas pela autarquia de Mação. Depois de Agosto de 2017, ficou com que percentagem de área arborizada intacta?
Voltando às projecções científicas sobre o clima, todas apontam para um aumento da temperatura no futuro. Estão já disponíveis estudos para Portugal que associam esse aumento à maior ocorrência de relâmpagos e à probabilidade de mais ignições futuras, no caso, devidas a causas naturais. Com o tipo de ocupação arbórea e de matos que predomina em extensas áreas das regiões do Norte, do Centro e do Algarve, não é difícil prever, a manter-se a actual inércia governamental, que o futuro seja tudo menos risonho.
A inércia governamental respeita a medidas estruturais e integradas, não às conjunturais de produção legislativa avulsa ou de forçar à limpeza de faixas, seja por meios mecânicos, químicos ou pelo uso do fogo. Será preciso muito mais do que isso. Serão necessárias medidas e instrumentos no plano sectorial, mas igualmente outras mais genéricas, entre elas, as de combate ao êxodo rural.
Temos acompanhado, nos órgãos da Comunicação Social o que tem acontecido nos últimos dias no noroeste do Canadá e dos Estados Unidos, com as ondas de calor e os incêndios que as precedem. Por cá, sem uma intervenção séria, rápida e musculada no território, podemos, muito em breve, viver novamente um cenário próximo aos de 2017, ou ao de Julho de 2021 do noroeste da América do Norte.
Vai havendo cada vez menos tempo para actuar. A janela de oportunidade tem-se vindo a fechar e não abrirá apenas com o anúncio de milhões de euros, ou de programas e planos. Disso temos tido em barda!
Paulo Pimenta de Castro
No Público, a 7 de Julho de 2021
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