Nos últimos dias, autarcas do Médio Tejo têm vindo a manifestar
publicamente o seu desagrado por alegadas “contradições” e “desrespeito”, por parte do Governo,
face à conversão da central termoelétrica do Pego da queima de carvão para
biomassa.
O tema da conversão de centrais a carvão para biomassa é cada vez mais controverso, por três fatores principais. Prioritariamente, pelo acréscimo de emissões de gases de efeito estufa, bem como de poluição atmosférica e ruído, com consequências ao nível da saúde pública. Depois, face aos impactos que causa nos ecossistemas naturais e seminaturais, seja em Portugal, noutros Estados Membros da União Europeia e fora dela, designadamente no Canadá, Estados Unidos e Rússia. A alegada utilização de biomassa florestal residual tem-se constatado, na realidade, no abate massivo de árvores. Por último, pelo forte financiamento público que acarretam estas conversões, alegadamente “verdes”, inseridos no rótulo de “transição energética justa”, mas que não passam de “business as usual”. O rótulo “verde” decorre de decisões tomadas em Bruxelas e Estrasburgo, inseridas na Diretiva das Energias Renováveis, onde exerce forte pressão o lóbi energético.
Há que desmistificar ainda dois aspetos. Primeiro, atendendo ao forte impacto que os incêndios florestais têm na bacia hidrográfica do Tejo, será que uma hipotética conversão da central do Pego poderia contribuir para reduzir ou aumentar a área ardida na região? Certo é que a madeira ardida tem um custo de aquisição substancialmente mais baixo (ou mesmo nulo) e o seu teor de humidade foi, por ação do fogo, significativamente reduzido. Estes factos são favoráveis a aquisições para queima neste tipo de centrais. Segundo, ajuda uma central a biomassa a controlar ou a expandir as espécies invasoras? A partir do momento em que a madeira destas espécies se converte em matéria-prima a tendência será sempre a de garantir abastecimentos futuros.
Relativamente ao anunciado projeto da TrustEnergy, uma joint venture entre a francesa ENGIE e a japonesa Marubeni, principal acionista da Central do Pego, mais de 60 organizações nacionais e internacionais manifestaram a sua oposição em carta aberta dirigida ao Governo português e à Comissão Europeia.
Nessa carta, lembraram que na região hidrográfica do Tejo existe já uma fortíssima pressão pela procura de arvoredo. Essa procura manifesta-se para produção de pasta celulósica, em Setúbal, Constância e Vila Velha de Ródão, de madeira para serração, na Sertã, ou mesmo para fins energéticos, por cogeração, em Constância e Vila Velha de Ródão, por queima em centrais a biomassa, no Fundão, ou para produção de pellets de madeira, em Oleiros, em Proença-a-Nova, na Chamusca e em instalação em Coruche.
Há espaço para uma procura de mais 1,1 milhões de toneladas de madeira por ano para o Pego? As empresas de celulose queixam-se já da necessidade de recorrer a importações, designadamente, de Espanha e até de Moçambique. Para além da oposição pública ao projeto já manifestado pela Endesa, a segunda acionista da central do Pego, quais as posições da Navigator e da Altri? Estas últimas, têm forte presença fundiária na região de Abrantes. Sobre a iniciativa da Marubeni e da ENGIE (que tem sido notícia pelas barragens adquiridas recentemente em Portugal), do posicionamento das celuloses nada sabemos. Mas, o Governo saberá! A anunciada torrefação da biomassa, por parte da TrustEnergy, mais parece um tiro no pé. Nessa torrefação cabe bem a rolaria de eucalipto. É de temer que o impacto nas celuloses não tenha sido positivo.
Mas, se o que preocupa os autarcas é a possível perda de postos de trabalho, preocupação muito legítima e que se subscreve, há que lembrar que existem projetos para a região associados às verdadeiras energias renováveis, seja no âmbito da eólica ou da solar fotovoltaica. Incluem-se nestes o já anunciado pela segunda acionista da central. Se as autarquias se empenharem, têm na região todos os meios necessários para uma requalificação dos atuais trabalhadores da central do Pego que, todavia, continuará a queimar gás natural. É, assim, difícil de entender quais os objetivos dos queixumes dos autarcas. Mas, sabemos que este é um ano de eleições e de pressões.
Mais do mesmo? Não! Pior|
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