É importante
contribuir para desmistificar o marketing, hoje com grande difusão, incluindo a
partir de organizações de defesa do ambiente, sobre os veículos movidos a electricidade.
Mais do que o veículo, há que incidir a atenção sobre a forma como é produzida
e armazenada a energia eléctrica. Foquemo-nos aqui na produção da
electricidade.
Para a produção de
energia eléctrica é ainda hoje muito considerável o peso da queima de
combustíveis fósseis, seja carvão, petróleo ou gás, com as emissões associadas
e os impactes ambientais na sua extracção e distribuição. A nível global, a
desejada redução do consumo destes combustíveis está longe de ser visível,
especialmente no que respeita ao carvão. Por esta via, a opção por carro eléctrico
tende a ser ambientalmente similar à opção por novas motorizações a combustíveis
fósseis. O montante de investimento é que difere substancialmente.
Já no que respeita
às fontes de energia classificadas como “renováveis”, importa ter presente que
na União Europeia o recurso à queima de biomassa corresponde a cerca de 68% do
total da energia obtida a partir destas fontes “verdes”. Cerca de 48% é
proveniente da queima de material lenhoso, predominantemente de troncos de
árvores. A produção de electricidade por esta via tem tido impacto devastador na
perda de cobertura arbórea em extensas áreas florestais, quer no Canadá, nos
Estados Unidos e na Rússia. Ou seja, o nosso “verde” tem um elevado custo
ambiental, social e económico sobre populações de países terceiros. Na União,
essa perda também é fortemente registada e inclui áreas da Rede Natura 2000,
pensavam-se destinadas à conservação da natureza.
Entre os principais
fornecedores de troncos de árvores para queima e produção de electricidade
surge Portugal, seja na produção de pellets, essencialmente para
exportação, seja na queima directa em centrais a biomassa profusamente
espalhadas pelo território nacional. Não é de admirar que sejamos o segundo
Estado Membro com a maior perda de áreas naturais e semi-naturais registada
desde 1992. A procura de biomassa florestal para queima há muito que excede a oferta
potencial. Daí resultem danos graves para os solos, o armazenamento de água e
para a biodiversidade.
Este é o paradoxo
que nos deve preocupar. Vão-se queimar árvores para movimentar veículos? O tema
assume especial acuidade face às ameaças das alterações climáticas na bacia do Mediterrâneo.
Este negócio da
queima da biomassa florestal é-nos vendida como medida para a redução dos
incêndios. Através dele, dizem-nos, são extraídos os “resíduos” das florestas. Há,
no entanto, que ter em conta que uma retirada em excesso destes “residuos”
compromete o fundo de fertilidade dos solos. Em grande parte do país, os solos são
já muito pobres em matéria orgânica. Por outro lado, os ditos “resíduos” comprometem
significativamente a eficiência das caldeiras e encarece o processo de produção
industrial. Já a queima de troncos obvia este último aspecto!
Há, ainda, que ter
em conta que este negócio da queima de biomassa é ruinoso. Para ser viável
carece de significativos apoios públicos. Estes decorrem de subsídios não reembolsáveis,
benefícios fiscais e de tarifas acrescidas sobre os consumidores. Fica mais
barato à sociedade o apoio directo aos agricultores e proprietários florestais
para dar outro destino aos ditos “resíduos” florestais. É ainda ambiental e
socialmente mais benéfico este apoio directo, seja na conservação dos
ecossistemas, seja no combate ao êxodo rural, à desflorestação, ao avanço da
desertificação.
A subsidiação desta
indústria energética compromete ainda o emprego nas indústrias das madeiras e
do mobiliário, as que têm maior peso em postos de trabalho no sector
silvo-industrial nacional. Sendo o recurso lenhoso escasso, leva quem pagar
melhor. Melhor pagará quem dispuser, para esse efeito, do suporte dos
contribuintes e consumidores de energia. A concorrência nos mercados madeireiros
fica (ainda mais) distorcida.
Assim, se pensar em
adquirir um carro eléctrico, pense duas vezes. Qual o impacto da sua decisão em
termos de conservação dos solos, dos recursos hídricos e da biodiversidade, mas
também no emprego. Se a opção é não “morrer da doença”, há que não “morrer da
cura”. Não raras vezes, o marketing transforma falsas soluções em “verdades”.
Se o Governo quer
ter um país com menos incêndios, há várias alternativas mais credíveis do que a
queima de biomassa em centrais termoeléctricas.
Engenheiro silvicultor
Versão no Público, editada a 10 de Setembro de 2021.
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