No passado mês de Junho a Comissão Europeia aprovou a Estratégia
da União Europeia para as Florestas, bem como a revisão da Directiva das
Energias Renováveis (RED II).
No âmbito da Estratégia, o
comissário do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, mencionou que «As florestas são uma grande parte da
solução para muitos dos desafios que enfrentamos no combate às crises do clima
e da biodiversidade. São também fundamentais para cumprir as metas
climáticas da União Europeia para 2030. Mas o actual estado de conservação das
florestas não é favorável na União Europeia. Temos de aumentar a utilização de
práticas favoráveis à biodiversidade e garantir a saúde e a resiliência dos
ecossistemas florestais».
No caso de Portugal a preocupação com a perda de
biodiversidade assume especial preocupação, quando um relatório
da OCDE regista o país com a segunda maior perda percentual de áreas naturais e
semi-naturais ocorrida na União Europeia desde 1992.
A Estratégia apresentada em Junho pela Comissão tem sido
objecto de críticas de vários lados. Sobre as críticas provenientes dos sectores
silvo-industriais faremos uma análise noutra ocasião. O que de momento importa
realçar é o paradoxo existente entre as principais preocupações manifestadas
pela Comissão Europeia no âmbito da Estratégia para as florestas e a revisão da
Directiva das Energia Renováveis que, ao permitir o uso em grande escala de
biomassa florestal para a produção de electricidade, essencialmente de troncos
de árvores, potencia a perda de coberto arbóreo, a perda de solos, da sua capacidade
em reter água, a destruição de ecossistemas, a perda de biodiversidade. Em simultâneo,
o uso em larga escala de troncos de árvores para bioenergia potencia maior
volume de emissões de gases de efeito estufa, bem como produz aumento dos
níveis de poluição atmosférica, com impacto na saúde pública. Curiosamente, o negócio
da bioenergia só é possível face à forte injecção de fundos públicos. Há, pois,
que questionar para que lado pende a Comissão Europeia? Os ecossistemas são
para preservar e restaurar ou para destruir pelo recurso a cortes rasos de
arvoredo? Querer os dois objectivos ao mesmo tempo é um paradoxo. Parece haver na
Comissão um fenómeno de bipolaridade.
Têm sido vários os relatórios produzidos sobre os impactos
ambientais, financeiros e sociais do uso em grande escala de biomassa florestal,
essencialmente de troncos de árvores, para a produção de electricidade. É nessa
sequência que um vasto conjunto de organizações e cidadãos assinala o dia 21 de
Outubro como Dia Internacional de Acção sobre o uso em larga escala de biomassa
para energia.
Esclarecimento:
No passado dia 10 de Setembro, foi publicado
neste jornal um artigo intitulado “O
paradoxo do carro eléctrico”, o qual gerou algumas apreensões entre alguns
leitores. As apreensões incidiram sobre os dados estatísticos mencionados,
concretamente sobre o peso do uso de biomassa, para a produção de energia, (apenas)
no contexto das fontes tidas como “renováveis”. Neste contexto, reforça-se agora
a alusão com um relatório
do Centro Comum de Investigação (JRC), da Comissão Europeia, intitulado The
use of Woody biomass for energy production in the EU, com uma cahamada de atenção
para o subcapítulo 3.4. Woody biomass for bioenergy in the EU: a synopsis.
Em todo o caso, o que no artigo se pretendeu
realçar é o paradoxo de destruição ambiental, decorrente do uso de biomassa
para a produção de electricidade. Sem possibilidade de mensuração, parte dessa
electricidade será utilizada por veículos com motorização eléctrica. Mesmo
recorrendo a fontes de dados para o mix energético global, 5 a 10% que
seja a utilização de biomassa florestal para a produção de electricidade, tal corresponde
a muitos milhões de toneladas de arvoredo cortado anualmente. Os impactes
desses cortes são registados na União Europeia, bem como
fora das suas fronteiras e mesmo além-mar.
Por isso o alerta deixado. Se no passado artigo se identifica uma consequência,
o presente artigo incide na causa: o paradoxo da Estratégia da União Europeia
para as Florestas face à inclusão da biomassa florestal para a produção de
electricidade dentro da Directiva das Energias Renováveis.
Engenheiro silvicultor
Versão no Público, editada a 21 de Outubro de 2021.
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