No passado dia 9, oito organizações nacionais enviaram uma carta aberta ao Governo repudiando a preparação de um projecto de diploma para aumento das áreas limite das plantações de eucalipto por concelho. A missiva mereceu destaque neste jornal. Na sequência, o ministro do Ambiente teceu várias críticas, as quais devem merecer reflexão alargada.
Uma das críticas foi que o processo de elaboração do projecto de diploma foi submetido a “consulta pública”. Importa, todavia, esclarecer que a participação nesse processo impunha a prévia manifestação de interesse ao longo de dez dias do passado mês de Agosto. De facto, o processo de consulta ocorre até 19 de Novembro, mas apenas para aqueles que estiveram atentos em Agosto e para ele se manifestaram como parte interessada. Para os demais, como se pode constatar no portal ConsultaLEX, o processo está encerrado.
Uma outra crítica do ministro está relacionada com a “coisa tautológica”, presume-se da inutilidade de repetir no projecto de diploma o que já está vertido na Lei. No caso, o aditamento imposto pelo Parlamento, em 2017, de não permitir acções de arborização com espécies do género Eucalyptus s.p. Infelizmente, o histórico comprova a utilidade em repetir a decisão parlamentar.
É conhecida desde 2017, por um lado, a impossibilidade legal de expansão de áreas de eucalipto no território continental, por outro, a lei possibilidade desde essa altura a realização de projectos de compensação. Na prática, corresponde à possibilidade de transferir uma área de plantação com esta espécie exótica para outras localizações, reconvertendo a área inicial para ocupações florestais de espécies autóctones, para agricultura ou pecuária. Assim, na elaboração e aprovação, em 2019, dos Programas Regionais de Ordenamento Florestal (PROF) de 2.ª geração, aquando da definição nestes dos limites máximos para estas plantações por concelho, os projectos de compensação eram um facto conhecido. Mais, na preparação destes PROF de 2.ª geração, sete no seu total, o Governo à época dispunha de informação, pelo menos preliminar, do 6.º Inventário Florestal Nacional (IFN), com 2015 como ano de referência, elaborado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), bem como de elementos da Carta de Ocupação dos Solos, de 2018, elaborado pela Direcção-Geral do Território. Como explica então o Governo a necessidade agora, passados apenas 2 anos da publicação dos PROF, num contexto de impedimento parlamentar de expansão do eucalipto e de uma meta para 2030, traçada em sede de Estratégia Nacional para as Florestas, vir preparar um diploma para fazer aumentar os limites máximos das áreas de eucalipto por concelho? Estranho, muito estranho. Ou talvez não!
Atentemos ao histórico da governação. Em 2007 foram publicados os PROF de 1.ª geração, para 18 regiões. Nestas, em apenas duas eram visíveis metas que possibilitavam o aumento da área de eucalipto, tendo por base o 5.º IFN, com 2005 como ano de referência. Nas outras regiões estavam definidas metas de manutenção ou de contracção da área destas plantações. Curiosamente, em Fevereiro de 2011, o Governo de então, presidido pelo mesmo primeiro-ministro da altura de publicação destes PROF, veio suspender tais metas. Desde essa altura as áreas ocupadas por estas plantações registaram um aumento de, no mínimo, 40 mil hectares. Ou seja, o equivalente a quatro vezes a superfície do concelho de Lisboa. Já em 2016, no Governo que decorreu da criação da Geringonça, presidido pelo actual primeiro-ministro, foi anunciada a revogação da “lei que liberaliza as plantações de eucaliptos”, aprovada em 2013. O mais curioso é que a lei não foi revogada e no consolado do ministro Capoulas Santos foi validada e aprovada mais área de expansão destas plantações do que no consolado da sua antecessora.
Perante estes factos, como encarar a actual iniciativa de preparação de um projecto de Portaria, anunciada em Agosto, para nova definição, em acréscimo, das áreas limite de plantações de eucalipto por concelho?
Portugal regista a maior área relativa de plantações de eucalipto a nível
mundial, a quinta em termos absolutos (possivelmente já a quarta, face à
evolução recente face a Espanha), todavia, com a mais baixa produtividade média
unitária. Algo não bate certo! Certa é a tendência
de envolvimento crescente destas plantações na área total ardida em Portugal,
bem como do risco da sua expansão,
não por acção humana, mas por regeneração natural. E, no que respeita à gestão
das plantações existentes, as preocupações são manifestas.
Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor
Versão no jornal Público, a 12 de Novembro.
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