quinta-feira, 28 de julho de 2022

Incêndios, faixas, cadastro e rendimento silvícola

 

Depois dos incêndios de 2017, a governação tem sido pródiga no anúncio de medidas com o objectivo, querem-nos fazer crer, de atenuar situações similares no futuro. Entram neste contexto as designadas faixas de gestão de combustíveis e a conclusão do cadastro rústico. Se no início de 2018 a tónica assentou na “limpeza” das faixas de 10, 50 e 100 metros, actualmente o discurso centra-se no “atacar a causa estrutural”, no “ir à raiz do problema”, no saber quem é dono do quê. Mas, estas medidas vão mesmo à raiz do problema? Nem por sombras!

É hoje notório que as ditas faixas de gestão de combustíveis têm a vantagem de não acentuar tanto a queda do Valor Acrescentado Bruto da silvicultura, pelo impacto que tem no rendimento das empresas prestadoras de serviços silvícolas. Têm as desvantagens de empobrecer as famílias em áreas rurais, de reduzir o coberto arbóreo autóctone e de fazer expandir a área de espécies invasoras. Quanto ao impacto nos incêndios, o que são uns metros contra projecções de material em combustão lançadas a quilómetros por eucaliptos a arder? Quanto a medidas reais para criar descontinuidades entre os espaços florestais e o edificado, designadamente pela promoção de ocupações que, ao contrário de gerar despesa anual, possam gera rendimento, nada! Só planos de boas intenções.

Estamos agora na senda do cadastro. Não vale a pena abordar da “falta de coragem” da ditadura ou da ausência de vontade do regime democrático. Não se conclui o cadastro da propriedade rústica por mera falta de vontade política, ponto! Não se trata de uma questão financeira, nem tecnológica, nem mesmo do apontar de estratégias para resolver rapidamente esta questão. Houve até anúncios de que seria concluído numa Legislatura. Não se conclui por falta de coragem do Governo. Mas, qual o impacto da conclusão do cadastro rustico no atenuar dos incêndios florestais? Pouco, é só uma de um conjunto vasto de ferramentas! Anuncia-se agora, todavia, como sendo a “raiz do problema”. Ora, se assim fosse a ditadura tê-lo-ia resolvido no que respeita ao concelho de Mação por exemplo. Este concelho, onde impera o minifúndio, há longas décadas que dispõe de cadastro. Todavia, em Agosto de 2017 restou-lhe pouco mas do que 5% de área florestal não ardida. Antes disso foi vítima de outros grandes incêndios. Recordemos 2003.

O ir à raiz do problema dos incêndios está muito para além de meras medidas de política florestal (se é que o cadastro rústico o é!). Envolve um vasto conjunto de áreas governativas. Logo as que têm impacto directo no território, na qualidade de vida das populações, no combate ao despovoamento, à desertificação e às alterações climáticas. No domínio silvo-industrial, a raiz do problema vai desde a falta de recursos na investigação pública, à escassa área sob gestão pública, à má gestão da área sob gestão pública, à ausência de um instrumento público de apoio técnico e comercial à propriedade privada, à permissão para que os mercados de bens de origem florestal funcionem sem regulação (ao contrário do que não foi permitido, a dada altura, pela ditadura). Ir à raiz do problema, no domínio silvo-industrial, está na tomada de medidas de suporte às actividades que contrariem a queda do Valor Acrescentado Bruto da silvicultura, do rendimento dos proprietários florestais. Neste caso, reforça-se a queda que o INE regista nestes indicadores desde 2016. Caricato é que essa queda corresponde à expansão da área de eucalipto e ao aumento da produção de madeira para triturar versus madeira para serrar e cortiça. Importa recordar que o Governo vê como oportunidade a aposta no sector das em fibras lenhosas, ou seja, na produção de madeira para trituração. Um contrassenso em termos de aposta no rendimento silvícola, um paradoxo em termos de redução das emissões de gases com efeito estufa. A partir da madeira triturada produzem-se bens de ciclo curto no que respeita à manutenção do carbono sequestrado pelo crescimento do arvoredo. Rapidamente esse carbono volta à atmosfera.

Em resumo: Anunciam-se meras medidas avulsas como idas à “raiz do problema”. Anunciam-se como estratégicos investimentos industriais que em nada contribuem para inverter a perda de peso económico da silvicultura, decréscimo esse que tem fortes impactos nos incêndios, seja em emissões de carbono, na perda de biodiversidade e na saúde pública.

 


Paulo Pimenta de Castro

No Jornal Público

 

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