Desde
a fusão do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade com a
Autoridade Florestal Nacional, que deu origem ao ICNF (Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas) que este organismo se transformou numa
passadeira para a degradação da floresta em Portugal. Esta fusão, não por
acaso, ocorreu no mesmo governo que criou a designada “Lei da
Liberalização dos Eucaliptos”. No entanto, além de eucaliptos, na opacidade do
abate de pinheiros mansos na Mata Nacional dos Medos, parece que este organismo
do Estado se tornou também num garante de negócios, por ação e por omissão.
Os
dados do último Inventário Florestal Nacional (IFN) registam em Portugal uma
desflorestação entre 1995 e 2010 com uma recuperação, de cerca de 60 mil
hectares, entre 2010 e 2015. Cerca de 50% dessa recuperação corresponde diretamente
ao aumento de área de espécies exóticas e invasoras, principal dos quais o
eucalipto, monocultura do regime. Estes factos podem ser observados nas notas
oficiais do regime jurídico das ações de arborização e rearborização, o nome
críptico que foi inventado para esconder a Lei da Liberalização dos Eucaliptos.
A
ausência de fiscalização, marca registada do ICNF, favorece como sempre as
celuloses, cuja associação empresarial é agora presidida pelo antigo Secretário
de Estado das Florestas que fez aprovar a lei dos eucaliptos.
A
recente denúncia de ilegalidade num
“emblemático” projeto promovido pela associação das celuloses (na altura CELPA,
agora BIOND) em Pedrógão Grande parece ter “surpreendido” muitas entidades.
Isto, apesar dos eucaliptos plantados em vez de medronheiros aparentarem mais
de ano e meio de vida aquando da denúncia. Ninguém terá passado por lá, em
plena margem do rio Zêzere. Muito menos o ICNF.
As
ferramentas disponibilizadas pela Google a qualquer cidadão do mundo permitem
uma ação preventiva da fraude e em pleno gabinete. Mas nem isso acontece no
ICNF. Nem neste caso de Pedrógão Grande, nem em qualquer outra região do país onde se denunciam diariamente
casos de ilegalidade na expansão da monocultura desta espécie exótica.
Isto, apesar do crescente envolvimento destas plantações nos incêndios
florestais e, sobretudo, na área ardida em “povoamento florestal”.
Se
quanto à estigmatização
face à expansão do eucalipto o ICNF deixa dúvidas, tem gerado surpresa a forma
como gere Áreas Protegidas e as Matas Públicas.
Para
além do que se passou antes e depois do incêndio de 2017 (ou não se passou), na
Mata Nacional de Leiria, há outro caso muito grave. Falamos da Mata
Nacional dos Medos.
Na Mata
Nacional dos Medos, situada em área dos concelhos de Almada e Sesimbra, parte
integrante da Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica,
começaram grandes abates de pinheiros mansos, sob responsabilidade do próprio
ICNF. Fez já um ano que se verificou a contestação
da população e de organizações aos cortes realizados. O ICNF, gestor
da área, nunca identificou ou informou quantas árvores foram abatidas.
Na
sequência dos cortes, estima-se terem saído da Mata grandes volumes de toros e
estilha. Quantas toneladas de madeira (de pinheiro manso, reforça-se) de
Património do Estado saíram da Mata? Quem usufruiu da receita gerada, já que a
operação dessa intervenção em área do Estado foi custeada pelos contribuintes,
através do POSEUR? A venda em hasta pública anunciada ao Parlamento pelo Gabinete
do Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, no
início de 2022, sobre material lenhoso removido da Mata até finais de Dezembro
de 2021, foi concretizada de que forma? Onde foi publicado o anúncio? Não foi
visível em nenhuma das plataformas oficiais.
O concurso
público criado para ações de desbaste e abertura de clareiras na
Mata não previa a saída de madeira de pinheiro manso, mas o seu estilhaçamento
e deposição em solo arenoso. Porque desapareceu então a madeira? Houve
fiscalização da operação entregue a privados pelo ICNF? A dúvida é enorme,
tendo em conta o equipamento
pesado empregue em plena duna.
Desta
intervenção promovida pelo ICNF não houve redução do risco de incêndio na Mata,
mas sim um aumento do mesmo. Também não houve redução do risco de expansão de
espécies invasoras nesta Área Protegida e Reserva Botânica, tendo-se esse risco
agravado substancialmente.
E
num momento particularmente sensível a nível governamental como aquele que
agora vivemos, tem de ser referida a presença muito próxima de interesses
imobiliários por parte do secretário de Estado que tutela o ICNF, João Paulo
Catarino. Esses interesses são verificáveis a partir do seu registo
de interesses (a carecer de atualização) e de vários editais emitidos
pela Câmara Municipal de Almada. Embora sediada em Proença-a-Nova, uma empresa
de que João Paulo Catarino detém 50% tem atividade na Aroeira, no concelho de
Almada, localidade contígua à Mata Nacional.
Se
considerarmos o valor atual do miolo de pinhão, obtido anualmente desta Mata
Pública, além do volume de madeira removida do terreno, é volumosa a quantidade
de receitas futuras que o Estado perdeu só com essa operação a favor não se
sabe de quem. Cabe perguntar, já que o ICNF e o Governo nunca responderam, se o
Ministério Público consegue fazer essas contas.
Paulo Pimenta de Castro e João Camargo
No Público, Suplemento
Azul, a 14 de janeiro de 2023
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