sexta-feira, 6 de julho de 2012

Carta do “Príncipe da Tasmânia” ao “Rei de Portugal”

Caro Sobreiro, Senhor meu primo
Trata-o por primo porque, como sabe, a minha família das Mirtáceas, em tempos bem distantes, viveu na “sua” Península Ibérica e isto de parentescos é sempre possível entre gente de linhagem …
Escrevo-lhe para o saudar e para lhe prestar homenagem pela sua elevação oficial a Símbolo Nacional, no passado dia 22 de Dezembro, na Assembleia da República deste país em que ambos vivemos.
É pois legítimo que neste reino vegetal que nos une, lhe chame, com toda a propriedade, “Rei de Portugal”.
Eu, jovem, esguio, alto e vaidoso (em contraste com o seu porte largo, arredondado e da sua vetusta idade secular, bem como das suas bem mais conservadoras regras de vida) uso e assino, com orgulho, o epíteto que um Autor português me deu, nos idos anos 80, do século XX, relembrando a minha origem: “O Príncipe da Tasmânia”.
É que temos ambos “nobres” e notáveis pergaminhos:

  • O meu primo Sobreiro ocupa 716 mil hectares e eu, Eucalipto, 740 mil hectares[1], ou seja, 21% da floresta portuguesa em terrenos geograficamente complementares;
  • A sua produção de cortiça (na árvore) gera cerca de 110[2] milhões de euros pagos à Lavoura anualmente e eu, do meu lado, contribuo com um valor anual de produção (de madeira em pé) de 200[3] milhões de euros;
  • O valor dos bens manufacturados a partir da cortiça que produz ronda anualmente os 1110[4] milhões de euros enquanto os valores da pasta celulósica e do papel produzidos a partir da minha fibra atingem os 1891[5] milhões de euros;
  • As nossas exportações, para os cinco Continentes, estão entre as primeiras do País:
  • O primo Sobreiro exporta 754[6] milhões de euros de produtos de cortiça e eu, Eucalipto chegado da Austrália há mais de 150 anos, exporto 1340[7] milhões de euros de pasta celulósica e de papel.
  • A “jóia da coroa” da sua produção – a rolha – representa 529[8] milhões de euros exportados, enquanto a minha – o papel gráfico – vale, por ano, 1092[9] milhões de euros de exportação.
  • O carbono armazenado por si, primo Sobreiro, é de 64 Mton CO2 enquanto eu, seu primo Eucalipto, armazeno 66 Mton CO2[10]. Ou seja, somos dos maiores contribuintes líquidos para o sequestro do carbono e para o combate ao efeito de estufa e capturamos anualmente muito mais CO2 que o que as nossas fábricas emitem.
  • Ambos incorporamos uma taxa elevadíssima de Valor Acrescentado Nacional (seguramente superior a 80%) ao invés das grandes exportações portuguesas de produtos não florestais.
  • Ambos suportamos fileiras silvo-industriais poderosas em Portugal e no estrangeiro e somos praticamente o que resta da indústria de capitais verdadeiramente nacionais.
Enfim, meu caro primo Sobreiro, serve esta saudação genuína e sincera para dizer aos portugueses que juntos constituímos uma aliança económica, ambiental e social com que o país pode contar neste momento de emergência económica.
Nós e o nosso primo Pinheiro Bravo, Duque de Leiria e das Landes (que me dizem adoentado), que também merece ser lembrado aqui, constituímos uma boa razão de esperança para Portugal e para os portugueses.
Como imigrante, tenho sido, por vezes, vítima de racismo (fitorracismo) estúpido e irracional, como o são todos os racismos. Mas acredito, caro primo, que tal como a batata, o milho, a laranja e tantos outros imigrantes (vegetais ou não), acabaremos por ser aceites com a naturalidade e a hospitalidade que a razão impõe.
Caro primo, julgo que a complementaridade das nossas pessoas – o Sobreiro, “Rei de Portugal” e o Eucalipto, “Príncipe da Tasmânia” – e a importância do nosso contributo para o Desenvolvimento Sustentável de Portugal, merecem e justificam que eu lhe envie esta homenagem por este meio tão público.
Com o desejo de que o nosso comum amigo Pinheiro Bravo possa regressar - forte, poderoso e saudável – a este clube gerador de bem-estar e riqueza que, com todos os outros preciosos e diversos parentes florestais, constituem a Floresta Portuguesa, apresento-lhe, mais uma vez, primo Sobreiro, os meus mais sinceros parabéns por ser hoje, merecidamente, um Símbolo Nacional.

João M. A. Soares
Engenheiro Agrónomo


[1] Fonte: IFN5 (2005/06)
[2] 716 mil ha x 9 @/ha/ano x 17 euros
[3] 6.4 milhões de m3 sc x 1.2 (20% para a casca) x 25 €
[4] Valor referente a 2010. Fonte: Estudo de caracterização sectorial (APCOR, 2011)
[5] Valor referente a 2010. Fonte: CELPA
[6] Valor referente a 2010. Fonte: Estudo de caracterização sectorial (APCOR, 2011)
[7] Valor referente a 2010. Fonte: Eurostat
[8] Valor referente a 2010. Fonte: Estudo de caracterização sectorial (APCOR, 2011)
[9] Exportação de papel gráfico em 2010 = 1337 ton x 817 €/tonelada.
[10] Os dados de armazenamento de carbono são do IFN5 porque desconhecemos dados oficiais de sequestro anual de carbono destas duas espécies.

2 comentários:

  1. Realmente uma comunicação principesca...é realmente importante que toda a corte seja valorizada e as suas riquezas exploradas de forma sustentável e ecologicamente responsável.
    O primo Pinheiro, deve também ser defendido, tornando a sua exploração economicamente rentávem, pois, só a sua rentabilidade, será eficaz na defesa deste parente, que, apesar de um crescimento relativamente lento, tem alguns subprodutos que, podem e devem ser aproveitados, falamos pois, da rezina, das pinhas, da biomassa proveniente das limpezas. Por outro lado, a sua madeira pode também ser valorizada ao invés de ser triturada para fazer prensados ou então aproveitada em utilizações de reduzido valor acrescentado.

    Perante tão importante nobreza, resta-me desejar que toda a corte se reuna numa missão maior, em que toda a familia cresça, sem guerras, nem invazões ostis, pois, há ainda muito território por conquistar ao deserto em que está este país, e que, parece agradar a alguns lobos que, sob a pele de cordeiros dizem defender a floresta.

    Saudações Florestais,

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  2. De acordo!!!!
    Mas quem vai contribuir para tornar o primo Pinheiro "rentável"?
    A via tentada pelo Estado até hoje, com centenas (milhões?) de euros pura e simplesmente queimados já provou a sua inutilidade, no quadro da actual "gestão" minifundiária...
    Ou serão as indústrias da fileira do pinho - hoje acrescidas da exploração mineira para fabricar e exportar pellets - que nunca colocaram um cêntimo na floresta portuguesa e que se limitam a tirar dela - maioritariamente para triturar - os que os fogos não destroem? E algumas que, não obstante o seu gigantismo mundial, exigem mesmo protecção especial e apoios, ditos "públicos", à espécie mas, na altura de distribuir, os lucros eles vão integralmente para os seus accionistas!?
    Serão estes os "lobos" a que se refere o Comentador do Alto da Broca?
    Que cada um faça o seu papel...
    Um abraço florestal

    João M. A. Soares

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