Texto integral das resposta às questões colocadas pela Jornalista Ana
Clara, da revista online Café Portugal, a Paulo Pimenta de Castro, presidente
da Direção da Acréscimo, a 16 de julho último.
CAFÉ PORTUGAL – O actual Governo propõe uma discussão pública
sobre a proposta de alteração da regulamentação das acções de florestação, onde
se considera o eucalipto uma espécie igual à do pinheiro-bravo. Como olha para
esta proposta?
PPC – Vemos esta proposta do Ministério, como uma iniciativa avulsa,
extemporânea e irresponsável.
Avulsa: A proposta do MAMAOT é uma iniciativa isolada no âmbito do ciclo
de produção florestal. O Ministério evidencia grande preocupação na florestação
e descora a ligação com a subsequente gestão dessas novas áreas florestadas.
Não assegura igualmente o apoio técnico essencial, nem dá garantia de acesso equilibrado
aos mercados por parte da produção florestal. Apesar, dos nefastos resultados
conhecidos, a Campanha do Trigo, de 1929, pelo menos assegurava estes aspectos.
Extemporânea: Estando em avaliação a Estratégia Nacional para as
Florestas (ENF), a actual proposta do MAMAOT aparece descontextualizada,
desenquadrada de um todo estratégico. Segundo o anunciado, a discussão pública
para a ENF está prevista já para Setembro. Questiona-se a demora deste
processo, o qual deveria ter sido prioritário do Ministério. Contudo, mais se
questiona sobre a “urgência” da actual proposta quanto à florestação com
espécies de rápido crescimento.
Irresponsável: Novas florestações, ou reflorestações, sem garantia de
gestão florestal subsequente, podem perpetuar as consequências negativas de que
hoje são vítimas as florestas em Portugal: propagação de incêndios e
proliferação de pragas e de doenças. Há que cortar este ciclo vicioso. Do nosso
ponto de vista, a actual proposta do MAMAOT não aparece no sentido do corte,
mas no de perpetuar.
CP – Quais os grandes perigos desta abertura
à florestação em matéria do eucalipto?
PPC – Com o objectivo simplista de aumentar o valor bruto das
exportações, o Ministério facilita o aumento da área florestada com esta espécie,
sem assegurar a subsequente gestão desses novos eucaliptais. Por outro lado,
desassocia esta iniciativa da fundamental consultoria técnica aos proprietários
florestais (extensão florestal): não basta plantar, é necessário saber fazê-lo
e depois gerir de uma forma profissional.
Ora, na actual área de eucalipto em Portugal, a 5.ª a nível mundial,
constatam-se já dezenas de milhares de hectares não geridos ou sujeitos a uma
gestão deficiente. O eucalipto, a seguir ao pinheiro bravo, é uma árvore com
forte risco de incêndio florestal. Ao não garantir a gestão de novos
eucaliptais pode-se estar, indirectamente, a promover a “indústria do fogo” nas
próximas décadas.
Por outro lado, a posterior reconversão dos eucaliptais, no final do seu
ciclo óptimo de exploração, ou seja após o 4.º corte, tem custos elevadíssimos,
o que porventura justifica a actual existência de muitos eucaliptais
abandonados. No caso, é necessário proceder ao arranque dos cepos, o que pode
aportar custos entre os 450 e ou 750 Euros por hectare, envolvendo maquinaria
pesada, encargo esse que fica nas mãos do proprietário florestal. Ou seja,
acena-se com ganhos de rendas ou de produtividades acima da média e oculta-se o
custo final de de reconversão dos eucaliptais.
CP – Quem lucra, na sua opinião, com esta
medida? Fala-se sempre na indústria da celulose. É a este sector que esta medida
mais interessa?
PPC – Quem lucra claramente é a indústria de pasta celulósica e de
papel. Isso não é ilegítimo, discutível é o papel do Ministério.
Se o País lucra? É uma avaliação que importa fazer, ou seja, ao valor
bruto das exportações há que deduzir os custos com a depreciação ou destruição
dos recursos naturais associados à produção florestal. Ou seja, há que calcular
o valor líquido dessas exportações.
Reforçamos. Sem garantir a gestão da floresta, a consultoria técnica aos
proprietários (extensão florestal) e um justo funcionamento dos mercados, temos
dúvidas que os ganhos dos proprietários florestais estejam assegurados, basta
analisar do crescente abandono dos eucaliptais em Portugal, o que parece ser um
sinal óbvio da quebra de expectativas neste negócio.
CP – Alguns especialistas consideram que o eucalipto, apesar
de não se adaptar a todo o território é economicamente competitivo. Concorda?
PPC – Existindo uma adequada gestão
florestal em eucaliptais instalados em regiões propícias à espécie, com solos e
pluviosidade adequados, garantindo para isso um serviço de extensão florestal,
que assegure, por um lado, a transmissão dos resultados da investigação
aplicada e, por outro, a formação profissional dos agentes envolvidos,
técnicos, empreiteiros, proprietários e trabalhadores florestais, estarão
criadas as condições fundamentais para o aumento da produtividade dos
eucaliptais (que não necessariamente da área), e bem assim para o acréscimo do
valor líquido das exportações.
Existem hoje, em Portugal, áreas
propícias para este fim, como sejam as área de Floresta Certificada, ou as
áreas integradas em Zonas de Intervenção Florestal, ambas sujeitas a planos de
gestão florestal. Estas áreas podem garantir o retorno económico de iniciativas
de arborização e rearborização, com qualquer espécie florestal.
CP – A área de eucalipto tem aumentado e a do
pinheiro-bravo tem decrescido. Qual a explicação para este cenário? Vamos
assistir à ‘eucaliptalização’ do país?
PPC – As variações de áreas entre espécies são consequência, das
estratégias das diferentes indústrias florestais, das expectativas de negócio
dos proprietários florestais e dos riscos associados ao investimento nas
diferentes espécies (incêndios, pragas e doenças).
Curiosamente, esta variação de área entre estas duas espécies, apesar do
esforço dos contribuintes, não parece ter a ver com a existência de apoios
financeiros do Estado. Em concreto, o pinheiro bravo recebeu, desde a adesão à
UE e só para novas florestações, 700 milhões de Euros de apoios públicos, muito
embora, neste mesmo período, a sua área global tenha regredido cerca de 400 mil
hectares. Será que os contribuintes ao invés de apoiarem o pinheiro bravo,
apoiaram, contra sua vontade, a “indústria do fogo”. Seria bom que o Ministério
explicasse esta discrepância.
O eucalipto, após a adesão, não tem sido objecto de apoio financeiro
público aos proprietários florestais. Gerou até 1995 grandes expectativas de
negócio, mas com o mercado cada vez mais concentrado ao nível da indústria
(passámos de 4 para 2 empresas de pasta celulósica), a área de eucaliptal
sujeita a abandono tem aumentado. O impacto tem sido evidente (fogos, pragas e
doenças).
CP – Qual deve ser o papel do Estado em matéria de política
florestal?
PPC – O papel do Estado tem de ser o de definir uma estratégia política
para as florestas e o sector florestal, assegurando uma utilização racional dos
recursos naturais (o que hoje parece não estar a acontecer), de acordo com os
princípios do desenvolvimento sustentável, mas também de responsabilidade
social, garantindo os interesses das diversas fileiras silvo-industriais, sejam
as tradicionais, sejam as emergentes, como a da biomassa, quer para a produção
de energia calorífica, quer para energia eléctrica. Deve ainda acompanhar as
relações de mercado nas várias cadeias silvo-industriais, assegurar os meios
necessários à realização do cadastro rústico, a uma adequação da fiscalidade à
actividade florestal, à redução dos riscos de investimento, à organização da
produção florestal (associativismo), a um serviço de extensão florestal
(assessoria técnica aos produtores), bem como garantir os meios essenciais à
investigação, para, entre outros, promover a quantificação e qualificação de
bens e serviços, obtidos nas florestais, ainda hoje sem valor de mercado. Estes
últimos serão no futuro fundamentais para a actividade produtiva florestal
(p.e: sequestro de carbono, regularização dos regimes hídricos, protecção dos
solos, paisagem).
CP – Como se pode explicar que um país como
Portugal com potencial de floresta tenha de importar madeira anualmente?
PPC – Esta circunstância é o resultado da incúria dos vários Governos,
nas últimas duas décadas. Curiosamente, o Poder Legislativo tem assumido as
suas obrigações, mas, a Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de
17 de Agosto), continua ainda longe de atingir as expectativas que criou na
altura.
CP – Como podemos exportar a nossa floresta?
Quais as grandes urgências que carecemos nesta matéria?
PPC – Garantindo os compromissos assumidos a nível internacional,
concretamente no que respeita aos princípios do desenvolvimento sustentável,
Portugal dispõe de excelentes condições para a produção de bens e serviços
oriundos das florestas, com a subsequente criação de riqueza, aumento do
emprego e do bem estar das populações, com destaque para o meio rural, bem como
do acréscimo do valor líquido nas exportações. O País regista a este nível, no
total dos 27 estados membros da UE, o maior Valor Acrescentado Bruto da fileira
florestal por hectare de floresta, 310 Euros por hectare.
Ao nível das exportações, no imediato, o País deverá investir
prioritariamente na garantia da gestão activa, profissional e sustentável, dos
actuais povoamentos florestais, ou seja, nas áreas florestais instaladas e que,
por estarem já em crescimento, podem gerar bens mais rapidamente, como madeira
ou cortiça. Deve ainda levar em conta a actual situação económica em Espanha,
destino de ¼ das exportações do sector florestal português. Não pode também descorar
a aposta na inovação, Portugal ainda exporta muitos produtos de baixo valor acrescentado.
(Artigo publicado em http://www.cafeportugal.pt/pages/dossier_artigo.aspx?id=5107)
Sem comentários:
Enviar um comentário