sábado, 28 de julho de 2012

O que ganha Portugal com o eucalipto?


Texto integral das resposta às questões colocadas pela Jornalista Ana Clara, da revista online Café Portugal, a Paulo Pimenta de Castro, presidente da Direção da Acréscimo, a 16 de julho último.

CAFÉ PORTUGAL – O actual Governo propõe uma discussão pública sobre a proposta de alteração da regulamentação das acções de florestação, onde se considera o eucalipto uma espécie igual à do pinheiro-bravo. Como olha para esta proposta?

PPC – Vemos esta proposta do Ministério, como uma iniciativa avulsa, extemporânea e irresponsável.

Avulsa: A proposta do MAMAOT é uma iniciativa isolada no âmbito do ciclo de produção florestal. O Ministério evidencia grande preocupação na florestação e descora a ligação com a subsequente gestão dessas novas áreas florestadas. Não assegura igualmente o apoio técnico essencial, nem dá garantia de acesso equilibrado aos mercados por parte da produção florestal. Apesar, dos nefastos resultados conhecidos, a Campanha do Trigo, de 1929, pelo menos assegurava estes aspectos.

Extemporânea: Estando em avaliação a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), a actual proposta do MAMAOT aparece descontextualizada, desenquadrada de um todo estratégico. Segundo o anunciado, a discussão pública para a ENF está prevista já para Setembro. Questiona-se a demora deste processo, o qual deveria ter sido prioritário do Ministério. Contudo, mais se questiona sobre a “urgência” da actual proposta quanto à florestação com espécies de rápido crescimento.

Irresponsável: Novas florestações, ou reflorestações, sem garantia de gestão florestal subsequente, podem perpetuar as consequências negativas de que hoje são vítimas as florestas em Portugal: propagação de incêndios e proliferação de pragas e de doenças. Há que cortar este ciclo vicioso. Do nosso ponto de vista, a actual proposta do MAMAOT não aparece no sentido do corte, mas no de perpetuar.

CP – Quais os grandes perigos desta abertura à florestação em matéria do eucalipto?


PPC – Com o objectivo simplista de aumentar o valor bruto das exportações, o Ministério facilita o aumento da área florestada com esta espécie, sem assegurar a subsequente gestão desses novos eucaliptais. Por outro lado, desassocia esta iniciativa da fundamental consultoria técnica aos proprietários florestais (extensão florestal): não basta plantar, é necessário saber fazê-lo e depois gerir de uma forma profissional.

Ora, na actual área de eucalipto em Portugal, a 5.ª a nível mundial, constatam-se já dezenas de milhares de hectares não geridos ou sujeitos a uma gestão deficiente. O eucalipto, a seguir ao pinheiro bravo, é uma árvore com forte risco de incêndio florestal. Ao não garantir a gestão de novos eucaliptais pode-se estar, indirectamente, a promover a “indústria do fogo” nas próximas décadas.

Por outro lado, a posterior reconversão dos eucaliptais, no final do seu ciclo óptimo de exploração, ou seja após o 4.º corte, tem custos elevadíssimos, o que porventura justifica a actual existência de muitos eucaliptais abandonados. No caso, é necessário proceder ao arranque dos cepos, o que pode aportar custos entre os 450 e ou 750 Euros por hectare, envolvendo maquinaria pesada, encargo esse que fica nas mãos do proprietário florestal. Ou seja, acena-se com ganhos de rendas ou de produtividades acima da média e oculta-se o custo final de de reconversão dos eucaliptais.

CP – Quem lucra, na sua opinião, com esta medida? Fala-se sempre na indústria da celulose. É a este sector que esta medida mais interessa?


PPC – Quem lucra claramente é a indústria de pasta celulósica e de papel. Isso não é ilegítimo, discutível é o papel do Ministério.
Se o País lucra? É uma avaliação que importa fazer, ou seja, ao valor bruto das exportações há que deduzir os custos com a depreciação ou destruição dos recursos naturais associados à produção florestal. Ou seja, há que calcular o valor líquido dessas exportações.

Reforçamos. Sem garantir a gestão da floresta, a consultoria técnica aos proprietários (extensão florestal) e um justo funcionamento dos mercados, temos dúvidas que os ganhos dos proprietários florestais estejam assegurados, basta analisar do crescente abandono dos eucaliptais em Portugal, o que parece ser um sinal óbvio da quebra de expectativas neste negócio.

CP – Alguns especialistas consideram que o eucalipto, apesar de não se adaptar a todo o território é economicamente competitivo. Concorda?

PPC – Existindo uma adequada gestão florestal em eucaliptais instalados em regiões propícias à espécie, com solos e pluviosidade adequados, garantindo para isso um serviço de extensão florestal, que assegure, por um lado, a transmissão dos resultados da investigação aplicada e, por outro, a formação profissional dos agentes envolvidos, técnicos, empreiteiros, proprietários e trabalhadores florestais, estarão criadas as condições fundamentais para o aumento da produtividade dos eucaliptais (que não necessariamente da área), e bem assim para o acréscimo do valor líquido das exportações.

Existem hoje, em Portugal, áreas propícias para este fim, como sejam as área de Floresta Certificada, ou as áreas integradas em Zonas de Intervenção Florestal, ambas sujeitas a planos de gestão florestal. Estas áreas podem garantir o retorno económico de iniciativas de arborização e rearborização, com qualquer espécie florestal.

CP – A área de eucalipto tem aumentado e a do pinheiro-bravo tem decrescido. Qual a explicação para este cenário? Vamos assistir à ‘eucaliptalização’ do país?


PPC – As variações de áreas entre espécies são consequência, das estratégias das diferentes indústrias florestais, das expectativas de negócio dos proprietários florestais e dos riscos associados ao investimento nas diferentes espécies (incêndios, pragas e doenças).

Curiosamente, esta variação de área entre estas duas espécies, apesar do esforço dos contribuintes, não parece ter a ver com a existência de apoios financeiros do Estado. Em concreto, o pinheiro bravo recebeu, desde a adesão à UE e só para novas florestações, 700 milhões de Euros de apoios públicos, muito embora, neste mesmo período, a sua área global tenha regredido cerca de 400 mil hectares. Será que os contribuintes ao invés de apoiarem o pinheiro bravo, apoiaram, contra sua vontade, a “indústria do fogo”. Seria bom que o Ministério explicasse esta discrepância.

O eucalipto, após a adesão, não tem sido objecto de apoio financeiro público aos proprietários florestais. Gerou até 1995 grandes expectativas de negócio, mas com o mercado cada vez mais concentrado ao nível da indústria (passámos de 4 para 2 empresas de pasta celulósica), a área de eucaliptal sujeita a abandono tem aumentado. O impacto tem sido evidente (fogos, pragas e doenças).

CP – Qual deve ser o papel do Estado em matéria de política florestal?

PPC – O papel do Estado tem de ser o de definir uma estratégia política para as florestas e o sector florestal, assegurando uma utilização racional dos recursos naturais (o que hoje parece não estar a acontecer), de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável, mas também de responsabilidade social, garantindo os interesses das diversas fileiras silvo-industriais, sejam as tradicionais, sejam as emergentes, como a da biomassa, quer para a produção de energia calorífica, quer para energia eléctrica. Deve ainda acompanhar as relações de mercado nas várias cadeias silvo-industriais, assegurar os meios necessários à realização do cadastro rústico, a uma adequação da fiscalidade à actividade florestal, à redução dos riscos de investimento, à organização da produção florestal (associativismo), a um serviço de extensão florestal (assessoria técnica aos produtores), bem como garantir os meios essenciais à investigação, para, entre outros, promover a quantificação e qualificação de bens e serviços, obtidos nas florestais, ainda hoje sem valor de mercado. Estes últimos serão no futuro fundamentais para a actividade produtiva florestal (p.e: sequestro de carbono, regularização dos regimes hídricos, protecção dos solos, paisagem).

CP – Como se pode explicar que um país como Portugal com potencial de floresta tenha de importar madeira anualmente?


PPC – Esta circunstância é o resultado da incúria dos vários Governos, nas últimas duas décadas. Curiosamente, o Poder Legislativo tem assumido as suas obrigações, mas, a Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96, de 17 de Agosto), continua ainda longe de atingir as expectativas que criou na altura.

CP – Como podemos exportar a nossa floresta? Quais as grandes urgências que carecemos nesta matéria?


PPC – Garantindo os compromissos assumidos a nível internacional, concretamente no que respeita aos princípios do desenvolvimento sustentável, Portugal dispõe de excelentes condições para a produção de bens e serviços oriundos das florestas, com a subsequente criação de riqueza, aumento do emprego e do bem estar das populações, com destaque para o meio rural, bem como do acréscimo do valor líquido nas exportações. O País regista a este nível, no total dos 27 estados membros da UE, o maior Valor Acrescentado Bruto da fileira florestal por hectare de floresta, 310 Euros por hectare.

Ao nível das exportações, no imediato, o País deverá investir prioritariamente na garantia da gestão activa, profissional e sustentável, dos actuais povoamentos florestais, ou seja, nas áreas florestais instaladas e que, por estarem já em crescimento, podem gerar bens mais rapidamente, como madeira ou cortiça. Deve ainda levar em conta a actual situação económica em Espanha, destino de ¼ das exportações do sector florestal português. Não pode também descorar a aposta na inovação, Portugal ainda exporta muitos produtos de baixo valor acrescentado.


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