segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Poder e as Florestas


Fez no passado dia 17 de agosto, 16 anos sobre a publicação, no Diário da República n.º 190/96 – Série I-A, da Lei de Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96), aprovada por unanimidade pela Assembleia da República.

Numa análise quantitativa à produção florestal em Portugal, no período de 1996 a 2010, tendo em conta os dados do Instituto Nacional de Estatística, em 1996 o Valor Acrescentado Bruto da Silvicultura (a preços correntes) era de cerca de 0,7% do VAB Nacional, em 2010, os dados provisórios apontam para um recuo de 0,3%, ou seja regista-se no período uma queda de aproximadamente 43%. No que respeita à análise qualitativa dos dados dos Inventários Florestais Nacionais, registam-se, segundo os especialistas, indícios do crescimento do abandono da gestão ativa nas áreas florestais de produção lenhosa, ao que está associada uma maior expressão dos incêndios florestais no período, com especial impacto nos anos de 2003 e 2005, e uma potencial mais fácil proliferação de pragas e de doenças, com impacto hoje de longe superior ao de 1996.

Numa análise mais detalhada das concretizações após a publicação de Lei de Bases da Política Florestal, o retrato revela uma rotunda derrota política.

Ao nível das medidas de política florestal (Capítulo II):
  • Os planos regionais de ordenamento florestal (PROF) foram abandonados, sem alternativas evidentes, tendo-se claudicado no planeamento florestal;
  • Os planos de gestão florestal (PGF) são aprovados a conta gota e têm uma expressão territorial diminuta;
  • A reestruturação fundiária e das explorações florestais até hoje tem sido sucessivamente adiada;
  • As iniciativas de fomento florestal têm regredido ao longo do tempo, todavia, sem uma subsequente gestão florestal, as ações de arborização ou rearborização podem ter efeitos perniciosos;
  • No que respeita à conservação dos recursos silvestres proliferam, hoje como nunca antes, os danos causados pelos incêndios, mas também pelas pragas e doenças.


Ao nível dos instrumentos de política (Capítulo III):
  • A autoridade florestal nacional sofre agora nova alteração orgânica, sendo que desde 1996 esta situação já ocorreu quase meia dúzia de vezes, até hoje com uma eficiência negativa. O recém-criado Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas está já envolvido pela polémica, com a sua aparição inicial associada à “liberalização” avulsa, extemporânea e irresponsável das florestações, no caso com espécies de rápido crescimento;
  • O conselho interministerial para os assuntos da floresta sempre foi um fantasma;
  • O conselho consultivo florestal funcionou intermitentemente e, após tanta trapalhada legislativa, desconhece-se agora a sua sorte;
  • A investigação e as estruturas organizativas dos proprietários florestais funcionam em função de fluxos financeiros instáveis, atribuídos mais numa perspetiva politiqueira de dependência do “peixe”, ao invés de serem criadas condições que favoreçam a entrega da “cana de pesca”.

No caso específico dos instrumentos financeiros, se o Programa AGRO (1999/2006) ficou muito aquém das expectativas, o PRODER (2007/2013) é de execução vergonhosa. O Fundo Florestal Permanente parece útil para tudo menos para o que foi criado. Nos incentivos fiscais está-se a pensar dar início a algo e os seguros florestais não são até hoje mais do que uma miragem.

No caso concreto do atual Governo, a Ministra lançou em dezembro a iniciativa “Vamos plantar Portugal”. O objetivo parece ser plantar uma árvore por cada Português, como se isso resolve-se o que quer que seja, muito pelo contrário. Apesar de desajustada, com a recente proposta avulsa de alterar a regulamentação das ações de arborização e rearborização, em curso no Ministério, a iniciativa pode até vir a multiplicar por quatro o resultado inicialmente previsto. Isto se vier a dar resposta a anunciados investimentos empresariais da fileira da pasta e papel, mas aqui, com uma aposta parcial do Ministério na lenhicultura e no eucalipto.

Se o Ministério não apostar claramente no planeamento e na gestão florestal, a expectativa que gerou em poder tornar-se num catalisador de mudança no setor florestal não passará de mais uma desilusão. Estão disponíveis, em inúmeros estudos prospetivos, várias metodologias para gerar ação. Importa contudo perspetivar uma mudança de paradigma, ao inverter a tradicional abordagem a partir de conceitos estabelecidos no topo, para uma abordagem à floresta a partir da propriedade rústica, dos problemas concretos dos proprietários e gestores florestais, das populações rurais. Por outras palavras, é imperioso adequar a estratégia e a produção legislativa às condicionantes da atividade florestal, à realidade das florestas portuguesas e aos problemas vivenciados pelos seus detentores e gestores. Só desta forma, será possível ter sucesso na implementação de iniciativas de redução do absentismo na gestão, na subsequente valorização sustentável dos espaços florestais e num maior controlo dos incêndios, das pragas e das doenças.


Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Direção da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
Ex-Secretário Geral da Anefa - Associação Nacional das Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente
Ex-Secretário Geral da Federação dos Produtores Florestais de Portugal

(Publicado no Agroportal, em http://www.agroportal.pt/a/2012/pcastro4.htm#.UDM_b92PWrg)

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