terça-feira, 17 de julho de 2012

Pode o Eucalipto tornar-se uma espécie invasora? As maiores limitações para o potencial invasor do Eucalipto (E. globulus)


Muitos trabalhos analisam a questão da biodiversidade associada às exóticas (incluindo o Eucalipto) mas isso não tem necessariamente a ver com o carácter invasor (ou não) de uma espécie. A questão base consiste em saber se a boa adaptação da espécie ao novo meio equivale à sua naturalização ou se estamos perante um carácter verdadeiramente invasor. Vários estudos em todo o mundo (Califórnia, Brasil, Chile, África do Sul, etc) têm abordado esta questão e têm conseguido alguns dados importantes acerca da capacidade de regeneração natural do Eucalipto e da sua capacidade de ocupar outros habitats naturais ou semi-naturais (Ashton 2000 - Ecology of eucalypts regeneration; Florence 2004 - Ecology and silviculture of Eucalypts Forest).
Em Ritter and Yost (2009) está que o E. globulus e outras espécies de eucalipto estudadas não se reproduzem espontaneamente nem têm potencial para o fazer (in Diversity, reproduction and potential for invasiveness of eucalyptus in Califórnia).
No estudo de Quiroz et al.(2009) em que a questão central era se poderiam ou não considerar o eucalipto como uma espécies invasora no Chile a conclusão foi que não existiam evidencias para considerar o eucalipto como espécie invasora ou com potencial para o ser. Muitas vezes o estabelecimento das plântulas de eucalipto era ultrapassado em competição com outras espécies e a sua propagação era limitada (muito baixa sobrevivências das plântulas de eucalipto).
No Brasil (Muller da Silva et al. 2011), onde também esta questão quanto ao poder invasor do eucalipto está a ficar mais comum, referem que:
  • As plântulas de eucalipto raramente são encontradas além dos limites das áreas de plantação;
  • Dentro das áreas de plantação o eucalipto pode germinar mas as suas plântulas aparentemente não se estabelecem (não sobrevivem);
  • Assim o potencial de invasão por sementes produzidas nas plantações de eucalipto é muito baixo. 

A distância que as sementes conseguem atingir a partir da origem de produção está muito ligada ao risco de invasão (Wallace et al., 2008). Richardson et al. (2000) definiu que uma espécie com potencial invasor é aquela que se propaga mais de 100m em 50 anos ou menos. Seguindo esta definição, Ruthrof et al (2003) defende que o eucalipto tem sofrido um processo de naturalização mais do que de invasão. Porque segundo o seu estudo tem existido um estabelecimento de plântulas apenas a 60 metros ao longo de 66 anos, e não de 100m em menos de 50 anos.
Em Richardson and Rejmanék (2011) está referido que cerca de uma centena de espécies de eucalipto foram introduzidas na África do sul, onde foram cultivadas em diferentes níveis de intensidade em plantações comerciais. Surpreendentemente, tendo em conta o tempo de longa residência no país, o eucalipto está longe se ter um comportamento invasor em comparação, por exemplo, com o Pinus (com oportunidades semelhantes para invadir).
Muito trabalho ainda é preciso fazer para explicar o porquê de o eucalipto, tão bem sucedido numa variedade de habitats fora do seu habitat nativo na Austrália e altamente transportado por todo o mundo, tem uma performance relativamente pobre como invasora. Muitas vezes previu-se o eucalipto como sendo uma espécie muito invasora, mas depois concluiu-se que não o é.

A pressão de propágulos é claramente um condutor importante de invasão o que sugere que a resposta poderá estar nos requerimentos específicos para a germinação e sobrevivência das plântulas de eucalipto. Neste sentido todos estes estudos têm referido várias características do eucalipto que pode limitar a sua regeneração natural, como por exemplo:
  • Produção de sementes muito pequenas com poucas reservas energéticas para a germinação e desenvolvimento das plântulas;
  • As sementes necessitam de estratificação;
  • A germinação depende de condições internas e externas específicas (temperatura, disponibilidade hídrica, luz, etc.).
  • A dispersão das sementes é muito curta – as sementes são dispersas pela gravidade e geralmente muito perto da “planta-mãe”;
  • As sementes não permanecem viáveis no solo por muito tempo e muitas vezes não conseguem penetrar a folhada que está sobre o solo;
  • Na fase de germinação e estabelecimento das plântulas é facilmente ultrapassado por competição com outras espécies nativas ou exóticas e por espécies invasoras agressivas, como a Acácia spp., que competem por luz, água e nutrientes.
  • A folhada e a presença de outras espécies arbustivas ou herbáceas nas florestas nativas limitam bastante o estabelecimento das plântulas de eucalipto. 

Em Portugal, também esta questão quanto ao comportamento invasor ou não do eucalipto tem estado cada vez mais presente junto das ONGs, Comunidade Cientifica e mesmo da Administração Pública. Este assunto tem originado alguma especulação e até acusação pública, sem qualquer documentação de suporte do potencial invasor do eucalipto em Portugal. Existe no nosso País um vazio de informação de apoio às autoridades ambientais e florestais (ICNF) sobre este tema. 

É com esta problemática que nasce o projecto “Estudo comparativo das principais florestas cultivadas em Portugal: Eucalyptus globulus e Pinus pinaster – expansão natural num ambiente em mudança” em parceria com a FCT e com a Portucel – empresa produtora de pasta e papel, S.A.. O objectivo geral deste estudo é avaliar a capacidade de regeneração natural de Eucalyptus globulus e de Pinus pinaster em diferentes situações ambientais e determinar qual a sua taxa de sucesso na ocupação de áreas extensas em habitats naturais ou semi-naturais, sem intervenção directa do homem. Tanto quanto sabemos, em relação ao eucalipto e ao pinheiro-bravo, não existem ainda estudos em Portugal publicados que verifiquem estes aspectos. A urgência de um estudo destes em Portugal, o valor cientifico do mesmo, o seu acompanhamento pelas Doutoras Professoras Otília Correia e Cristina Máguas (da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) de elevada credibilidade cientifica e conhecimentos na área e ainda o apoio logístico e financeiro por parte da Portucel, contribuíram para a avaliação positiva e eleição deste projecto por parte da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia).
Este estudo vem pois preencher uma lacuna de conhecimento e de trabalhos concretos e específicos sobre a expansão natural das principais espécies florestais cultivadas em Portugal (Eucalyptus globulus e Pinus pinaster). Está igualmente garantida a publicação/divulgação dos resultados no sentido de ver esclarecido o eventual risco de invasão pelo eucalipto,  diminuindo significativamente a margem para a especulação pseudo-científica a que temos assistido à volta desta espécie em Portugal.

Patrícia Fernandes
Bióloga, bolseira da FCT

Referências:
Muller da Silva, P. H., Poggianib, F., Sebbenn, A. M., Mori, E. S., 2011. Can Eucalyptus invade native forest fragments close to commercial stands?Forest Ecology and Management 261: 2075–2080
Richardson, D. M., Pysek, P., Rejmánek, M., Barbour, M. G., Panetta, F. D., and West, C. J., 2000. Naturalization and invasion of alien plants: concepts and definitions. Diversity and Distributions, 6:93–107
Richardson, D. M.and Rejmánek, M., 2011. Trees and shrubs as invasive alien species – a global review. Diversity and Distributions, 17:788–809
Ritter, M. and Yost, J., 2009. Diversity, Reprodutction, and potential for invasiveness of Eucalyptus in California. MADRONO (56), 3:155–167.
Ruthrof, K.X., 2004. Invasion by Eucalyptus megacornuta of an urban bushland in Southwestern Australia. Weed Technol. 18, 1376–1380.
Wallace, H.M., Howell, M.G., Lee, D.J., 2008. Standard yet unusual mechanisms of long-distance dispersal: seed dispersal of Corymbia torelliana by bees. Divers. Distrib. 14, 87–94.



7 comentários:

  1. Richardson and Rejmanék (2011) referem a E. globulus como invasora em 5/15 regiões biogeográficas do planeta, incluindo Portugal...
    Uma sugestão: visite a Tapada Nacional de Mafra e veja como os 100 me já foram ultrapassados em muito menos de 50 anos.

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    1. Caro Professor

      Tentar encontrar em situações pontualíssimas (e vamos ver o sucesso dessas regenerações) uma regra que a evidência e os factos negam (o eucalipto está em Portugal há mais de duzentos anos e não têm expressão as evidências que quer encontrar) faz-me lembrar o problema posto aos cadetes de uma academia militar há uns anos atrás: Foi-lhes pedido que calculassem a distância percorrida pela bala de um canhão e a distância percorrida pelo canhão no seu recuo.
      Após laboriosos cálculos um dos cadetes concluiu que a bala percorria 10 (dez) metros e o canhão recuava 14 (catorze) quilómetros...
      Só que este cadete, sem tempo ou paciência para refazer os cálculos, acrescentou a seguinte nota ao seu resultado: "Neste caso, vira-se o canhão contra as nossas tropas"...
      É pois um caso em que se confrontaram os "resultados" ou "conclusões" com o bom senso e a realidade...
      Continuação de bons trabalhos!

      João Soares

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    2. Caro engº João Soares
      Não é com exemplos caricaturais que podemos manter um debate de ideias minimamente sério e construtivo. Apenas tentei alertar a doutoranda para a utilização que faz da literatura que cita. Não podemos citar um autor apenas para referir o que nos interessa (?) e omitir o que não nos interessa. Isso aplica-se quer a Richardson and Rejmanek (2012) quer a Ruthrof (2004). Por outro lado o exemplo da E. globulus na Tapada de Mafra é seguramente uma fonte de informação mais conclusiva sobre a situação da E. glubulus em Portugal que o estudo de Ruthrof (2004) na Austrália com outras espécies de eucaliptos...
      De facto não podemos generalizar enquanto não houver mais estudos, mas também não podemos afirmar que é um exemplo sem expressão, até porque existem muitas realidades distintas no universo de povoamentos dominados por E. globulus em Portugal.
      Respeitosamente
      Joaquim Sande Silva

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    3. Caro professor

      A falta de rigor cientifico nas citações/especulações/generalizações que tenho visto - nomeadamente em textos seus - e que levam o leitor incauto (e até os autores do famoso projecto de DL que o ICN fez circular há poucos anos ) a "generalizar enquanto não houver mais estudos". E isso convida a "caricaturar"...
      Estamos de acordo que e preciso estudar. Julgo que e isso que a Autora se propõe...
      Cumprimentos
      JSoares

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    4. Caro Professor Joaquim Sande Silva,

      Permita-me esclarecer que o objectivo do meu texto foi mencionar aspectos biológicos/ecológicos do eucalipto que poderão limitar o seu estabelecimento fora das áreas de plantação. Não pretendo de todo ignorar que o eucalipto é considerado invasor por alguns autores e em alguns países, e aliás é por isso que estamos a ter esta discussão, e é por isso que todas estas questões se impõem, e é por isso que este projecto está a ser conduzido e que é de especial importância. Foi de forma objectiva que tentei expor alguns aspectos limitantes do eucalipto (e é disso que o texto trata) também apontados por outros estudos, inclusive em Richardson and Rejamánek 2011 leia-se “Eucalypts … have been exceptionally well disseminated and widely planted for well over a century in many parts of the world. No clear ecological syndromes favouring invasiveness have been discovered in this group”. Já em Richardson (Forestry trees as invasive aliens, 1997) esta questão aparece: “Eucalypts are also represented on many national or regional weed lists from other parts of the world. Despite this, they have not been nearly as successful in invading alien environments as other widely planted trees such as pines and legumes.”. Leia-se ainda em Rejmánek and Richardson (“Eucalypts,” in Encyclopedia of Biological Invasions, D. Simberloff and M.Rejmánek, Eds., pp. 203–209, University of California, Berkeley, Calif, USA, 201), “Where eucalypts have invaded, they have very seldom spread considerable distances from planting sites, and their regeneration is frequently sporadic. Given that many eucalypts produce very large quantities of seeds, and in light of their diverse adaptations for dealing with disturbance (notably fire), their poor (or at best mediocre) performance as invaders is enigmatic. Many other Australian trees, including taxa that evolved under the same conditions as Eucalyptus, are much more invasive in other parts of the world. What makes this difference?...There seem to be three major reasons for the limited invasiveness of eucalypts: (1) relatively limited seed dispersal, (2) high mortality of seedlings, and (3) lack of compatible ectomycorrhizal fungi.” No meu texto especificamente é disto que estou a falar, o porquê do eucalipto como espécie exótica altamente plantada e usada pelo homem não tem de uma forma geral uma expressão marcada como invasora como acontece com outras espécies, como por exemplo Acácia spp. É por isso que apresento uma serie de características que podemos também considerar hipóteses levantadas por estes autores.
      Como bióloga o único interesse que defendo é o interesse científico, é o saber mais e é o fundamentar as afirmações com dados e resultados. Neste projecto propôs-se estudar de forma intensiva e a explorar várias situações em que o eucalipto se encontra em Portugal, de norte a sul do país e sob várias condições edafo-climaticas e de gestão, analisando diferentes habitats envolventes das plantações, de forma a termos uma visão global e a fazermos uma avaliação o mais correcta possível de risco do eucalipto como invasor para Portugal, analisando objectivamente diversos factores. Mafra é de facto um dos locais a ser analisado. Não encontrei nenhuma publicação referente ao caso de estudo de Mafra e mesmo para Portugal também não encontrei nenhum estudo publicado do género, se o professor tiver alguma bibliografia a este respeito ficaria agradecida se me pudesse indicar. O próprio professor concorda certamente que há falta de conhecimento e que mais estudos em Portugal são necessários. Estarei sempre receptiva a mais sugestões pois acho que este estudo é do interesse de todos.

      Cumprimentos,
      Patrícia Fernandes

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    5. Respondendo aos dois últimos comentários.
      - Não aceito de forma nenhuma a acusação de falta de rigor científico em nada do que escrevi. Para quem dá aulas e faz investigação como eu, trata-se de uma acusação grave e muito desagradável, já que implica desonestidade naquilo que se faz. Poderia da mesma forma referir a falta de rigor e de isenção em textos seus, mas vou deixar a troca de galhardetes por aqui já que não foi isso que me levou a comentar o post da Patrícia Fernandes. Aliás tenho alguma dificuldade em entender como é que aparece a contestar o meu breve comentário ao post de uma outra pessoa...
      - Quanto ao comentário da doutoranda Patrícia Fernandes, terei todo o prazer em fornecer-lhe o relatório do projecto ModMed III onde é referido o estudo sobre a Tapada de Mafra. De resto eu próprio estou a orientar um doutoramento na mesma área e haveria vantagens mútuas em trocar impressões a este respeito, se tiver interesse nisso. O meu e-mail institucional é público e facilmente poderá entrar em contacto comigo.

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    6. Caro Professor

      A "acusação" de falta de rigor científico só quer dizer isso mesmo: "falta de rigor científico". Não quer dizer, nunca o disse e acho ilegítimo que o infira "desonestidade naquilo que se faz".
      Estou certo que na sua vida académica já tropeçou em muitos casos de "falta de rigor científico" e duvido que isso sempre tenha correspondido a "desonestidade naquilo que se faz".
      Espero que estejamos entendidos neste ponto. Se me entendeu mal (e eu não sou disso responsável) peço-lhe desculpa (pelo que não escrevi nem sugeri!).

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